Já está nas bancas o número 100 da revista Ler (da Fundação Círculo de Leitores) correspondendo à sua 101ª edição, uma vez que da colecção faz parte o número 0 (zero), saído no Outono / Inverno de 1987, com a indicação “fora do mercado” (o número 1 corresponderia ao Inverno de 1988, já ao preço de 300$00, algo como 1,50 €).
Em torno do número 100 andam as recolhas que esta edição apresenta: “100 capas”, “100 imagens de páginas”, “100 livros”, “100 figuras”, “100 ideias para o futuro” e “100 citações”, antologias a partir das colaborações e das entradas na revista ao longo da sua história. Depois, vários dos seus cronistas dissertam sobre essa simbologia do centésimo número ou sobre o que foram as 100 saídas da publicação, com destaque para o nome que é colaborador desta revista desde o seu número zero: José Guardado Moreira.
Por falar no número zero, dirigido por António Mega Ferreira, algumas ligações a Setúbal eram nele evidentes: o grafismo era devido ao setubalense José Teófilo Duarte; era anunciada a obra Março Desavindo, de Mário Ventura (nome ligado a Setúbal e à criação do Festróia).
E, neste número 100, dirigido por Francisco José Viegas, também passam diversos nomes que cruzaram a sua história com a região de Setúbal, a saber: nas “100 figuras”, Manuel da Fonseca (de Santiago do Cacém), Pedro Tamen (a viver nas terras de Palmela), Al Berto (de Sines), António Osório (ligado a Azeitão), Luiz Pacheco (que por Setúbal peregrinou), Fernando Campos (que incluiu a Arrábida no seu romance histórico); na rubrica “100 citações”, uma reflexão de António Osório sobre a palavra – “Mas eu entendo que as palavras precisam de ser limpas do sarro que as envolve. Do sarro, do lixo comum. E assim as palavras podem purificar-nos.”
O leitor confronta-se também com uma entrevista a George Steiner conduzida por Beata Cieszynska e José Eduardo Franco. O ensino, o papel necessário das Humanidades, a supremacia da economia ou a corporação multinacional, a crise europeia, a história, a necessidade de ler, as redes sociais e a cultura portuguesa são temas por que passa este académico de Cambridge. Conhece bem Fernando Pessoa, José Saramago, António Lobo Antunes e gostaria de conhecer Camões – “Precisamos de Camões – falta à nossa cultura europeia o conhecimento do génio de Camões”, diz. E, já agora, mais uma achega, que é um bonito elogio à leitura: “Eu sou muito velho, mas tento, todos os dias, ou quase todos, aprender um poema, ou fragmentos de um poema, de cor, porque é assim que se agradece uma bela obra. Que outra maneira tenho eu de agradecer a Dante, a Cervantes, a Lope de Veja ou a Shakespeare?”
Com estes nomes grandes da literatura se cruza ainda o texto assinado por Harold Bloom, “O cânone do génio”, justificação de uma obra, Genius, cuja tradução para língua portuguesa é anunciada para este ano. A problemática em torno daquilo que define um génio é o eixo deste ensaio: a sua vitalidade, a sua sabedoria, o facto de alimentarem civilizações, a sua indispensabilidade. O texto termina com um aviso para os tempos em que somos protagonistas: “Não podemos enfrentar o século XXI sem esperar que ele nos traga um Stravisnki ou um Louis Armstrong, um Picasso ou um Matisse, um Proust ou um James Joyce. Desejar um Dante ou um Shakespeare, um J. S. Bach ou um Mozart, um Miguel Ângelo ou um Leonardo é pedir demais, uma vez que os talentos de tal magnitude são muito raros. Contudo, desejamos, necessitamos de algo que esteja acima do século XXI, seja lá o que for.”
A Ler tem sido assim: múltipla, surpreendente, englobando no seu recheio escritores, cientistas, pensadores, livreiros, leitores, livros, escritas e muito mais. Um acervo de tal forma importante que bem se justificaria a publicação de um índice, tal como é justificada a curiosidade perante cada número que sai para as bancas.
Concluo como Guardado Moreira no final da sua crónica evocativa que entra neste número 100: “e agora, pouco dado a nostalgias, aguardo”, lendo, “a próxima chegada do nº 200”!
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