quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Memória: Niels Fischer (1936-2015)



Niels Fischer foi-me apresentado há uns anos por Manuel Medeiros, o livreiro que adoptou (ou foi adoptado por) Setúbal. Recordo-me do início da conversa. “Sabe quem é este senhor?” Niels olhava-me entre um ar cândido e curioso. Eu não sabia. “Mas está fartinho de ver uma obra sua…”, incentivava Manuel Medeiros. Continuava a não saber. “O logotipo do Ministério da Saúde, aquele das duas figuras que encimam as receitas médicas, com duas figuras humanas, uma verde, outra vermelha…” Ali estava o criador desse logotipo que todos os portugueses conheciam. Mas a conversa foi mais longe, bem como a apresentação. Dinamarquês, designer, apreciador sem limites de Andersen.
E ali se iniciou uma conversa longa e apreciada, que se repartiu por mais uns tantos encontros, ora na Culsete (a livraria sadina de Manuel e Fátima Medeiros), ora em algumas das exposições que pelo país foram patrocinadas por Fischer a propósito do seu conterrâneo Andersen.
Ouvia-o e sensibilizava-me o facto de um homem correr atrás da imagem de um dos mitos do seu país, ensinando-o e divulgando-o aos quatro ventos por sua conta e risco, editando-o, representando-o, recriando-o, expondo-o. Sempre com os olhos do desvendamento, sempre com a vontade de o revelar. Andersen era um farol, um amigo, e Fischer o seu embaixador. Dele ou sobre ele lançou livros, promoveu exposições, incentivou a produção de documentários, dinamizou espectáculos. Um homem que acreditou na identidade e que fez dela a sua bandeira, comunicando num português com acento nórdico, afável, com vontade de arriscar.
Admirável!
Partiu por estes dias, conforme notícias divulgadas. E largou de Setúbal, que escolhera para viver nestes últimos tempos, terra onde ensaiou experiências sobre Andersen (e onde Andersen, ele mesmo, viveu ao longo de cerca de um mês). Uma exemplar passagem pela vida. Uma convicção espantosa. Uma dedicação àquilo em que acreditava. Uma força na procura de caminhos e de portas que se abrissem, sem aceitar derrotas. Gostei de ter conhecido e de ter convivido com Fischer e estou-lhe grato. Uma boa memória.
[foto: recorte de O Setubalense, de hoje]

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