Os carros de assalto (“tanques”)
entraram na I Grande Guerra, na batalha do Somme, em 15 de Setembro de 1916, e
funcionaram como resposta ao bloqueio estratégico da frente ocidental. A ideia
veio de Inglaterra, quando Churchill se deixou convencer da eficácia de tal
arma por Swinton, tendo o primeiro modelo ficado conhecido por “Mark I”. Até
1918, fabricar-se-iam mais quatro modelos que mais não eram do que versões
modificadas do primeiro. O seu formato de losango, visando vencer os
obstáculos, foi associado à designação de “couraçados terrestres”. Se a sua
eficácia ficou aquém do esperado no início, o recurso a este equipamento foi
apurado e, no final de 1917, era já considerado um êxito, para o qual
trabalharam ingleses e franceses. Quanto aos alemães, só tardiamente se
renderam à utilização dos “tanques”, tendo construído o modelo “A7V
Panzerkampferwagen”, o mais pesado dos tanques da Grande Guerra (32 toneladas),
mas o mais rápido (13 km/h), o mais dotado de equipamento de ataque e o mais
volumoso (com uma tripulação de 16 homens). A importância do “tanque”
vislumbrava-se de tal maneira que Stéphane Audoin-Rouzeau considerou que este
equipamento, juntamente com o avião, “anunciaram uma mutação decisiva nos meios
de combate do século XX”.
Confrontados com esta nova arma,
os exércitos e os povos foram marcados pela novidade e pelo seu poder. Em 1917,
o Bureau da Imprensa Britânica em Lisboa editava, na colecção “Série de Notas
sobre a Guerra”, um opúsculo (o nº 83) intitulado Os Tanks, assente num discurso hiperbolizado sobre a máquina e numa
caricatura depreciativa dos alemães - “O alemão nunca o poderia ter ideado
porque lhe falta em absoluto a bossa humorística. A ideia do tank só podia nascer no cérebro dum
homem que vê em tudo um lado extravagante e que depois o construiu na firme
convicção que havia de servir um dia para inspirar terror ao soldado alemão”.
E, mais adiante: “A aparência do tank
é tudo quanto há de mais absurdo. É um objecto monstruoso, desastrado,
impossível. Ao fazer a sua entrada no front
Ocidental, o exército britânico extorceu-se de riso; e, quando pela primeira vez
o exército alemão o enxergou, os soldados pediram misericórdia e fugiram
espavoridos.”
A origem do nome por que ficou
conhecido este equipamento - “tanque” - é explicada: “para guardar o segredo da
sua verdadeira natureza, fora dito aos operários que o construíram que deviam
servir para transportar água para o exército na Mesopotâmia. Quando chegaram a
França traziam já esse apelido, o qual na verdade era uma descrição bastante
vaga para iludir o serviço secreto alemão”. Quando a máquina surgiu no terreno,
os repórteres recorreram ao universo da metáfora na tentativa de descreverem o
objecto e o seu poder (chamaram-lhe “tartarugas de aço”, “monstros
pré-históricos”, “sapos gigantescos”, “dinossauros”, “mamutes baleias”,
“mastodontes motores”, “baleias de guerra”, entre outros epítetos não menos
imaginativos). O próprio Bureau, neste prospecto, não lhes ficou atrás ao descrever
o equipamento: “Um tank é uma espécie
de casa forte de Banco com armadura, que se move por si e que tem no interior
soldados e peças de fogo rápido. É invulnerável a não ser aos projécteis de
grande calibre. Visto de lado tem o feitio de um losango. Imóvel e silencioso é
um monstro absurdo e fútil. Porém, avançando irresistível, vomitando fogo e
fumo, rugindo as máquinas, troando as peças, é um pesadelo.”
Para atestar a força de tal
equipamento, é referido o seu papel nas batalhas do Somme e em Cambrai, muito
embora seja dito que foi nesta última que o “tanque” revelou a sua eficácia,
com o seu poder destruidor e avassalador, sendo omitido que, na batalha do
Somme, a utilização dos “tanques” foi uma decepção, apesar de serem relatadas
duas histórias passadas com os “tanques” nessa batalha. E, quase a terminar,
são também apresentadas as contrariedades que atrapalhavam a máquina - “O que
mais aborrecem é a água e a lama. Em Flandres, foi a natureza que os deteve e
não os alemães. Apanhados num charco, não se podem mexer: por mais que se
esforcem, por mais que bufem de raiva, atolam-se infalivelmente.” E lá se
conjugam o poder da metáfora e da personificação para justificar o efeito
hiperbólico...
O opúsculo não se conclui sem que
haja uma referência à superioridade dos Aliados, um pouco a comprovar a
diferença com que o texto abriu: “Já se passou mais de um ano e ainda não
apareceu nenhum tank alemão. Se um
dia aparecerem, uma batalha de tanks
fornecerá o acontecimento mais extravagante desta grande guerra”. É sabido que,
quanto à primeira parte, o Bureau não podia fazer futurologia - se era certo
que os alemães ainda não tinham incorporado o “tanque” nos seus ataques, não
menos certo era que a resistência aos “tanques” sucedia por encorajamento e
elevação moral, pelo menos até que o “tanque” aparecesse do lado alemão mais
tarde. No entanto, quanto à segunda parte, a do “acontecimento mais
extravagante”, o Bureau acabava por acertar - a evolução dos blindados tem
determinado as guerras e os conflitos territoriais.
Com este opúsculo, o Bureau da
Imprensa Britânica em Lisboa cumpria o seu papel no contributo para a
propaganda da guerra em favor dos Aliados, com uma ajuda extraordinária do
poder da imagem através da metáfora e com o recurso à sobrevalorização dos
Aliados e à depreciação das tropas alemãs.
"Tanque" desenhado em vinheta na obra de Rogério Marques de Almeida Russo
Arquivo Poético da Grande Guerra (Porto: Companhia Portuguesa Editora, 192-)
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