Há
150 anos, no dia de hoje, saía em Lisboa o primeiro número do Diário de
Notícias, assinalando como proprietários os nomes de Tomás Quintino Antunes e
de Eduardo Coelho, também redactor. Tinha quatro páginas, textos curtos e sem
título e um editorial que ainda hoje tem todo o sentido no que à coerência a
imprensa deve – pretendia “interessar a todas as classes, ser acessível a todas
as bolsas e compreensível a todas as inteligências”, queria afirmar-se por uma “compilação
cuidadosa de todas as notícias do dia, de todos os países e de todas as
especificidades, um noticiário universal” e prometia um “estilo fácil e com a
maior concisão”, visando informar “o leitor de todas as ocorrências
interessantes”. Na sua estrutura da primeira página, não fugia à tradicional
supremacia da família real e da religião, os dois pólos que garantiam os
primeiros textos – o primeiro, dizendo que “Suas Majestades e Altezas passam
sem novidade em suas importantes saúdes”, uma não notícia que sossegava as
preocupações; os seguintes, informações de teor religioso, fossem informações
ou registos de efemérides; depois, informação sobre as férias natalícias dos
tribunais. A seguir, um pouco de tudo, com destaque para algo que constituía
marca do tempo, como a aprovação de orçamento para apoio a construção de via
férrea em França.
Olhando
para a edição do Diário de Notícias de hoje, dirigido por André Macedo, as
quatro páginas passaram a quarenta, isto é, dez vezes mais, e se repararmos no
suplemento, com 144 páginas, a proporção vai para 36 vezes mais.
O
suplemento que hoje é publicado é um documento histórico para guardar, não
sendo por acaso que lhe é dado o título de capa de “150 anos de Portugal”. Com
efeito, um diário com a idade de século e meio será um bom repositório do
correspondente tempo da história do país, tal como, no final do editorial desta
edição de aniversário, escreve André Macedo: o jornal, bem como o seu director,
servem “para defender um património que pertence aos leitores e ao país, sem
esquecer os accionistas, sem os quais nada disto pode acontecer”.
Um
suplemento para guardar… porquê? É verdadeiramente um suplemento festivo, por
onde passa a história, a criação, o retrato, assente sobre três vectores: o
assinalar de 50 efemérides, com curto registo a propósito; os dias da História
de quinze escritores portugueses contemporâneos; ensaios, reportagens e
entrevistas de 15 áreas temáticas.
Relativamente
às efemérides, registam-se: nascimento do Diário
de Notícias (29-12-1864), carta de Vítor Hugo ao jornal a propósito da
abolição da pena de morte para crimes civis em Portugal (10-07-1867), Comuna de
Paris (27-05-1871), Ultimato inglês (13-01-1890), morte da rainha Vitória
(22-01-1901), regicídio em Portugal (01-02-1908), exposição pública dos Painéis
de S. Vicente depois de descobertos na igreja de S. Vicente de Fora
(06-05-1910), implantação da República (05-10-1910), fim da Grande Guerra
(11-11-1918), assassínio de Sidónio Pais (14-12-1918), chegada de Gago Coutinho
e de Sacadura Cabral aos rochedos de São Pedro e São Paulo (19-04-1922), golpe
do 28 de Maio (28-05-1926), chegada de Oliveira Salazar a chefe de Governo
(05-07-1932), revolta na Marinha Grande (18-01-1934), início da Segunda Grande
Guerra (01-09-1939), inauguração da nova sede do Diário de Notícias na Avenida da Liberdade (24-04-1940), exposição
do Mundo Português (23-06-1940), rendição da Alemanha (07-05-1945), bomba
atómica (06-08-1945), entrada de Portugal na ONU (14-12-1955), ataque de
nacionalistas angolanos à Casa de Reclusão e ao quartel da PSP em Luanda
(04-02-1961), conquista da Taça dos Campeões Europeus pelo Benfica
(31-05-1961), queda da Índia portuguesa depois da operação Vijay lançada por
Nehru (18-12-1961), assassinato de Kennedy (22-11-1963), incêndio do Teatro D.
Maria em Lisboa (02-12-1964), centenário do Diário
de Notícias (29-12-1964), eliminação de Portugal do Mundial de 1966 e
lágrimas de Eusébio (26-07-1966), inauguração da ponte sobre o Tejo em Lisboa
(06-08-1966), presença de Paulo VI em Fátima no que foi a primeira visita papal
ao santuário (13-05-1967), chegada de Marcelo Caetano a presidente do Conselho na
sequência de avc sofrido por Salazar (26-09-1968), chegada do homem à Lua
(20-07-1969), morte de Salazar (27-07-1970), revolução “dos Cravos”
(25-04-1974), “fim” do processo revolucionário em Portugal (25-11-1975), morte do
Primeiro Ministro Francisco Sá Carneiro em desastre aéreo (04-12-1980), Carlos
Lopes com medalha de ouro em Los Angeles (12-08-1984), entrada de Portugal na
CEE (12-06-1985), eleição de Mário Soares como Presidente da República
(16-02-1986), primeira maioria absoluta em eleições obtida pelo PSD com Cavaco
Silva (19-07-1987), incêndio no Chiado (25-08-1988), derrube do Muro de Berlim
(09-11-1989), libertação de Nelson Mandela (11-02-1990), início da Expo 98 com
publicação do “Diário da Expo” a cargo do Diário
do Notícias (22-05-1998), atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago
(08-10-1998), morte de Amália Rodrigues (06-10-1999), ataque às Torres Gémeas
nova-iorquinas (11-09-2001), independência de Timor-Leste (20-05-2002), derrota
de Portugal na final do Euro 2004 (04-07-2004), eleição de Barack Obama
(04-11-2008) e morte de Eusébio (05-01-2014).
