Umberto Eco foi a personalidade que Carlos Vaz Marques entrevistou para o número da Ler de Abril (Lisboa: Fundação Círculo de Leitores, nº 101). O pretexto foi o mais recente livro de Eco, O Cemitério de Praga, mas a entrevista vale por tudo quanto este académico, romancista, leitor, semiólogo italiano nos diz. Ficam alguns passos…
Linguagem – «É esse o poder da linguagem: serve para dizer a verdade mas também para criar coisas que não existem, fazendo crer que têm existência real.»
Realidade – «A realidade é muito mais romanesca do que a imaginação. É por isso que em todos os meus romances sempre recorri a fontes científicas verdadeiras. Porque elas eram mais cómicas, mais dramáticas, mais surpreendentes do que aquilo que pudesse inventar.»
Mentir e fazer de conta – «Mentir é dizer o contrário daquilo que se sabe ser verdade. Digo-lhe, por exemplo, que não está mais ninguém cá em casa. Como sei que a minha mulher está ali dentro, estou a dizer-lhe o contrário da verdade e o contrário daquilo que sei que é verdade, de modo a que você acredite em qualquer coisa falsa. Isto é uma mentira. Outra coisa é dizer o que é falso: seria dizer-lhe que ela não está cá mas sem saber que afinal está. (…) A narração é fazer de conta. E o que é fazer de conta? (…) É um jogo em que, por exemplo, eu digo que vou dar-lhe um murro. Faço de conta que vou dar-lhe o murro mas não lho dou. (…) Fazer de conta é, portanto, o modo de falar a alguém dizendo-lhe: ‘Tu sabes que aquilo que te vou contar não é verdadeiro, mas deves aceitar o meu jogo e fazer de conta que ele é verdadeiro.’ (…) É uma característica da narração, em geral. Da arte narrativa, que nos propõe mundos possíveis, mas nos quais vivemos como se fossem reais. Começamos mesmo a considerar verdadeiros certos personagens, de tal maneira que eles emigram para fora do livro. Quer dizer, D. Quixote existe entre nós. Não temos de ir à procura dele no livro de Cervantes. (…) Por um lado tomamos o mundo narrativo da literatura como se fosse verdadeiro e por vezes tomamos o mundo real como se fosse uma narração.»
Romance histórico – «Os romances históricos são assim: colocam em cena personagens históricos. Habitualmente, as grandes figuras aparecem como pano de fundo. (…) A verdadeira História é representada por personagens de ficção.»
Sábio – «Um sábio que passou a vida a estudar borboletas não quer tornar-se uma borboleta. Porque como borboleta teria uma vida demasiado curta.»
Prémios literários – «São uma forma de fazer publicidade ao livro. A um livro em particular e ao livro em geral. Tornam as pessoas sensíveis à existência de livros. São como uma campanha publicitária para a preservação das árvores. As pessoas, assim, pouco a pouco, habituam-se à ideia de que não devem derrubar as árvores.»
Enciclopédia – «O que é a enciclopédia? É o conjunto das notícias controladas pela comunidade científica que nos diz que vale a pena saber isto e não vale a pena saber aquilo.»
Computador e automóvel – «A chegada do computador foi o que houve de mais espantoso. Mudou realmente a vida de toda a gente e mais rapidamente do que qualquer outra coisa. Os primeiros computadores pessoais apareceram em 1981. Portanto, no espaço de 30 anos, mudaram a nossa vida. O automóvel demorou um século a mudar as coisas.»
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