Uma semana separou os falecimentos de dois dos mais idosos homens, ambos ingleses e combatentes na Primeira Grande Guerra: Henry Allingham (06.Jun.1896 – 18.Jul.2009) e Harry Patch (17.Jun.1898 – 25.Jul.2009), o primeiro tendo sido mecânico-aviador na Força Aérea da Armada Britânica e o segundo tendo combatido nas trincheiras como soldado na Infantaria Ligeira do Duque de Cornualha. Já em Janeiro falecera Bill Stone (1900-2009), também combatente, que completava o trio inglês dos sobreviventes da guerra de 1914-1918.
Deles fica o terem sido testemunhas participantes num evento histórico marcante do século XX, mas ficam também as palavras. Quando, em 2005, Max Arthur publicou os testemunhos dos combatentes da Primeira Grande Guerra – na obra Last Post, que, em 2008, foi traduzida para português sob o título Palavra de Veterano (Colares: Pedra da Lua) –, não faltaram as memórias destes dois combatentes, de que reproduzo um excerto de cada:
Henry Allingham: “Pensando na primeira guerra, acho que não sabia o que esperar. Pensava que havíamos de ganhar – mas nunca esperei que tivéssemos de voltar a combater daquela maneira nos cem anos seguintes. Nunca esquecerei os meus camaradas, mas uma pessoa não pode deixar-se afundar nas coisas terríveis que aconteceram. Não se poderia continuar a viver, se fosse assim. Porém, em dias como o do Armistício, rezo por eles. No Cenotáfio, em 2004, estava a pensar nos tipos que conheci e foram cremados. Vi-os a serem abatidos – homens que eu conhecia, cujos aviões eu conhecia – a esmagarem-se no chão. Há coisas boas para recordar: a camaradagem e a certeza de se poder confiar no nosso companheiro, mas as outras coisas não. Não tenho pensado muito no que se passou, mas agora as pessoas querem falar comigo acerca da guerra porque sou um dos poucos que restam. Por isso, agora, sou obrigado a pensar mais naquilo. Porém, há coisas em que prefiro não pensar. De facto, muitas vezes me parecem coisas que aconteceram a outras pessoas e não a mim.”
Harry Patch: “Porque é que o governo britânico me chamou e me levou para um campo de batalha para matar um homem que nunca conheci, cuja língua nem sequer falo? Todas aquelas vidas perdidas para uma guerra que se resolveu a uma mesa. Diga-me lá se isto faz algum sentido. Era só uma discussão entre dois governos. (…) Não penso que seja possível explicar o laço forjado entre um soldado e os seus camaradas de armas numa trincheira. Na trincheira, estão todos, independentemente do que a nossa vida civil foi, cobertos dos mesmos piolhos, esfomeados, a dividir desesperadamente as mais pequenas coisas – a onça de tabaco, o biscoito. Apoias-te no teu camarada e ele apoia-se em ti, sem pensares na verdade que o teu inimigo está a passar pelo mesmo. Mas estava. Foi tão mau para eles como para nós.”
Deles fica o terem sido testemunhas participantes num evento histórico marcante do século XX, mas ficam também as palavras. Quando, em 2005, Max Arthur publicou os testemunhos dos combatentes da Primeira Grande Guerra – na obra Last Post, que, em 2008, foi traduzida para português sob o título Palavra de Veterano (Colares: Pedra da Lua) –, não faltaram as memórias destes dois combatentes, de que reproduzo um excerto de cada:
Henry Allingham: “Pensando na primeira guerra, acho que não sabia o que esperar. Pensava que havíamos de ganhar – mas nunca esperei que tivéssemos de voltar a combater daquela maneira nos cem anos seguintes. Nunca esquecerei os meus camaradas, mas uma pessoa não pode deixar-se afundar nas coisas terríveis que aconteceram. Não se poderia continuar a viver, se fosse assim. Porém, em dias como o do Armistício, rezo por eles. No Cenotáfio, em 2004, estava a pensar nos tipos que conheci e foram cremados. Vi-os a serem abatidos – homens que eu conhecia, cujos aviões eu conhecia – a esmagarem-se no chão. Há coisas boas para recordar: a camaradagem e a certeza de se poder confiar no nosso companheiro, mas as outras coisas não. Não tenho pensado muito no que se passou, mas agora as pessoas querem falar comigo acerca da guerra porque sou um dos poucos que restam. Por isso, agora, sou obrigado a pensar mais naquilo. Porém, há coisas em que prefiro não pensar. De facto, muitas vezes me parecem coisas que aconteceram a outras pessoas e não a mim.”
Harry Patch: “Porque é que o governo britânico me chamou e me levou para um campo de batalha para matar um homem que nunca conheci, cuja língua nem sequer falo? Todas aquelas vidas perdidas para uma guerra que se resolveu a uma mesa. Diga-me lá se isto faz algum sentido. Era só uma discussão entre dois governos. (…) Não penso que seja possível explicar o laço forjado entre um soldado e os seus camaradas de armas numa trincheira. Na trincheira, estão todos, independentemente do que a nossa vida civil foi, cobertos dos mesmos piolhos, esfomeados, a dividir desesperadamente as mais pequenas coisas – a onça de tabaco, o biscoito. Apoias-te no teu camarada e ele apoia-se em ti, sem pensares na verdade que o teu inimigo está a passar pelo mesmo. Mas estava. Foi tão mau para eles como para nós.”
Os três veteranos ingleses da Primeira Grande Guerra Henry Allingham, Harry Patch e Bill Stone, nas cerimónias de Novembro de 2008 em Londres, quando passavam os 90 anos sobre o Armistício (revista Hello, 1048, 25.Nov.2008)
1 comentário:
«Foi tão mau para eles como para nós». É uma lição o que H. Patch nos diz. Mas não a aprendemos!
MCT
Enviar um comentário