Não valerão a pena mais comentários sobre a visita papal que, dentro de dias, vai ocorrer no nosso país. O que mais tem impressionado têm sido os fundamentalismos, que se têm colado a toda a situação por que a Igreja tem estado a passar. A questão da tolerância de ponto veio enaltecer mais as críticas, quando todos sabemos que qualquer que fosse a composição política do governo a decisão iria no mesmo sentido... Entretanto, vai havendo umas histórias, como a da Ministra da Educação dizer que o encerramento das escolas no dia 13 dependerá de decisão das direcções das Escolas... Nenhuma novidade, porque, teoricamente, o mesmo é válido para todos os outros serviços do Estado; só que era escusado transferir as despesas dessa decisão para as direcções das Escolas quando todos sabemos o que, na prática, significa uma tolerância de ponto, independentemente de concordarmos ou não com ela.
Só hoje li a edição de sábado do Jornal i, que publicou uma entrevista com Marcelo Rebelo de Sousa, assinada por Maria João Avillez. Naturalmente, a vida política e as tensões do momento entraram na conversa, mas quero aqui destacar o que o entrevistado disse e considerou sobre Bento XVI, por me parecer oportuno. A entrevista pode ser lida na íntegra aqui, mas transcrevo essa última parte, que respeita à visita papal e a algumas vias de transição que se abrem à Igreja.
«(...) Vem aí o Papa, o que não o deixa indiferente. Que reflexão lhe suscita esta visita? É uma grande oportunidade para uma palavra de esperança numa Europa sem norte e desesperançada e num país com pouco norte e muitos desesperançados. Em segundo lugar, é importante que o Papa dê uma palavra de solidariedade à igreja portuguesa. Tem tido um papel de que se não fala, mas sem o qual não seria possível em muitos aspectos aguentar a crise social do país. É a Igreja que ampara muitas das IPSS no domínio da educação, da saúde, da solidariedade social. Quem faz esse trabalho, das crianças aos mais velhos, é uma rede de instituições de inspiração cristã. O comum das pessoas dá esse amparo como adquirido, confundindo-o com o Estado, mas justamente como nem sempre o Estado o pode fazer - e vai poder cada vez menos - quem está presente é a Igreja. Há ainda o facto de a visita ocorrer num momento em que o Papa e a Igreja são objecto de um conjunto de críticas - aqui e no mundo. Umas devido ao estilo de Bento XVI, outras ao caso da pedofilia.
Quer parar numas e noutras? A comunicação social, que gostava particularmente de João Paulo II, gostou sempre menos de Bento XVI. Sucede porém que o Papa é atacado por ter cão e por não ter e insuspeitamente o digo: como católico acho que o Papa é escolhido pelo Espírito Santo e que vale a sua escolha e não a minha. Isto dito, teria preferido que o Espírito Santo tivesse escolhido outro. Mas antes mesmo da questão da pedofilia já se dizia que era um homem primitivo, reaccionário. Queria recorrer ao catolicismo irracional - quando é a racionalidade em pessoa. Por outro lado acusam-no de ser demasiado frio, racional, sem capacidade para entender as pessoas e sem criar empatia com elas. Atacava-se por ele ser anticonciliar quando foi determinante a sua acção no Concílio Vaticano II; atacava-se por ser "direitista" porque terminou com alguns movimentos omitindo que acabou com outros, com essa conotação mas que mereciam ser extintos. Sendo conservador em questões de princípio e da disciplina interna da Igreja, é geralmente omitido que numa das últimas encíclicas atacou o capitalismo internacional, a crise financeira, sublinhando nela a culpa dos banqueiros, defendeu a reforma das Nações Unidas, uma nova ordem económica internacional, manteve as posições em relação à Palestina. E então, de repente, ai que afinal era progressista...
E no outro caso? O santo padre pediu desculpa na sua carta às vítimas irlandesas, recebeu outras vítimas em Malta. Já várias vezes pediu desculpa, aceitou a culpa, aceitou que há uma responsabilidade que não é só religiosa... Mas de cada vez que diz qualquer coisa que devia ser "lida" como um reconhecimento do que é inaceitável no comportamento da Igreja, caem-lhe em cima dizendo " é preciso muito mais"!
Falou de João Paulo II. Os seus desafios não são os mesmos de hoje... Não. O Papa anterior enfrentou um grande desafio - que venceu. Eram os marxismos, que estavam na moda quando ele chegou ao Vaticano, nos anos 70, podendo assistir à implosão da União Soviética e dos marxismos. O desafio deste Papa é muito mais difícil: o ressurgir dos racionalismos iluministas de há mais de um século, para os quais a razão explica tudo. Mas ao mesmo tempo que explica tudo, porque a razão é individual, também é relativista: não há valores absolutos. O Papa assumiu o combate a esses racionalismos relativistas, o que é lógico na óptica de quem entende que há valores absolutos, mas isso tornou-o "incompreensível", por um lado, e "inaceitável" por outro. Repare que até a comparação com João Paulo II é injusta: João Paulo II era relativamente novo quando foi eleito, o que não ocorreu com o seu sucessor. A minha leitura é que este Papa é obviamente de transição: a transição entre João Paulo II e o primeiro Papa não europeu.
América Latina? ... e se Deus quiser Brasil. E mais: vou dizer-lhe uma coisa que por enquanto, poucos sabem: o actual Papa trabalhou para não ser Papa. Ele mais o arcebispo de Paris e um cardeal muito próximo, o austríaco Schönborn. Trabalharam muito para que fosse eleito um Papa não europeu. Justamente não houve eco dos cardeais europeus, particularmente dos italianos, para quem isso seria uma ruptura demasiado brutal. O que é inevitável é que depois de Bento XVI surja um Papa da nova cristandade.»
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