“Quando optei por trabalhar a tempo inteiro na leitura, a escrita tornou-se papel a mais na minha vida.” Assim justifica Resendes Ventura (pseudónimo de Manuel Pereira de Medeiros) a sua mais recente obra, intitulada Papel a mais – Papéis de um livreiro com inéditos de escritores (Lisboa: Esfera do Caos, 2009).
Fico-me, por agora, pela introdução ao livro. Que não é tão curta quanto isso. Cerca de meia centena de páginas a justificar uma vida. Ou a explicar como um livreiro não pode existir sem ser leitor e, por vezes, a ser também escritor. Aliás, as três funções podem coexistir porque se sabe ser “confortável que escritores, editores e livreiros se sintam a viajar num mesmo barco para o país da leitura”.
Este texto é uma incursão pela memória, uma abordagem autobiográfica na viagem pela leitura dinamizada e possibilitada e pelas leituras feitas. Participa o leitor no que foi uma experiência dedicada à leitura nas suas várias frentes, no que foi (é) a história da acção de uma livraria (a Culsete) numa cidade como Setúbal no que à leitura respeita, no que foi um trajecto pessoal desde uma infância leitora no encanto açoriano até à acção em prol da leitura, com passagem pela experiência da escrita poética e com paragens em projectos de revistas ou de livrarias outras. Leitura, escrita, livros, tudo com os seus tempos, ganhando sentido nesta arrumação de “papel a mais”.
Nesta viagem, sentimos também muitas provocações, que são, sobretudo, um questionar o mundo do livro e da edição e o universo da cultura. Uma: “É do erro intelectual e da barbárie dos poderes, ganâncias e fanatismos que vêm e sempre vieram todas as involuções das civilizações.” Forte, demasiado forte, verdadeira mais do que acintosa. Outra: “Como é que um país pode ser culto sem edições disponíveis de obras fundamentais quer da cultura nacional quer da universal? Miséria de editores ou miséria de leitores? Nunca compreendi. Mas a conclusão, sim: miséria de leitura.” Forte, também, e dizendo respeito a todos, que nos vamos comprazendo com literaturas “light” e aceitando fotocópias que desmantelam livros e saberes e alteram hábitos. Mais uma: “Encontrei quem se escandalizasse ao constatar que havia editores a publicar livros sem os ler, mas nunca encontrei quem se admirasse de um livreiro ser ignorante como leitor”. Também forte, mexendo com as formas de atendimento que não podem ser meramente comerciais, mas têm de ser cultas e humanas, gerando uma ideia de livraria como espaço de procura de saber, que também o é; também forte porque a narrativa aqui inscrita vai sendo pontuada pelas referências de leitura de uma vida, assim abrindo caminho para a exigência dessa sobreposição do livreiro com o leitor. Por aqui perpassam ideias para um mundo da leitura a vir ou a ser, algumas delas experimentadas, vividas no âmago de um percurso quase a sós, recheado com algumas compensações (como a de encontrar leitores filhos de outros leitores que neste percurso descobriram, uns e outros, o fascínio da leitura).
“Histórias do meu percurso livreiro”, assim sumaria lá mais para o final desta introdução o velho livreiro. Memorialismo assumido, pois. Com relato de saber e algum exemplo. Como todos os olhares para trás numa vida, este é também uma reflexão sobre a prática, sobre o caminho levado, em que muitas vozes, saberes, escritas, nomes, leitores, momentos, escritores, conversas, editores, poemas, opiniões, lançamentos e prosas se cruzaram, encontrando-se, fazendo do livro um ponto, momento, espaço de encontro, de comunhão. É pouco? É um sentido, é uma vida.
Concluo com uma pergunta do início desta introdução ao livro, que constitui o desafio para essa procura de sentido: “Valeu a pena na perspectiva da leitura tirar a vida ao escritor por dedicá-la ao livreiro?” Há uma coisa que eu sei: a minha experiência de leitura tem vindo a ser enriquecida com os despertares que também da livraria do Manuel Medeiros vão irradiando. E nesta leitura de Papel a mais não encontro novidades, acho pedras sobre que se edifica aquilo que este livreiro tem sido.
