O primeiro número da edição portuguesa da revista Granta saiu em Maio (Dir.: Carlos Vaz Marques. Lisboa: Tinta-da-china), logo na abertura da Feira do Livro de Lisboa. Algumas máximas deste número ficam aqui registadas, por ordem alfabética do tema, que não por outra ordem.
Ajuda – “Uma pessoa que ajuda é alguém que desempenha tarefas fora
da sua própria esfera de responsabilidade, por bondade, porque tem coração. A
ajuda é perigosa porque existe fora da economia humana: o único pagamento para
a ajuda é a gratidão.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
Doença – “Adoecer fecha-nos mais sobre nós próprios, tornamo-nos
menos capazes de compor as máscaras com que nos escondemos. Talvez, então, ao
ficarmos doentes deixemos de ter grande parte da capacidade de mascarar de
forma original o facto de sermos todos uma e a mesma coisa. Uma e a mesma coisa
disfarçada por um amontoado de memórias diferentes. Cada um de nós com o seu
amontoado de memórias e, por isso mesmo, com a sensação de ser único. Parece-nos
tanto que somos únicos que nos dói a ideia de podermos ser todos uma e a mesma
coisa. Mas a verdade é que não temos como saber se, em vez de indivíduos, não
somos apenas uma ilusão criada por excesso de memórias acumuladas e excesso de
composição de personagem. Apenas disfarces de um mesmo mecanismo que uma doença
pode, em menos de um piscar de olhos, desmascarar.” (Dulce Maria Cardoso. “Em
busca d’eus desconhecidos”).
Ficção – “A ficção – certa ficção – talvez seja a forma mais
poderosa de exercitar o pensamento, de acelerar a realidade lenta do
quotidiano. Escrita ou lida, a ficção escava-nos por dentro, rasga novos canais
para o eu. Desacerta-nos com o que éramos. E tanto faz que sejamos nós a
escrever ou a ler.” (Dulce Maria Cardoso. “Em busca d’eus desconhecidos”).
Guerra – “Há certas partes da vida de que não podemos ter presciência
– a guerra, por exemplo. O soldado que parte para a guerra pela primeira vez não
sabe como se comportará quando for confrontado com o exército inimigo. Não
conhece essa parte de si mesmo. É um matador ou um cobarde? Quando confrontado,
reagirá, mas não sabe a priori qual será a reacção.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
História – “A vida é um tédio quando não há histórias para ouvir
nem nada para ver.” (Orhan Pamuk. “Gente famosa”).
Intolerância – “Há mais de uma maneira de se ser paciente e a
intolerância pode ter várias formas.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
Lucidez – “Manter-[se] lúcido é o que mais importa perante a
estranheza.” (Saul Bellow. “Memórias do filho de um contrabandista”).
Mentira – “Despida, a verdade pode tornar-se vulnerável,
desajeitada, chocante. Vestida de mais, transforma-se numa mentira.” (Rachel
Cusk. “Rescaldo”).
Música – “Não há nada que crie mais comunhão do que a música. Podemos
ter milhares embrulhados na mesma melodia, no mesmo ritmo. A música chega às
multidões muito mais rápido do que outra coisa qualquer. Não há discurso que se
lhe compare nesse aspecto.” (Afonso Cruz. “Jazz, rosas e andorinhas”).
Sonho – “É sempre além de mim o indescoberto / Porto ao luar com
que se o sonho engana.” (Fernando Pessoa. “Sossego enfim”).
Tom – “O tom é uma coisa chata porque não se controla. Controlamos
as palavras, a custo, o volume, a custo, mas não o tom. O tom é como os olhos,
não engana.” (Ricardo Felner. “Mar negro”).
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