Os
quinze escritores portugueses convidados a participar no dossiê intitulado “A
que dia é que eu queria regressar?”, coordenado por João Céu e Silva, foram:
António Lobo Antunes (n. 1942), sobre o dia em que soube do nascimento da sua
primeira filha (22-06-1971); Afonso Cruz (n. 1971), sobre “hoje”; António Mega
Ferreira (n. 1949), sobre o 5 de Outubro de 1910; Gonçalo M. Tavares (n. 1970),
sobre o dia do assassinato do arquiduque austro-húngaro por Gavrilo Princip,
que deu início à Grande Guerra; Hélia Correia (n. 1949), sobre a estreia de “Ballets
Russes”; J. Rentes de Carvalho (n. 1930), sobre o dia do fim da Segunda Guerra
Mundial (08-05-1945); Lídai Jorge (n.1946), sobre uma memória da infância, em
1954, 3m dia de nevão; Luísa Costa Gomes (n. 1954), sobre a inauguração do
monumento a Cristo Rei (17-05-1959); Manuel Alegre (n. 1936), sobre a campanha
de Humberto Delgado (31-05-1958); Maria Teresa Horta (n. 1937), sobre várias
datas relacionadas com o feminismo; Mário de Carvalho (n. 1944), sobre a
campanha de Humberto Delgado em Lisboa (16-05-1958); Mário Cláudio (n. 1941),
sobre a sua data de nascimento (06-11-1941); Miguel de Sousa Tavares (n. 1952),
sobre o desembarque dos Aliados na Normandia, em texto epistolar usando a
assinatura de Salazar (07-06-1944); Nuno Júdice (n. 1949), sobre o dia da morte
de Fernando Pessoa (02-12-1935); Valter Hugo Mãe (n. 1971), sobre o dia que constou
como sendo o do fim do mundo (12-08-1978).
Relativamente
à terceira área, em que se destacam alguns ensaios relacionados com a história
e com o espólio do Diário de Notícias,
é preenchida com os textos: “Um país de emigração maciça e baixa literacia”, de
Manuel Villaverde Cabral; “Do censo dos 5 réis a um futuro com chips no bolso”,
de Patrícia Jesus; “Antigos, porcos e maus: retrato passado menos que perfeito”,
de Fernanda Câncio; “Quando o submarino Hunley afundou um navio da União e
acabou a inspirar Júlio Verne”, de Leonídio Paulo Ferreira; “Eduardo Coelho, a
vida dele dava um jornal”, de Ferreira Fernandes; “A caixa-forte dos seis
milhões de mistérios”, de Artur Cassiano; “Títulos diários mais do que
centenários”, de Abel Coelho de Morais; “A língua portuguesa como princípio e
fim, numa universidade aberta ao mundo”, de Rui Marques Simões, incluindo
entrevista com João Gabriel Silva, reitor da Universidade de Coimbra; “’Do
prémio que lhe sair por sorte na extracção da loteria’ à crise que atinge a
classe média”, de Miguel Marujo, com entrevista a Manuel de Lemos, presidente
da União das Misericórdias Portuguesas; “Torre do Tombo: Quase cem quilómetros
para contar a nossa história”, de Maria João Caetano, com entrevista a
Silvestre Lacerda, director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo; “Um ‘excesso
de natureza’ talhado pelo homem com vista para o mundo”, de David Mandim, com
entrevista a Manuel Cabral, presidente do Instituto dos Vinhos Douro e Porto; “A
associação para funcionários, famílias e ‘credores de gratidão’ que se tornou o
sexto maior banco”, de Céu Neves, com entrevista a Paula Guimarães, directora
do Gabinete de Responsabilidade Social do Montepio Geral; “Eça de Queirós – De Port
Said a Suez”, com reprodução das quatro crónicas ecianas de 1870 a propósito da viagem para assistir à
inauguração do canal de Suez; “Caça à entrevista de Hitler pelas cervejarias de
Munique”, de Ferreira Fernandes, com reprodução da entrevista de António Ferro
a Hitler; desenhos de André Carrilho sobre o que será o mundo em 2164.
O
suplemento finda com a reprodução do número inaugural do Diário de Notícias, que acrescenta mais uma razão às oitenta
anteriormente indicadas para um assinalar interessante de uma efeméride que,
mais do que marcar a longevidade, destaca o a função do jornalismo e da
informação.
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