Até 28 de Novembro, o visitante tem a possibilidade de poder admirar 24 obras do Morgado de Setúbal, provenientes de várias colecções, numa exposição patente na Casa da Baía, em Setúbal, intitulada "Pintura e quotidiano - O Morgado de Setúbal, um pintor do tempo de Bocage". A acompanhar a mostra, há um roteiro contendo textos de Fernando António Baptista Pereira, Joaquim Oliveira Caetano e Ana Maria Fernandes, bem como reproduções fotográficas de obras do pintor.
No décimo-primeiro capítulo de Viagens na Minha Terra, quando ainda está para começar a história da personagem Joaninha, escreveu Almeida Garrett, descrevendo um cenário que apresentava o movimento da dobadoira junto da qual estava a avó da protagonista: "Era o único sinal de vida que havia em todo esse quadro. Sem isso, velha, cadeira, dobadoira, tudo pareceria uma graciosa escultura de António Ferreira ou um daqueles quadros tão verdadeiros do Morgado de Setúbal". O romance começou a publicar-se em revista em 1843 e o Morgado de Setúbal tinha falecido em 1809. À distância de pouco mais de três décadas sobre a sua morte, o génio de Garrett invocava para a pintura do Morgado a qualidade da fidelidade do retrato em relação ao objecto.
Muito embora tendo ficado conhecido por "Morgado de Setúbal", o certo é que José António Benedito Soares da Gama de Faria e Barros nasceu em Mafra por meados do século XVIII, em 21 de Abril de 1752, na altura em que seu pai, António José Bernardo Soares da Gama e Barros, casado com Josefa Antónia Caetana Perpétua de Ossuna, exercia as funções de síndico no convento mafrense dos frades arrábidos.
Mais tarde, viria para Setúbal, onde administrou o morgado dos Soares, que veio a herdar. Na cidade do Sado, acabaria o Morgado os seus dias, quando ainda não tinha 57 anos, solteiro, com uma filha que não conseguiu legitimar ("pela ter havido em mulher casada"), deixando os bens a José Augusto Maria Lopes Soares de Faria Mascarenhas de Barros e Vasconcelos, seu sobrinho, e sendo sepultado em túmulo de família na Igreja de Santa Maria.
O nome do Morgado de Setúbal consta na toponímia sadina, em rua da freguesia de S.Sebastião. No entanto, a cidade prestou-lhe já outra homenagem, colocando lápide evocativa na casa em que viveu e faleceu. Porém, entrado o edifício em ruína e definitivamente demolido, a evocação pública desapareceu também. A imagem do Morgado foi reabilitada para Setúbal em 1957 pelo pintor Luciano dos Santos, que o integrou no painel dos artistas do seu "Tríptico", desde essa data exposto no Salão Nobre da Câmara Municipal.
Muito embora tendo ficado conhecido por "Morgado de Setúbal", o certo é que José António Benedito Soares da Gama de Faria e Barros nasceu em Mafra por meados do século XVIII, em 21 de Abril de 1752, na altura em que seu pai, António José Bernardo Soares da Gama e Barros, casado com Josefa Antónia Caetana Perpétua de Ossuna, exercia as funções de síndico no convento mafrense dos frades arrábidos.
Mais tarde, viria para Setúbal, onde administrou o morgado dos Soares, que veio a herdar. Na cidade do Sado, acabaria o Morgado os seus dias, quando ainda não tinha 57 anos, solteiro, com uma filha que não conseguiu legitimar ("pela ter havido em mulher casada"), deixando os bens a José Augusto Maria Lopes Soares de Faria Mascarenhas de Barros e Vasconcelos, seu sobrinho, e sendo sepultado em túmulo de família na Igreja de Santa Maria.
O nome do Morgado de Setúbal consta na toponímia sadina, em rua da freguesia de S.Sebastião. No entanto, a cidade prestou-lhe já outra homenagem, colocando lápide evocativa na casa em que viveu e faleceu. Porém, entrado o edifício em ruína e definitivamente demolido, a evocação pública desapareceu também. A imagem do Morgado foi reabilitada para Setúbal em 1957 pelo pintor Luciano dos Santos, que o integrou no painel dos artistas do seu "Tríptico", desde essa data exposto no Salão Nobre da Câmara Municipal.
a lápide e a casa
Apesar da importância que a obra do Morgado de Setúbal teve, o primeiro centenário do seu falecimento, ocorrido em 12 de Fevereiro de 1909, não teve grandes manifestações, talvez pela situação de instabilidade que o país vivia e por razões particulares que afectaram vários prováveis intervenientes nessas comemorações. No entanto, houve esforços para que a efeméride fosse assinalada, sobretudo da parte de António Maria de Faria, bisneto do sobrinho a quem o Morgado deixara os seus bens, que contactou conhecidos e jornais de Mafra, de Lisboa e de Setúbal, a fim de promoverem a data, tendo ele mesmo organizado uma antologia com os vários artigos publicados e alguma correspondência a que deu o título de Primeiro Centenário da Morte do Célebre Pintor Morgado de Setúbal, editado em Milão em 1909.
