segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Memória: José Fernandes Fafe (1927-2017)



De José Fernandes Fafe rezarão as cronologias e as notas biográficas. Por mim, recordo as leituras. E tenho de assinalar duas que me impressionaram.
A primeira, uma tradução. De Octávio Paz, também poeta, sobre Pessoa, outro poeta. Li O Desconhecido de Si Mesmo (Iniciativas Editoriais, 1980), curto ensaio de Paz sobre Fernando Pessoa, traduzido por Fafe, e fiquei rendido. Um ensaio em que não falta poesia. Um ensaio que já convenci alguns alunos a lerem. Começa assim: "Os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia. Pessoa, que duvidou sempre da realidade deste mundo, aprovaria sem hesitação que se fosse directamente aos seus poemas, esquecendo os incidentes e os acidentes da sua existência terrestre." E acaba desta maneira: "A poesia é o que fica e nos consola, a consciência da ausência. E renovo, quase imperceptivelmente, um rumo de algo: Pessoa ou a iminência do desconhecido."
Outro livro que recordo de Fernandes Fafe é Curriculum Vitae (Editorial Fragmentos, 1993), ilustrado por Graça Morais, um conjunto de reflexões sobre a vida e sobre a escrita, de que não resisto sem transcrever, igualmente, o início e a conclusão, sobretudo porque os dois fragmentos vêm a propósito neste dia do passamento do poeta e diplomata portuense.
Eis o início: "Detesto curricula. Sempre que tenho de apresentar um, alinhavo-o à pressa da irritação... E arranco da máquina uma vergonha de dactilografia, dados errados, lacunas... Mas que mal me fizeram os curricula?"
E o final? Certeiro, neste dia: "A morte é o de que não há metáfora. Se a desconhecemos totalmente, como podemos compará-la? E não havendo metáfora, não há linguagem. É o Silêncio. Sem nenhuma palavra para dizê-lo. Sem nenhuma sensibilidade para senti-lo."
Seja no que traduziu, seja no que produziu, Fafe foi eloquente. Obrigado.

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