Dividido em quatro capítulos, este Setúbal – O porto e a comunidade fluvial e
marítima (1550-1650), de Jorge Fonseca (Lisboa: Edições Colibri, 2012),
constitui um excelente olhar sobre o quotidiano da população setubalense,
sobretudo aquela que mantinha estreita relação com o rio e com o mar, nas mais
diversas funções, no período abrangido. Muito embora o título delimite uma
fatia cronológica (opção que o autor justificou com o facto de existirem
“abundantes fontes notariais, indispensáveis à abordagem da vertente social”
que pretendia destacar), certo é que são feitas referências a muitos
antecedentes, deixando este estudo em aberto um retrato das condições que iriam
de alguma maneira formatar a história de Setúbal no futuro.
São cerca de 140 páginas com abundante informação,
partindo do que terão sido os primórdios desta região e seu consequente
desenvolvimento, partes necessárias de contextualização para uma chegada ao
período em estudo. A partir daí, o leitor vai convivendo com cidadãos comuns da
urbe sadina, nas suas diversas tarefas e até na sua forma de viver,
perscrutando-lhes maneiras de trabalhar, relações sociais, caminhos de
negócios, ambiente familiar, num quase passeio pelo quotidiano que animava a
faixa ligada ao rio e ao mar.
A pesca e a repercussão que o pescado de Setúbal teve
no reino e no estrangeiro (de tal forma a sardinha de Setúbal tinha procura
que, desde cedo, “para que não viesse a faltar sardinha para abastecimento da
população local, os pescadores eram obrigados a reservar para os moradores
parte da que capturassem”), o sal sadino e o horizonte geográfico a que se
estendeu a sua comercialização (tendo havido uma época de apogeu, já designada
por “idade do ouro branco”, e uma consequente decadência, a partir dos fins do
século XVII, por motivos concorrenciais desde o estrangeiro), o valor e
diversidade das transacções comerciais por via flúvio-marítima (aí entrando as
madeiras, o vinho, as pedras de mó, o açúcar, o tráfico negreiro), a possibilidade
que o mar e o rio ofereciam como forma de circulação (de tropas, de degredados,
de comerciantes) ou actividades como a moagem e a construção naval constituíram
razões fortes para intensas permutas, grandes viagens e para que o porto de
Setúbal fosse “um dos mais activos e rentáveis do reino”, de tal forma que, em
1527, “o seu Almoxarifado era o segundo do país, abrigando uma das maiores
comunidades humanas dedicadas às actividades marítimas”.
Tão intensa actividade não era feita sem o elemento
humano, que merece assinalável destaque nesta pesquisa de Jorge Fonseca, seja
do ponto de vista das relações sociais, não esquecendo as trocas culturais e as
chegadas e partidas nos caminhos das migrações, seja da perspectiva das formas
de viver, aí se incluindo informações como as das características das
habitações, as relações familiares, a estrutura social, a vida espiritual, o
associativismo, a propriedade e marcas demonstrativas da existência de uma
sociedade “interessada na sua coesão, mas também na reprodução do modelo
hierárquico”, responsável também pela “expansão e estruturação do próprio
aglomerado urbano”.
É um
livro útil, interessante e rico, com intenso recurso a fontes até aqui por
explorar, num ritmo em que a análise das situações e os casos que fizeram o
quotidiano da terra e das gentes se harmonizam de maneira a que o leitor
assista ao filme de uma comunidade, a da margem do Sado frente a Tróia, que se
constituiu “num dos exemplos mais paradigmáticos de uma sociedade fluvial e
marítima no Portugal da época Moderna”. Setúbal
– O porto e a comunidade fluvial e marítima (1550-1650) é um elemento
indispensável para se estudar a identidade sadina, um título a não esquecer em
qualquer pesquisa que relacione Setúbal com o Sado, com o mar e com a História.
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