A passagem dos 125 anos sobre a publicação de Os Maias, de Eça de Queirós (1ª ed.,
1888), obra cuja presença no cânone português é indiscutível, constitui o
pretexto para as releituras ecianas ou para leituras do país e da nossa
contemporaneidade, na peugada de Eça.
Exemplo é o projecto do semanário Expresso, designado “Eça agora”, constituído por sete volumes: três
deles reproduzindo a obra que se celebra; outros três apresentando ficções que
continuarão Os Maias num percurso
temporal até 1973 (em textos devidos a José Luís Peixoto, José Eduardo
Agualusa, Mário Zambujal, J. Rentes de Carvalho, Clara Ferreira Alves e Gonçalo
M. Tavares); o último divulgando esse estudo indispensável sobre a saga da
família Maia, intitulado Introdução à
leitura d’Os Maias, devido a Carlos Reis (1ª ed., 1978).
Um outro exemplo do destaque dado ao romance maior de
Eça é a edição do Jornal de Letras – JL,
de ontem (nº 1117, 24.Julho.2013), que revisita Os Maias,
através de Carlos Reis (dando a sua experiência de leitor da obra, num texto de
marcas pessoais, que o leva a considerar a sua releitura como “uma
aventura sem fim”); de Kyldes Batista Vicente (universitária brasileira que
reflecte sobre a recepção da mini-série que a TV Globo produziu a partir de
várias obras de Eça); de Maria do Rosário Cunha (investigadora ligada à edição
crítica d’Os Maias, que ajuiza sobre
esse trabalho); de José-Augusto França (revelando o fascínio pela construção de
uma personagem como Maria Eduarda); de Filomena Oliveira (analisando a versão
dramatúrgica da obra, de que foi co-autora, com Miguel Real); de Carolina Freitas
(no resultado de uma conversa com o realizador João Botelho, que vai rodar nova
película sobre esta obra); de um painel constituído por Manuel Jorge Marmelo,
Miguel Real, Nuno Camarneiro, Fernando Venâncio, Teolinda Gersão, Mário de
Carvalho e Mário Cláudio, que se aventuram no gizar do que seria o plano ou o
capítulo inicial da obra Memórias de um átomo, jamais escrita mas sempre
prometida por João da Ega; de cinco dos seis continuadores d’Os Maias (não participa Gonçalo M.
Tavares) do projecto do Expresso, que
respondem a inquérito a propósito do trabalho em que se envolveram – destaco o
testemunho de Clara Ferreira Alves, assumida como “queirosiana confessa,
inabalável”, que revela a sua surpresa de cada vez que relê Eça e considera as
personagens queirosianas como integrando a sua “família espiritual”.
No entanto, o título dado a este projecto, “Eça agora”,
existe já desde 2007, ano em que foi publicado o romance Eça agora – Os herdeiros d’Os Maias (Lisboa: Oficina do Livro),
obra colectiva devida a sete autores: Alice Vieira, José Jorge Letria, José Fanha,
Luísa Beltrão, Mário Zambujal, Rosa de Lobato Faria e João Aguiar.
Obra forte, que conquista o humor eciano e critica
fortemente os hábitos sociais do século XXI, nela, “herdeiros” são os autores,
que seguem a via queirosiana, seja pelos reflexos evidentes dos incidentes com
as personagens, seja pelo papel que essas mesmas personagens vão desempenhar na
obra, seja pelo ambiente em que a trama vai acontecendo; “herdeiros” são as
personagens, elas mesmas, intensamente marcadas pelos nomes, determinadas por
um Afonso e um Carlos da Maia, decalcados do original, figuras que surgem
rodeadas por outras que, pelas atitudes e pelas aproximações fonéticas aos
nomes queirosianos, nos dão a aguarela em que assenta esta narrativa – João da
Régua, Dodô Varinho, Damásio Malcede, Palma Cavalito, Além Mar, Maria Moncorvo,
Maria Hermengarda, entre outras – nomes que se cruzam com a Lisboa e o Portugal
contemporâneos, matizados nos partidos políticos, no Gambrinus, na Quinta da
Marinha, nos concertos, em organizações como a Populus Dei, no periódico 48 horas, nos clubes desportivos, numa
capital efervescente de socialite; “herdeiros” ainda pelas intenções, já que é
evidente a crítica social e política sobre o momento em que a obra foi
produzida, eivada de nomes que fazem lembrar os do “Contra-Informação”, como
são exemplos Aristides Platão, “primeiro-ministro”, ou Procónio Guterros,
Morcão Lamoso, Sanlopes Tana, Marcos Arquimendes, Luís Filipe Menelau ou o Dr.
Saulo Cortas, ou mesmo o Presidente Vassilva Caco…
No final, como “delicada alusão”, Carlos da Maia e
João da Régua vão apanhar o metropolitano e, enquanto se lamentam pelo facto de
tudo continuar na mesma e verificam que “nada vale a pena”, decidem correr na
gare rumo ao comboio que estava para partir. “Corre, que ainda o apanhamos!”,
aconselhava João da Régua. E “saltaram degraus a quatro e quatro, entraram de
roldão na carruagem de trás. O comboio pôs-se em movimento e desapareceu no
túnel.”
Os sete autores, que foram construindo os seus
capítulos na sequência do legado pelo autor anterior, em duas voltas (catorze
capítulos, sem que nenhum tivesse sido autor de dois capítulos seguidos),
juntam-se no fecho do romance (ou da telenovela), o “epílogo”, assumindo o
estatuto de personagens que, numa reunião clandestina, têm um encontro com “um
rosto humano, um rosto humano que eles conheciam de fotos antigas, de quadros e
estátuas, um rosto afilado, com um monóculo entalado num dos olhos trocistas…”,
Eça, ele mesmo. Eça, agora. Sinal de que se estava perante uma reunião de “herdeiros”
de Eça. E a obra podia terminar.
No 125º
aniversário de Os Maias, estas
adaptações caucionam a actualidade de Eça de Queirós, indo muito além da
citação em diferentes contextos e provando que a única alteração e actualização
decorre dos cenários, originários da alteração da paisagem citadina ou social,
porque o interior das personagens… ou, como o narrador de Os Maias acentuava no
derradeiro capítulo, quando Carlos regressou do seu afastamento de uma década
da capital, tudo permanece na mesma. Dê-se-lhe a voz: “Foram descendo o Chiado.
Do outro lado, os toldos das lojas estendiam no chão uma sombra forte e
dentada. E Carlos reconhecia, encostados às mesmas portas, sujeitos que lá
deixara havia dez anos, já assim encostados, já assim melancólicos. Tinham
rugas, tinham brancas. Mas lá estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das
mesmas ombreiras, com colarinhos à moda.” Ainda por lá andam, 125 anos depois…