No
dia em que Max decidiu pela escolha de Mix na Sociedade Protectora dos Animais
de Munique, não sabia que essa opção poderia ser a origem de um livro como esta
História de um gato e de um rato que se
tornaram amigos, de Luis Sepúlveda (Lisboa: Porto Editora, 2013, com
ilustrações de Paulo Galindro).
Pelo
título, o leitor é de imediato levado para as aventuras no relacionamento entre
um gato e um rato, questão já habitual e nada surpreendente, haja em vista a
expressão idiomática portuguesa “o gato e o rato”, que tanto exprime os
desentendimentos contínuos como a falta de transparência ou o jogar às
escondidas conforme as conveniências, ou relembre-se o leitor dos pares já clássicos
da animação formados pelo gato Tom e pelo rato Jerry ou pelo rato Speedy
Gonzalez e pelo gato Benny…
No
entanto, essa é apenas a impressão que nos pode deixar o título, pois a
história de Mix vai além desses estereótipos, a começar pela sua própria
figura, esteticamente superior. O próprio autor encarrega-se, no texto de
abertura, “Umas palavras sobre esta história”, de nos desfazer esses mitos: “Quando
conheci o pequeno Mix, o gato que o meu filho, Max, adoptou na Sociedade
Protectora dos Animais de Munique, fiquei admirado com a sua enorme nobreza,
apesar de não ser maior do que a minha mão. Mix cresceu e com ele o meu
assombro porque tinha um focinho diferente de todos os outros gatos. Tinha um
perfil estilizado, grego, que chamava a atenção. Mix teve um destino estranho
que seria a causa de um grande sofrimento para qualquer outro gato, mas ele
manteve sempre o seu bom humor, que exteriorizava ronronando.”
Um
gato diferente, pois, numa história que celebra essa diferença. Esta narrativa
de Sepúlveda é sobretudo uma história sobre a amizade, um percurso em que as
personagens – Max e Mix, primeiro, e Mix e Mex, depois – ilustram uma espécie
de mandamentos da amizade, uma lista que se aproxima do “decálogo” dos “verdadeiros
amigos” que impõe: 1) “entreajudam-se, ensinam-se mutuamente, partilham as
vitórias e os erros”; 2) “velam pela alegria [e] pela liberdade um do outro”; 3)
“compreendem as limitações do outro e ajudam-no”; 4) “partilham o silêncio”; 5)
“cuidam sempre um do outro”; 6) “partilham os sonhos e as esperanças [e] também
partilham as pequenas coisas que alegram a vida”; 7) “quando estão unidos, não
podem ser vencidos”; 8) “ajudam-se mutuamente a superar qualquer dificuldade”; 9)
“partilham o melhor que têm”; 10) “Nunca, nunca, devemos enganar os amigos”.
A interligação entre as
várias personagens é de tal forma intensa que o narrador começa a história de
uma forma assertiva como esta: “Poderia dizer que Mix é o gato de Max, embora
também pudesse afirmar que Max é o humano de Mix”. Mais lá para a frente no
desenrolar dos acontecimentos, entre Mix e Mex haverá também um espantoso cruzamento,
que, no termo do livro, é assim definido: “Mix viu com os olhos do seu pequeno
amigo e Mex tornou-se forte com o vigor que emanava do seu amigo grande.”
Uma história simples, em que
os animais impressionam os humanos, tal como aconteceu com o limpa-chaminés
que, no final, fica confuso porque lhe pareceu ver, no telhado de uma casa, “um
gato de perfil grego e um rato a admirarem o pôr do sol, e o mais curioso é que
o gato parecia ouvir atentamente o rato”! Uma fábula que intensifica os valores
da amizade num tempo em que tais valores devem ser bem apregoados contra o ódio
que vai minando as formas de viver… e que justifica a advertência feita por
Sepúlveda na nota introdutória: noutras circunstâncias, o velho Mix muito teria
sofrido com aquilo que a vida lhe arranjou e o final da sua história seguiria o
eixo da tristeza.
Sublinhados:
Voar – “Nenhum pássaro sabe voar quando nasce, mas, quando
chega o momento em que o apelo do ar é mais forte do que o medo de cair, a vida
ensina-os então a abrir as asas.”
Vida – “A vida mede-se pela intensidade com que é vivida.”
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