sexta-feira, 28 de setembro de 2007

António Lobo Antunes, a escrita e a morte

"(...) Já não minto. Já não componho o perfil. Estou aqui diante de vós, nu e desfigurado. Porque a nudez desfigura sempre. Agora, jogo com as cartas abertas. Agora, jogo póquer com as cartas viradas para cima. Agora, já não há nada escondido, está tudo à vista. E ou a mão ganha ou perde.
Ao regressar ao livro [depois de operação e convalescença], sentiu-o como seu?
Claro. Ninguém escreve assim. Não tenha a menor dúvida de que não há, na língua portuguesa, quem me chegue aos calcanhares. E nada disto tem a ver com vaidade porque, como sabe, sou modesto e humilde. A doença trouxe-me isso. Já não estou a fazer tratamentos e só lá mais para o final do ano é que voltarei a fazer exames. Tudo isto dá-me uma grande serenidade, porque olho para as coisas com mais distância. Estive muito perto da morte e palavra de honra que é mais fácil do que se imagina. A ideia pode angustiar-nos e apavorar-nos, mas quando se está mesmo ao pé dela é muito mais fácil do que se pensa. Lembre-se do que diz a última frase de Os Thibault, o grande romance de Roger Martin du Gard: plus simple qu'on y pense, mais simples do que se pensa. E é, de facto, mais simples do que se pensa, menos assustador do que se pensa.
Quando ouve a palavra cancro, é a morte que vê à sua frente?
Por mais que racionalmente pensemos que o cancro se cura, associamo-lo à morte. Pedi sempre para não não me mentirem e, por isso, quando muito francamente me dizem que tenho um cancro, o que vejo à minha frente é a morte. Não é ver a morte à minha frente, é vê-la dentro de mim. Já está cá, é uma parte de nós. Não requer coragem, apenas dignidade e elegância. Perguntava muitas vezes: tenho-me portado de uma maneira digna? (...)"
António Lobo Antunes, entrevistado por Sara Belo Luís, em Visão, nº 760, 27.Setembro.2007, pp. 110-118.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sim, provavelmente por isso e