Ao entrar a semana do centenário da implantação da República, não é de admirar o destaque que a efeméride merece nas publicações periódicas. Destaco a revista Visão (nº 917, de 30.Set.2010) por trazer como encarte o facsímile de A Capital, de 5 de Outubro de 1910, e, sobretudo, por reunir os depoimentos de quatro nomes que chegaram ao lugar de Presidente da República – Cavaco Silva, Jorge Sampaio, Mário Soares e Ramalho Eanes – sob o título de “Os novos desafios da República”. Falando todos eles de coisas diferentes, assumem essa diversidade como o conjunto das preocupações actuais da República (que somos nós), num exercício de pensamento que nos deve servir de convite. Reproduzo excertos dos quatro testemunhos.
Aníbal Cavaco Silva – “(…) Entre os múltiplos desafios que se deparam às repúblicas contemporâneas poder-se-ão destacar os seguintes: Sustentabilidade ambiental – (…) Ainda não encontrámos a fórmula harmoniosa susceptível de, em simultâneo, preservar um ambiente saudável e garantir níveis de desenvolvimento capazes de satisfazer as expectativas materiais dos cidadãos. (…) Sustentabilidade energética – (…) Ou exigimos que todos se situem no mesmo nível de desenvolvimento (…) ou mantemos uma situação que, a breve trecho, colocará em risco as economias do Ocidente e o modelo social de redistribuição da riqueza que só um elevado crescimento económico permite. (…) A dependência energética não é apenas uma questão ecológica, mas também geoestratégica. Dela depende a sustentabilidade do planeta, desde logo, mas igualmente a viabilidade do modelo político, económico e social da Europa. Sustentabilidade social entre gerações – (…) Deve existir uma maior justiça social entre gerações, de modo a que os mais jovens não sejam lesados nas suas expectativas legítimas, os adultos de meia-idade não tenham de suportar encargos desproporcionados e os idosos não sejam alvo de exclusão ou de discriminação. (…)”
Jorge Sampaio – “(…) Ao Estado pede-se que reveja e corrija as causas da rigidez do mercado de trabalho, da lentidão da justiça, das regras vigentes da concorrência, da morosidade da administração pública, da desadequação da formação profissional, enfim, de todos os obstáculos ao investimento e à concorrência. Ao Estado pede-se lucidez em relação ao presente e visão de longo prazo. Lucidez na procura de sucedâneos para a impossível desvalorização que permitam, afinal, embaratecer os nossos produtos ou torná-los atractivos no mercado mundial; visão de longo prazo para que prossiga as reformas entretanto encetadas, que permitirão acelerar no país a revolução pós-industrial no contexto do seu papel de regulador estratégico. (…) Seremos capazes de ultrapassar as dificuldades. Para que isso aconteça, precisamos dos valores progressistas e democráticos da República. E necessitamos de vontade e capacidade de mobilizar os Portugueses, que são o fundamento da República. (…)”
Mário Soares – “(…) Estamos a viver uma crise global, que não sabemos até onde irá e como dela sair. Economistas da nossa praça, todos os dias, procuram convencer os nossos compatriotas que Portugal é um país em decadência, sem remédio. Não partilho esse derrotismo, que contagia alguns dos nossos compatriotas. Uma das ideias-força da I República foi restituir-nos o orgulho de sermos portugueses e sabermos enfrentar, com coragem e bom senso, os desafios que temos de vencer. (…) Precisamos de ter confiança em nós próprios e de ter coragem de vencer as dificuldades, tal como são. Sem pessimismo, nem optimismo: com determinação. (…)”
Ramalho Eanes – “(…) Para que a situação não venha a dar razão aos pessimistas, para que respondamos à nossa responsabilidade social inabdicável, para que invertamos a decadência em que o país escorrega, necessário será: que à Sociedade Civil portuguesa seja dita a verdade, toda a verdade, sobre a situação actual e suas consequências, não só previsíveis mas próximas já; que não caiamos na endémica tentação de encontrar um bode expiatório, que nos afaste da responsabilidade conjunta – Sociedade Civil e poder político – de responder, com coragem, com competente trabalho, com austero consenso, com preocupado aforro, à crise, pois, perante ela, não há inocentes (…). Indispensável, também, é, subsequentemente, estabelecer a arquitectura de um grande propósito colectivo possível e mobilizante, e estabelecer as estratégias para o alcançar, definir os métodos, instrumentos e meios para as realizar, e apresentar os mecanismos, do Estado e da Sociedade Civil, para controlar a eficácia da sua execução. (…) Difícil é o desafio, mas grandes são, também, agora, as oportunidades de nos reencontrarmos com a verdade do que realmente somos, do que é o país. (…)”
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