Em 22 de Outubro de 1908, o periódico Revista de Setúbal publicara longo texto, lembrando que, em Fevereiro do ano seguinte, passaria o primeiro centenário do falecimento do Morgado de Setúbal e propondo quatro manifestações: uma exposição da obra, a publicação de um jornal em número evocativo e único, a realização de um sarau literário e a aposição de uma lápide na casa em que vivera o Morgado. Contudo, na véspera da data evocativa, em 11 de Fevereiro de 1909, o mesmo jornal lamentava-se: "A nossa voz ficou quase sem eco; e, se não fora as referências deste jornal, é possível mesmo que o dia passasse despercebido, o que realmente não seria muito lisonjeiro para os apregoados brios desta cidade".
Certo foi, no entanto, que a lápide, pelo menos, chegou a ser colocada, contendo os seguintes dizeres: "O célebre pintor Morgado de Setúbal - José António Benedito Soares da Gama de Faria e Barros - senhor que foi desta casa, aqui residiu e faleceu solteiro a 12-2-1809". Uma fotografia de Américo Ribeiro, datada de 1939, publicada em Setúbal d'Outros Tempos, reproduz o café "Casa das Águas", com a lápide ao nível do primeiro andar. Numa outra fotografia datada de 1952, publicada na mesma obra, já o prédio estava parcialmente destruído, sem o primeiro andar. Acabaria o mesmo por ser demolido para naquele espaço ser construída a sede da Caixa Geral de Depósitos, na Avenida Luísa Todi.
Em 11 de Fevereiro de 1952, véspera de mais um aniversário da morte do Morgado, o jornal O Setubalense informava que a lápide, "em mármore branco, por sinal já partida numa ponta", se encontrava num casarão que arrecadava forragens, propriedade do industrial Henrique Gomes, "ao fim da rua José Carlos da Maia, quase à entrada do Bairro dos Olhos de Água". Dois dias depois, o jornal acrescentava que Henrique Gomes adquirira a lápide "a um indivíduo que, por sua vez, nada soube dizer sobre a proveniência dela".
Em 22 de Outubro de 1908, o periódico Revista de Setúbal publicara longo texto, lembrando que, em Fevereiro do ano seguinte, passaria o primeiro centenário do falecimento do Morgado de Setúbal e propondo quatro manifestações: uma exposição da obra, a publicação de um jornal em número evocativo e único, a realização de um sarau literário e a aposição de uma lápide na casa em que vivera o Morgado. Contudo, na véspera da data evocativa, em 11 de Fevereiro de 1909, o mesmo jornal lamentava-se: "A nossa voz ficou quase sem eco; e, se não fora as referências deste jornal, é possível mesmo que o dia passasse despercebido, o que realmente não seria muito lisonjeiro para os apregoados brios desta cidade".
Certo foi, no entanto, que a lápide, pelo menos, chegou a ser colocada, contendo os seguintes dizeres: "O célebre pintor Morgado de Setúbal - José António Benedito Soares da Gama de Faria e Barros - senhor que foi desta casa, aqui residiu e faleceu solteiro a 12-2-1809". Uma fotografia de Américo Ribeiro, datada de 1939, publicada em Setúbal d'Outros Tempos, reproduz o café "Casa das Águas", com a lápide ao nível do primeiro andar. Numa outra fotografia datada de 1952, publicada na mesma obra, já o prédio estava parcialmente destruído, sem o primeiro andar. Acabaria o mesmo por ser demolido para naquele espaço ser construída a sede da Caixa Geral de Depósitos, na Avenida Luísa Todi.
Em 11 de Fevereiro de 1952, véspera de mais um aniversário da morte do Morgado, o jornal O Setubalense informava que a lápide, "em mármore branco, por sinal já partida numa ponta", se encontrava num casarão que arrecadava forragens, propriedade do industrial Henrique Gomes, "ao fim da rua José Carlos da Maia, quase à entrada do Bairro dos Olhos de Água". Dois dias depois, o jornal acrescentava que Henrique Gomes adquirira a lápide "a um indivíduo que, por sua vez, nada soube dizer sobre a proveniência dela".
entre as flores e S. Pedro
As resenhas biográficas do Morgado de Setúbal rapidamente começaram a ser difundidas. Logo em 1815, José da Cunha Taborda fez o seu retrato em Regras da Arte da Pintura, sucedendo, em 1823, uma outra da autoria de Cyrillo Volkmar Machado, que sobre o artista escreveu: "pôs-se a pintar toda a sorte de objectos que lhe pareciam pinturescos, como aves, animais, utensílios de cozinha, frutos, labregos notáveis, hortaliças, etc., e, apesar da extrema secura e dureza do seu pincel e da composição dos seus painéis, há em muitos deles coisas tão naturais que agradam".
