Com as tantas histórias que se
contam do período entre 1974/1975 em Setúbal, nunca se sabendo até que ponto a
memória nos atraiçoa ou nos constrói, esta obra de Albérico Afonso Costa
torna-se imprescindível por não se tratar de um trabalho em que a ideologia
impere mas uma investigação com o rigor possível e com recurso às fontes possíveis.
A ler, a pensar.
O preâmbulo que o autor assina é
por si elucidativo das dificuldades: “Nenhum dos livros que publiquei sobre a
História de Setúbal me causou mais inquieta apreensão e se revelou de uma
dificuldade tão manifesta. Esta investigação sobre os anos ardentes do PREC
confronta-se com memórias vivas cujos ‘proprietários’ são testemunhas dos
factos que se pretendem narrar e de que foram simultaneamente produtores e
produto.” É a dificuldade da escrita da História em convívio com os que dela
foram protagonistas. Questões de choque, questões de verdades.
E, mais adiante, regista Albérico
Costa: “A memória individual conflitua muitas vezes com a realidade que a
História quer preservar.” Uma defesa prévia, não ignorando o historiador que
todos os que foram agentes querem ter um lugar na História ou, pelo menos na “sua”
história. De uma coisa não há dúvida: é que o livro relata o que foram “os
intensos dezanove meses vividos em Setúbal no período revolucionário de 1974-1975”.
E o leitor pode preparar-se para rever, reviver, contestar ou apresentar uma
versão diferente de acordo com a sua vivência. Mas nada disso será suficiente
para pôr em causa o trabalho de Albérico Costa, que nem estava em Setúbal na
altura dos acontecimentos relatados - este é o seu contributo resultante da
investigação e da consulta, uma porta aberta, pois. É que, como realça quase no
final do texto introdutório, “a investigação posterior encarregar-se-á de consultar
novas fontes e promover novas leituras acerca desta conjuntura que trouxe
tantas mudanças à vida colectiva desta comunidade.”
Um muito bom contributo para a
história recente de Setúbal traçado em cinco partes. Na mira de que surjam
outros estudos sobre uma época de que muitos sabem mas que não tem sido estudada
com o distanciamento imprescindível.
A apresentação pública da obra Setúbal Cidade Vermelha - Sem perguntar ao Estado qual o caminho a
tomar (1974-1975), de Albérico Afonso Costa (Setúbal: Estuário, 2017), será
feita por Fernando Rosas em 8 de Setembro, na Casa da Cultura, em Setúbal.
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