quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Marcas dos libertários em Setúbal vistas por João Freire e Maria Alexandre Lousada



Pelo trabalho de João Freire e de Maria Alexandre Lousada, Setúbal vê reconhecidos os seus pontos de contacto (e de acção) que a integram num pólo importante do “movimento social crítico e alternativo”, entendido como “identificação analítica de movimentos de acção colectiva (ou para isso tendentes) que tinham por objectivo transformar de maneira profunda, estrutural, a sociedade em que viviam, agindo essencialmente no plano social (e forçosamente também no terreno económico), com rejeição da possibilidade de concorrerem no plano das instituições políticas e do poder estatal”. Movimentos deste género serão o anarquismo, o sindicalismo, o cooperativismo e “outras manifestações públicas de sentido humanitarista”.
Na obra Roteiros da memória urbana – Setúbal: Marcas deixadas por libertários e afins ao longo do século XX (Lisboa: Edições Colibri, 2013), os autores deixam a garantia de que Setúbal foi uma das cidades em que este movimento “foi particularmente intenso e actuante”, haja em vista o crescimento de Setúbal no final do século XIX e início do século XX devido à actividade marítima e à indústria conserveira.
A obra surge dividida em seis partes: “Sítios com história”, “Militantes”, “Sindicatos de trabalhadores”, “Jornais”, “Grupos e associações” e “Bairros operários, piscatórios e populares”.
Relativamente ao primeiro grupo, são apresentados três trajectos, dominados pela parte mais antiga de Setúbal ou “os três núcleos tradicionais”, estruturantes que foram na construção da cidade e mesmo na organização social – o centro da cidade, Troino e Palhais-Fontainhas. Nesses três percursos são identificados 48 sítios com interesse para o “movimento social crítico e alternativo”, nem todos de igual importância, alguns já alterados na arquitectura, respeitando sedes de organizações e de jornais, de oficinas, residências de personalidades militantes, locais de trabalho, informações sobre as quais é fornecido algum contexto histórico.
Se os percursos são completos, diversificados e bem orientados, há, no entanto ressalvas. Assim, na terceira proposta, aquando da chegada ao Largo da Fonte Nova, é dito que o topónimo deriva do facto de tal fonte ter sido trazida “do Largo do Sapalinho após a implantação da República”. Ora, a designação “Fonte Nova” para este local existe já desde o século XIV, ainda que não se saiba exactamente a sua origem. Uma segunda observação decorre do facto de ser considerado “sítio” visitável (e identitário) uma pintura mural existente na rua Fran Paxeco alusiva a Jaime Rebelo, na fachada de um prédio abandonado. Ora, integrar uma manifestação de arte efémera num roteiro faz correr o risco da sua rápida desactualização, uma vez que tal pintura pode desaparecer – neste momento, tal prédio está entaipado, com o mural invisível ao visitante e em degradação…
O capítulo consagrado aos “Militantes” biografa muito sumariamente 53 nomes, considerados dos “mais destacados” (Afonso do Nascimento Ventura, Álvaro Figueiredo Simões, Aniceto, António Augusto das Neves, António Augusto Quaresma, António Casimiro da Silva, António Costa, António Francisco de Sousa, António Luís, António Mendes, Bruno Palhares, Carlos Alberto, David Augusto Correia, Emílio Freitas e Silva, Etelvina, Francisco José de Brito, Francisco Rodrigues Franco, Jaime Rebelo, Januário da Conceição Sabino, João Atanásio, João da boa-Viagem, João Maria Major, Joaquim Correia, Jorge José Silva, Jorge Quaresma, José Alves, José Artur Quaresma, José Benedy, José Bernardo, José Carlos Rates, José Franco, José Luís Martins dos Santos, José Maria Canoa, José dos Reis Couto, José Viegas Samurrinha, Júlio da Purificação Tavares, Justino Gomes, Laura Arrábida de Sousa, Leonardo, Leonídio Rodrigues, Libânio Leal, Lino de Andrade, Luís Branco, Luís Matias, Luísa do Carmo Franco, Manuel dos Santos Quintas, Manuel de Sousa, Mariana do Carmo Torres, Norberto Valido, Raul Elias Adão, Sabina Lopes Condeça, Valentim Adolfo João e Xavier Correia). Compreendem-se as limitações no traçar de uma biografia quando faltam elementos, mas, relativamente a alguns casos, poderia haver mais precisão – quem reconhecerá que Carlos Alberto, assim designado e com uma biografia escassa, é o azeitonense Carlos Alberto Ferreira Júnior, que teve intensa actividade profissional, política, cívica e cultural?
No capítulo “Sindicatos de Trabalhadores”, são indicadas quase 30 organizações para o período das primeiras três décadas do século XX, número impressionante e que bem atesta o papel interventivo de Setúbal neste movimento crítico e social, e, na parte respeitante aos “Jornais”, marcam presença os emblemáticos Germinal e Voz Sindical, ainda hoje de consulta obrigatória para conhecer a Setúbal de início do século XX e os seus movimentos sociais. Quanto aos “Grupos e Associações”, também brevemente apresentados, o número ascende a 22, um deles ainda com existência nos dias de hoje – Associação Operária de Socorros Mútuos Setubalense, Grupo Anarquista Avante, Sociedade de Instrução e Beneficência Germinal, Escola Liberal de Setúbal, Grupo de Propaganda Livre, Grupo Germinal, Grupo Anarquista Rebeldes, Federação Internacional de Regeneração Humana, Grupo Anarquista Os Cosmopolitas, Núcleo das Juventudes Sindicalistas, Centro de Recreio e Propaganda Livre, Grupo Acção Anarquista, Grupo Artístico Alma Nova, Grupo Esperantista Operário Nova Espero, Grupo Anarquista Os Intransigentes, Grupo Solidariedade Humana, Universidade Popular Portuguesa, Sociedade Promotora de Educação Popular, Ateneu de Estudos Sociais, Grupo Esperantista Disvastiga Stelaro, Grupo Anarquista Os Activos e Grupo Libertário de Setúbal. No capítulo dos “Bairros Operários, Piscatórios e Populares”, pode o leitor ver como tais aglomerados criaram identidades ainda hoje visíveis – Bairro de Troino, Bairro Libertário, Bairro dos Varinos, Bairros de Palhais-Quevedo-Fontainhas, Bairro da Monarquina e Bairro Baptista.
A obra encerra com uma cronologia que permite ao leitor seguir a vida política em Portugal e no Estrangeiro em paralelo com o desenvolvimento do movimento social, num período entre 1864 e 1998, e com a “Lista de militantes libertários de Setúbal”, em que constam 136 nomes, aí incluindo os já mencionados no capítulo “Militantes”.
Título produzido no âmbito do projecto MOSCA (“Movimento Social Crítico e Alternativo”), este contributo de João Freire e de Maria Alexandre Lousada revela-se interessante para a identidade de Setúbal, embora pudesse ser mais completo. O leitor poderá obter mais informação sobre este projecto e sobre outras localidades já em roteiro no sítio http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/projecto/

1 comentário:

Anónimo disse...

Por fim uma "autoridade" apontou o q há a corrigir.Espero q os autores consultem alguns, dos muitos "cetobrinenses" (em contraponto com os "olissiponenses") habilitados a "burilar" o texto para bem do rigor q se impõe a uma obra de consulta assinada por Professores. aqrosa