HOMENAGEM
A MANUEL ANTÓNIO PINA
Uma nuvem carregada de palavras escuras, negra sombra ao cabeçalho do jornal,
Um poeta morreu, palavras secas, o negro do céu num amarelo triste como o
entardecer, pálido,
Quando um poeta morre secam-se fontes, murcham as flores silvestres, e as
outras, calam-se os pássaros,
Carrega-se o céu de chumbo e a alma de tristeza, fogem os anjos, tapam-se as
musas de luto de inverno,
Choram as crianças e não sabem porquê, os velhos sentem-se mais sós, vê-se o
amor pelo fio líquido caído pelo rosto,
Está morto, o poeta, e as suas palavras caminham pelas bocas e arrepiam as
nucas, percorrem-nos os fios de cabelo, até por onde o pensamento as levou,
Cegam-nos o interior ilusório e não nos deixam sonhar, porque quando morre um
poeta, morrem com ele todos os sonhos dos nossos mundos fingidos,
Órfãs, as palavras do poeta recolhem-se ao cunho eterno do vento soprado pelas
bocas com fome das outras palavras que lhe faltaram, ao poeta, escrever,
Baú vazio, repleto de páginas negras, por nelas, o poeta, jamais poder de novo
pousar a sua pena, porque morreu, reflectindo a nossa outra pena, a pesarosa, a
que com ele repousa, da treva a prosa.
José Nobre
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