Em 6 de Fevereiro de 1858, o periódico O Curioso de Setúbal apresentava uma nota biográfica, relatando que a inclinação do Morgado para a arte lhe vinha desde a infância: "sem mestre, começou desde logo, extraindo do suco das flores, a imitar com as próprias cores a natureza". Um pendor de "naturalidade" foi aposto às obras do Morgado de Setúbal, contando-se histórias como a que, "pintando um gato em um quadro, foi necessário retirar este da vista de alguns cães, que se arremessavam ao animal pintado, julgando agredir um gato natural", como registou Almeida Carvalho nos seus apontamentos. Curiosa também é a história do modelo para pintar a figura de S.Pedro: tendo-se comprometido com uma encomenda de um quadro sobre o santo, andava o Morgado a passear pela praia de Tróino quando reparou num pescador, de cabelo desgrenhado e barba crescida, que logo contratou para ir ao seu gabinete; cioso do seu aspecto, o pescador, com o dinheiro recebido, tratou do cabelo e fez a barba, vestiu-se melhor e apareceu ao Morgado na data combinada... Foi o desgosto do Morgado, porque o aspecto que o pescador apresentava já não servia para modelo! O que há de verdadeiro nestas histórias? Pouco, provavelmente, uma vez que há quem as conte, com ligeiras variações, sobre outros artistas. No entanto, serviram também para rechear a biografia do pintor de Setúbal.
Aquando da celebração do primeiro centenário da morte de Bocage, em 1905, foi organizada em Setúbal uma exposição, promovida pela Associação Setubalense de Socorros Mútuos das Classes Laboriosas, onde estiveram presentes vários quadros do Morgado de Setúbal. Cerca de meia centena de obras suas voltariam a estar expostas na cidade do Sado na primeira quinzena de Agosto de 1964 (com 600 visitantes só na primeira semana). Em texto para o catálogo, Glória Guerreiro escrevia sobre o traço do Morgado: "há nas suas pinturas um cunho tipicamente nacional, que é o seu maior mérito; nas suas telas reflecte-se a ingenuidade do nosso povo, aliada a um certo lirismo", apreciação bem diferente daquela que lhe fez o polaco Rackzynski, que, no século XIX, considerou o Morgado de Setúbal um "fraco desenhador", de um "colorido terroso".
Com uma obra dispersa por muitos particulares e por museus (Museu Nacional de Arte Antiga, Museu de Évora, Museu Carlos Machado, de Ponta Delgada), o Morgado de Setúbal foi contemporâneo de Bocage, de Luísa Todi e de Santos Silva, formando, com os três, um grupo bem interessante para a cultura sadina da centúria de Setecentos.
Em 6 de Fevereiro de 1858, o periódico O Curioso de Setúbal apresentava uma nota biográfica, relatando que a inclinação do Morgado para a arte lhe vinha desde a infância: "sem mestre, começou desde logo, extraindo do suco das flores, a imitar com as próprias cores a natureza". Um pendor de "naturalidade" foi aposto às obras do Morgado de Setúbal, contando-se histórias como a que, "pintando um gato em um quadro, foi necessário retirar este da vista de alguns cães, que se arremessavam ao animal pintado, julgando agredir um gato natural", como registou Almeida Carvalho nos seus apontamentos. Curiosa também é a história do modelo para pintar a figura de S.Pedro: tendo-se comprometido com uma encomenda de um quadro sobre o santo, andava o Morgado a passear pela praia de Tróino quando reparou num pescador, de cabelo desgrenhado e barba crescida, que logo contratou para ir ao seu gabinete; cioso do seu aspecto, o pescador, com o dinheiro recebido, tratou do cabelo e fez a barba, vestiu-se melhor e apareceu ao Morgado na data combinada... Foi o desgosto do Morgado, porque o aspecto que o pescador apresentava já não servia para modelo! O que há de verdadeiro nestas histórias? Pouco, provavelmente, uma vez que há quem as conte, com ligeiras variações, sobre outros artistas. No entanto, serviram também para rechear a biografia do pintor de Setúbal.
Aquando da celebração do primeiro centenário da morte de Bocage, em 1905, foi organizada em Setúbal uma exposição, promovida pela Associação Setubalense de Socorros Mútuos das Classes Laboriosas, onde estiveram presentes vários quadros do Morgado de Setúbal. Cerca de meia centena de obras suas voltariam a estar expostas na cidade do Sado na primeira quinzena de Agosto de 1964 (com 600 visitantes só na primeira semana). Em texto para o catálogo, Glória Guerreiro escrevia sobre o traço do Morgado: "há nas suas pinturas um cunho tipicamente nacional, que é o seu maior mérito; nas suas telas reflecte-se a ingenuidade do nosso povo, aliada a um certo lirismo", apreciação bem diferente daquela que lhe fez o polaco Rackzynski, que, no século XIX, considerou o Morgado de Setúbal um "fraco desenhador", de um "colorido terroso".
Com uma obra dispersa por muitos particulares e por museus (Museu Nacional de Arte Antiga, Museu de Évora, Museu Carlos Machado, de Ponta Delgada), o Morgado de Setúbal foi contemporâneo de Bocage, de Luísa Todi e de Santos Silva, formando, com os três, um grupo bem interessante para a cultura sadina da centúria de Setecentos.
João Reis Ribeiro. Histórias da região de Setúbal e Arrábida - I.
Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2003, pp. 77-82
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