Fico-me, por agora, pela introdução ao livro. Que não é tão curta quanto isso. Cerca de meia centena de páginas a justificar uma vida. Ou a explicar como um livreiro não pode existir sem ser leitor e, por vezes, a ser também escritor. Aliás, as três funções podem coexistir porque se sabe ser “confortável que escritores, editores e livreiros se sintam a viajar num mesmo barco para o país da leitura”.
Este texto é uma incursão pela memória, uma abordagem autobiográfica na viagem pela leitura dinamizada e possibilitada e pelas leituras feitas. Participa o leitor no que foi uma experiência dedicada à leitura nas suas várias frentes, no que foi (é) a história da acção de uma livraria (a Culsete) numa cidade como Setúbal no que à leitura respeita, no que foi um trajecto pessoal desde uma infância leitora no encanto açoriano até à acção em prol da leitura, com passagem pela experiência da escrita poética e com paragens em projectos de revistas ou de livrarias outras. Leitura, escrita, livros, tudo com os seus tempos, ganhando sentido nesta arrumação de “papel a mais”.
Nesta viagem, sentimos também muitas provocações, que são, sobretudo, um questionar o mundo do livro e da edição e o universo da cultura. Uma: “É do erro intelectual e da barbárie dos poderes, ganâncias e fanatismos que vêm e sempre vieram todas as involuções das civilizações.” Forte, demasiado forte, verdadeira mais do que acintosa. Outra: “Como é que um país pode ser culto sem edições disponíveis de obras fundamentais quer da cultura nacional quer da universal? Miséria de editores ou miséria de leitores? Nunca compreendi. Mas a conclusão, sim: miséria de leitura.” Forte, também, e dizendo respeito a todos, que nos vamos comprazendo com literaturas “light” e aceitando fotocópias que desmantelam livros e saberes e alteram hábitos. Mais uma: “Encontrei quem se escandalizasse ao constatar que havia editores a publicar livros sem os ler, mas nunca encontrei quem se admirasse de um livreiro ser ignorante como leitor”. Também forte, mexendo com as formas de atendimento que não podem ser meramente comerciais, mas têm de ser cultas e humanas, gerando uma ideia de livraria como espaço de procura de saber, que também o é; também forte porque a narrativa aqui inscrita vai sendo pontuada pelas referências de leitura de uma vida, assim abrindo caminho para a exigência dessa sobreposição do livreiro com o leitor. Por aqui perpassam ideias para um mundo da leitura a vir ou a ser, algumas delas experimentadas, vividas no âmago de um percurso quase a sós, recheado com algumas compensações (como a de encontrar leitores filhos de outros leitores que neste percurso descobriram, uns e outros, o fascínio da leitura).
“Histórias do meu percurso livreiro”, assim sumaria lá mais para o final desta introdução o velho livreiro. Memorialismo assumido, pois. Com relato de saber e algum exemplo. Como todos os olhares para trás numa vida, este é também uma reflexão sobre a prática, sobre o caminho levado, em que muitas vozes, saberes, escritas, nomes, leitores, momentos, escritores, conversas, editores, poemas, opiniões, lançamentos e prosas se cruzaram, encontrando-se, fazendo do livro um ponto, momento, espaço de encontro, de comunhão. É pouco? É um sentido, é uma vida.
Concluo com uma pergunta do início desta introdução ao livro, que constitui o desafio para essa procura de sentido: “Valeu a pena na perspectiva da leitura tirar a vida ao escritor por dedicá-la ao livreiro?” Há uma coisa que eu sei: a minha experiência de leitura tem vindo a ser enriquecida com os despertares que também da livraria do Manuel Medeiros vão irradiando. E nesta leitura de Papel a mais não encontro novidades, acho pedras sobre que se edifica aquilo que este livreiro tem sido.
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