A notícia não me surpreendeu, mas bateu bem fundo.
Quando, na manhã de hoje, Alexandrina Pereira me comunicou o fim do Fernando
Guerreiro, ouvi como algo já esperado. Tinha-o visitado no final da tarde de
ontem, no Hospital de S. Bernardo. E ficara com a amargura de sentir que poderia ser aquele o último encontro…
Revejo os encontros com Fernando Guerreiro, o actor
setubalense que deu corpo e voz a muitas personagens, que divulgou muita
poesia, sempre disponível na sua generosidade para participar em eventos em que
os versos fossem motivação, sempre encantando públicos. Recordo a sua alegria e
disposição, as suas gargalhadas, a cumplicidade nos discursos reconstruídos com
significados ricos de humor e de graça. Relembro também alguns momentos de
tristeza, de preocupação com a vida e com a saúde, quase antecipando a
impossibilidade de viver. Tenho saudades do Fernando e da sua vivacidade
contagiante.
Relembro o seu gesto amigo de me ter convidado para
apresentar o seu livro de poemas, Memórias
entre um sorriso, em cerimónia havida em 21 de Setembro de 2009 (texto que
pode ser lido aqui), convite feito com muita antecedência e sob a exigência de “tenho
uma coisa para lhe pedir e não pode recusar”, só depois me revelando o que era…
afinal, uma prova de amizade perante um acto de generosidade com os outros. É
por isso que, neste momento, reabro esse mesmo livro e tenho de sublinhar o
final do prefácio que ele mesmo escreveu: “Ao chegar à minha idade e sem
descendentes, olho para o espólio que juntei toda a uma vida: os papéis que
escrevinhei, as cartas que recebi, as dedicatórias que me escreveram, as honras
com que me distinguiram e surge-me uma pergunta angustiante que nunca tinha
feito antes – quando eu partir, para onde irá tudo isto? Os livros, os quadros,
as fotos, o Tempo e a traça se encarregarão de lhes dar destino. Mas aquilo que
eu escrevi, OS MEUS AFECTOS? Bolas, ao fim e ao cabo são bocados do meu sentir,
pedaços de mim, que, mal ou bem, com todos os meus defeitos e algumas possíveis
qualidades, FUI EU! É pois com este pensamento que deixo este livro a todos
aqueles que o desejem ler, como prova incontestável de que EXISTI. Se chegarem
à última folha com um sorriso nos lábios, ficarei satisfeito, já para não
dizer, infantilmente feliz: AS MINHAS MEMÓRIAS FIZERAM SORRIR.”
É isso: quero lembrar o Fernando Guerreiro com um
sorriso (de que ele bem gostaria), apesar de manter a saudade.
Obrigado, Fernando!
[Foto: Fernando Guerreiro, em 26 de Março de 2011, em Setúbal,
na apresentação da mais recente edição do Diário, de Sebastião da Gama]
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