quarta-feira, 22 de maio de 2013

Luis Sepúlveda e a história de um gato e de um rato



            No dia em que Max decidiu pela escolha de Mix na Sociedade Protectora dos Animais de Munique, não sabia que essa opção poderia ser a origem de um livro como esta História de um gato e de um rato que se tornaram amigos, de Luis Sepúlveda (Lisboa: Porto Editora, 2013, com ilustrações de Paulo Galindro).
            Pelo título, o leitor é de imediato levado para as aventuras no relacionamento entre um gato e um rato, questão já habitual e nada surpreendente, haja em vista a expressão idiomática portuguesa “o gato e o rato”, que tanto exprime os desentendimentos contínuos como a falta de transparência ou o jogar às escondidas conforme as conveniências, ou relembre-se o leitor dos pares já clássicos da animação formados pelo gato Tom e pelo rato Jerry ou pelo rato Speedy Gonzalez e pelo gato Benny…
            No entanto, essa é apenas a impressão que nos pode deixar o título, pois a história de Mix vai além desses estereótipos, a começar pela sua própria figura, esteticamente superior. O próprio autor encarrega-se, no texto de abertura, “Umas palavras sobre esta história”, de nos desfazer esses mitos: “Quando conheci o pequeno Mix, o gato que o meu filho, Max, adoptou na Sociedade Protectora dos Animais de Munique, fiquei admirado com a sua enorme nobreza, apesar de não ser maior do que a minha mão. Mix cresceu e com ele o meu assombro porque tinha um focinho diferente de todos os outros gatos. Tinha um perfil estilizado, grego, que chamava a atenção. Mix teve um destino estranho que seria a causa de um grande sofrimento para qualquer outro gato, mas ele manteve sempre o seu bom humor, que exteriorizava ronronando.”  
            Um gato diferente, pois, numa história que celebra essa diferença. Esta narrativa de Sepúlveda é sobretudo uma história sobre a amizade, um percurso em que as personagens – Max e Mix, primeiro, e Mix e Mex, depois – ilustram uma espécie de mandamentos da amizade, uma lista que se aproxima do “decálogo” dos “verdadeiros amigos” que impõe: 1) “entreajudam-se, ensinam-se mutuamente, partilham as vitórias e os erros”; 2) “velam pela alegria [e] pela liberdade um do outro”; 3) “compreendem as limitações do outro e ajudam-no”; 4) “partilham o silêncio”; 5) “cuidam sempre um do outro”; 6) “partilham os sonhos e as esperanças [e] também partilham as pequenas coisas que alegram a vida”; 7) “quando estão unidos, não podem ser vencidos”; 8) “ajudam-se mutuamente a superar qualquer dificuldade”; 9) “partilham o melhor que têm”; 10) “Nunca, nunca, devemos enganar os amigos”.
A interligação entre as várias personagens é de tal forma intensa que o narrador começa a história de uma forma assertiva como esta: “Poderia dizer que Mix é o gato de Max, embora também pudesse afirmar que Max é o humano de Mix”. Mais lá para a frente no desenrolar dos acontecimentos, entre Mix e Mex haverá também um espantoso cruzamento, que, no termo do livro, é assim definido: “Mix viu com os olhos do seu pequeno amigo e Mex tornou-se forte com o vigor que emanava do seu amigo grande.”
Uma história simples, em que os animais impressionam os humanos, tal como aconteceu com o limpa-chaminés que, no final, fica confuso porque lhe pareceu ver, no telhado de uma casa, “um gato de perfil grego e um rato a admirarem o pôr do sol, e o mais curioso é que o gato parecia ouvir atentamente o rato”! Uma fábula que intensifica os valores da amizade num tempo em que tais valores devem ser bem apregoados contra o ódio que vai minando as formas de viver… e que justifica a advertência feita por Sepúlveda na nota introdutória: noutras circunstâncias, o velho Mix muito teria sofrido com aquilo que a vida lhe arranjou e o final da sua história seguiria o eixo da tristeza.

Sublinhados:
Voar – “Nenhum pássaro sabe voar quando nasce, mas, quando chega o momento em que o apelo do ar é mais forte do que o medo de cair, a vida ensina-os então a abrir as asas.”
Vida – “A vida mede-se pela intensidade com que é vivida.” 

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