sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Culsete: Livraria independente com final anunciado no dia de Bocage



Será o dia em que se celebra um poeta como Bocage o mais indicado para se saber que uma livraria vai acabar, ainda por cima uma livraria independente? Ou será ironia do destino?
Foi ontem que recebi mensagem da Fátima Medeiros a anunciar o encerramento da livraria Culsete (de Setúbal) para breve, para Outubro, mês outonal já a deixar pressentir a morte de uma actividade cultural considerável.
A história da Culsete confunde-se com a história cultural de Setúbal no período dos últimos 46 anos (quase meio século!), primeiro como Culdex, depois como Culsete, projecto devido ao casal Manuel Medeiros e Fátima Ribeiro de Medeiros, ambos entrelaçados nos livros, vivendo páginas e páginas, potenciando a riqueza cultural da região.
A história da Culsete foi contada por um dos seus criadores, o Manuel Medeiros, numa parte do livro Papel a mais, assinado pelo pseudónimo Resendes Ventura (Lisboa: Esfera do Caos Editores, 2009), uma obra que reúne memórias e depoimentos vários, poemas, pensares e reflexões, bocados de tempo em que a descoberta, a dinamização e o conceito da leitura, o papel do livro e o mundo editorial constituem constantes.
A Culsete vai encerrar. Um destino igual ao de muitas outras lojas, seja pela crise, seja pelas (des)regras de mercado, seja pelo desgaste das pessoas, seja lá por aquilo que for. Olha-se para trás e vê-se um espaço onde se foi muitas vezes feliz - na procura e descoberta de livros, no contacto com pessoas e saberes muitos, nas viagens pelas veredas da cultura, no saborear os momentos em que muitos livros nos encontraram, nas amizades fortalecidas, nos convívios, nas apresentações de livros sempre com espaço intenso de reflexões várias... Olha-se para trás e vê-se que a Culsete ofereceu muito, mesmo muito, às pessoas e que desse muito cada um aproveitou o que pôde.
A mim, fez-me bem visitar a Culsete muitas vezes e fica a mágoa de não terem sido mais essas vezes, a consciência de não ter podido estar em muitas realizações. Mas também ficam as memórias dos prazeres sentidos, das descobertas, das aprendizagens, dos momentos em que lá levei outros, das possibilidades que me foram criadas.
Sei por antecipação que vou ter pena de não poder encontrar a porta aberta da Culsete dentro de pouco tempo... como sabia que este desfecho estava a pairar. Sinto-me grato a esta livraria e às pessoas que a fizeram como sinto que as palavras são escassas para exprimir o que se sente...

O último gesto de afecto com os leitores vai acontecer a partir do dia 23 com a liquidação total do seu fundo livreiro, oportunidade para últimas despedidas... A propósito, recordo uma frase de Gómez de la Serna na sua obra Greguerías: “O livro é o salva-vidas da solidão”. Logo percebemos que a cultura em Setúbal vai ficar mais só. E nós também...

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