O primeiro livro póstumo de António Manuel Couto Viana não foi de poesia, mas de contos, arte e escrita a que se dedicou com afinco no último período da sua vida, tendo publicado três títulos que lhe granjearam elogios merecidos, além de terem constituído surpresa na sua ficha bibliográfica, sobretudo ocupada com poesia, teatro e memorialismo.
Tens Visto o Antão? – Contos Pícaros e Outros Não (Lisboa: Quetzal Editores, 2011), em edição preparada por Ricardo de Saavedra, prossegue a narrativa picaresca com que Couto Viana tinha brindado os seus leitores, enredada em dezena e meia de histórias de onde não estão ausentes a paródia de costumes, o retrato impiedoso das situações mais caricatas de uma determinada sociedade, a montra das fraquezas e das pequenas vaidades humanas.Os narradores dos vários contos vão variando no nome e na sua caracterização, mas conservam sempre algo de uma memória que lhes é comum, construída nas vivências da “cidadezinha” que o leitor desde cedo percebe ser Viana do Castelo, terra de infância e raiz do próprio Couto Viana.
As histórias deste livro partem das memórias distantes do seu autor, cruzadas com o fazer narrativo, com a obra de arte, havendo lembranças de sítios, de pessoas, de hábitos e costumes, de saberes, da paisagem, sendo ainda possível ver tratados assuntos de todos os tempos, como a questão da identidade (em “Onde, o Natal?”) ou um elogio à paternidade (como em “Pai Incógnito”).
O leitor chega ao final de cada conto e tem vontade de sorrir, tais são o espírito certeiro com que as personagens são esculpidas ou a vivacidade posta na narração de situações caricatas que todos podemos facilmente imaginar por verosímeis. Mas o primeiro a usufruir desse prazer é o próprio narrador, como o demonstra no final da história de Elisete Fernandes, personagem do conto que fecha o livro e que lhe dá título: “Eu arrebatei a papelada, atirei para a mesa as moedas do café e do bagaço e corri para a esplanada, a soltar uma gargalhada colossal!”
Fim da história, conclusão do livro e a gargalhada da satisfação, depois de uma representação em que, pelo menos, outras tantas personagens quantos os contos desfilaram, mostrando-se e… talvez mostrando-nos.
Para mim, que conheci António Manuel Couto Viana e de quem ouvi a leitura de alguns dos contos aqui inseridos, acabadinhos de fazer (privilégio, eu sei), torna-se difícil ler estes contos sem ver passar a figura do seu autor, gargalhando e revivendo as histórias que estiveram na origem destes textos, ainda que ele se tenha disfarçado na escrita usando a personagem de outros tantos narradores.
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