Pelo trabalho de João Freire e de Maria Alexandre
Lousada, Setúbal vê reconhecidos os seus pontos de contacto (e de acção) que a
integram num pólo importante do “movimento social crítico e alternativo”,
entendido como “identificação analítica de movimentos de acção colectiva (ou
para isso tendentes) que tinham por objectivo transformar de maneira profunda,
estrutural, a sociedade em que viviam, agindo essencialmente no plano social (e
forçosamente também no terreno económico), com rejeição da possibilidade de
concorrerem no plano das instituições políticas e do poder estatal”. Movimentos
deste género serão o anarquismo, o sindicalismo, o cooperativismo e “outras
manifestações públicas de sentido humanitarista”.
Na obra Roteiros
da memória urbana – Setúbal: Marcas deixadas por libertários e afins ao longo
do século XX (Lisboa: Edições Colibri, 2013), os autores deixam a garantia
de que Setúbal foi uma das cidades em que este movimento “foi particularmente
intenso e actuante”, haja em vista o crescimento de Setúbal no final do século
XIX e início do século XX devido à actividade marítima e à indústria
conserveira.
A obra surge dividida em seis partes: “Sítios com
história”, “Militantes”, “Sindicatos de trabalhadores”, “Jornais”, “Grupos e
associações” e “Bairros operários, piscatórios e populares”.
Relativamente ao primeiro grupo, são apresentados três
trajectos, dominados pela parte mais antiga de Setúbal ou “os três núcleos
tradicionais”, estruturantes que foram na construção da cidade e mesmo na
organização social – o centro da cidade, Troino e Palhais-Fontainhas. Nesses
três percursos são identificados 48 sítios com interesse para o “movimento
social crítico e alternativo”, nem todos de igual importância, alguns já
alterados na arquitectura, respeitando sedes de organizações e de jornais, de
oficinas, residências de personalidades militantes, locais de trabalho,
informações sobre as quais é fornecido algum contexto histórico.
Se os percursos são completos, diversificados e bem
orientados, há, no entanto ressalvas. Assim, na terceira proposta, aquando da
chegada ao Largo da Fonte Nova, é dito que o topónimo deriva do facto de tal
fonte ter sido trazida “do Largo do Sapalinho após a implantação da República”.
Ora, a designação “Fonte Nova” para este local existe já desde o século XIV,
ainda que não se saiba exactamente a sua origem. Uma segunda observação decorre
do facto de ser considerado “sítio” visitável (e identitário) uma pintura mural
existente na rua Fran Paxeco alusiva a Jaime Rebelo, na fachada de um prédio
abandonado. Ora, integrar uma manifestação de arte efémera num roteiro faz
correr o risco da sua rápida desactualização, uma vez que tal pintura pode
desaparecer – neste momento, tal prédio está entaipado, com o mural invisível
ao visitante e em degradação…
O capítulo consagrado aos “Militantes” biografa muito
sumariamente 53 nomes, considerados dos “mais destacados” (Afonso do Nascimento
Ventura, Álvaro Figueiredo Simões, Aniceto, António Augusto das Neves, António
Augusto Quaresma, António Casimiro da Silva, António Costa, António Francisco
de Sousa, António Luís, António Mendes, Bruno Palhares, Carlos Alberto, David
Augusto Correia, Emílio Freitas e Silva, Etelvina, Francisco José de Brito,
Francisco Rodrigues Franco, Jaime Rebelo, Januário da Conceição Sabino, João
Atanásio, João da boa-Viagem, João Maria Major, Joaquim Correia, Jorge José
Silva, Jorge Quaresma, José Alves, José Artur Quaresma, José Benedy, José
Bernardo, José Carlos Rates, José Franco, José Luís Martins dos Santos, José
Maria Canoa, José dos Reis Couto, José Viegas Samurrinha, Júlio da Purificação
Tavares, Justino Gomes, Laura Arrábida de Sousa, Leonardo, Leonídio Rodrigues,
Libânio Leal, Lino de Andrade, Luís Branco, Luís Matias, Luísa do Carmo Franco,
Manuel dos Santos Quintas, Manuel de Sousa, Mariana do Carmo Torres, Norberto
Valido, Raul Elias Adão, Sabina Lopes Condeça, Valentim Adolfo João e Xavier
Correia). Compreendem-se as limitações no traçar de uma biografia quando faltam
elementos, mas, relativamente a alguns casos, poderia haver mais precisão –
quem reconhecerá que Carlos Alberto, assim designado e com uma biografia
escassa, é o azeitonense Carlos Alberto Ferreira Júnior, que teve intensa
actividade profissional, política, cívica e cultural?
No capítulo “Sindicatos de Trabalhadores”, são indicadas quase 30 organizações para o período das primeiras três décadas do século XX,
número impressionante e que bem atesta o papel interventivo de Setúbal neste
movimento crítico e social, e, na parte respeitante aos “Jornais”, marcam
presença os emblemáticos Germinal e Voz Sindical, ainda hoje de consulta
obrigatória para conhecer a Setúbal de início do século XX e os seus movimentos
sociais. Quanto aos “Grupos e Associações”, também brevemente apresentados, o
número ascende a 22, um deles ainda com existência nos dias de hoje – Associação
Operária de Socorros Mútuos Setubalense, Grupo Anarquista Avante, Sociedade de
Instrução e Beneficência Germinal, Escola Liberal de Setúbal, Grupo de
Propaganda Livre, Grupo Germinal, Grupo Anarquista Rebeldes, Federação
Internacional de Regeneração Humana, Grupo Anarquista Os Cosmopolitas, Núcleo
das Juventudes Sindicalistas, Centro de Recreio e Propaganda Livre, Grupo Acção
Anarquista, Grupo Artístico Alma Nova, Grupo Esperantista Operário Nova Espero,
Grupo Anarquista Os Intransigentes, Grupo Solidariedade Humana, Universidade
Popular Portuguesa, Sociedade Promotora de Educação Popular, Ateneu de Estudos
Sociais, Grupo Esperantista Disvastiga Stelaro, Grupo Anarquista Os Activos e
Grupo Libertário de Setúbal. No capítulo dos “Bairros Operários, Piscatórios e
Populares”, pode o leitor ver como tais aglomerados criaram identidades ainda
hoje visíveis – Bairro de Troino, Bairro Libertário, Bairro dos Varinos,
Bairros de Palhais-Quevedo-Fontainhas, Bairro da Monarquina e Bairro Baptista.
A obra encerra com uma cronologia que permite ao
leitor seguir a vida política em Portugal e no Estrangeiro em paralelo com o desenvolvimento
do movimento social, num período entre 1864 e 1998, e com a “Lista de
militantes libertários de Setúbal”, em que constam 136 nomes, aí incluindo os
já mencionados no capítulo “Militantes”.
Título produzido no âmbito do projecto MOSCA (“Movimento Social Crítico e Alternativo”),
este contributo de João Freire e de Maria Alexandre Lousada revela-se
interessante para a identidade de Setúbal, embora pudesse ser mais completo. O
leitor poderá obter mais informação sobre este projecto e sobre outras
localidades já em roteiro no sítio http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/projecto/
1 comentário:
Por fim uma "autoridade" apontou o q há a corrigir.Espero q os autores consultem alguns, dos muitos "cetobrinenses" (em contraponto com os "olissiponenses") habilitados a "burilar" o texto para bem do rigor q se impõe a uma obra de consulta assinada por Professores. aqrosa
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