sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Joana Luísa da Gama: a mulher ao lado do Poeta (1)

 


Não tivessem sido a dedicação e a persistência de Joana Luísa da Gama (1923-2014) e os leitores pouco conheceriam da obra de Sebastião da Gama (1924-1952)! Talvez mesmo se tivesse perdido a maior parte da sua produção literária!... A obra do poeta poderia ter-se cingido aos títulos por si publicados — Serra-Mãe, em 1945, Cabo da Boa Esperança, em 1947, e Campo Aberto, em 1951, além dos textos que deixou dispersos por vários jornais e revistas, das quadras que foram integradas nas Loas a Nossa Senhora da Arrábida (em 1946), do texto A Região dos Três Castelos, de 1949, que cativava para as viagens turísticas nas imediações da Arrábida e, talvez, de Pelo Sonho é que Vamos (de 1953), a primeira obra póstuma, que Sebastião da Gama deixara orientada e com título escolhido. Todos os restantes títulos do poeta e professor azeitonense publicados resultaram do empenho posto por Joana Luísa da Gama, na tarefa de recolha, organização e preservação dos manuscritos e dactiloscritos do marido, e por um grupo de amigos do casal (David Mourão-Ferreira, Matilde Rosa Araújo, Luís Amaro, Maria de Lourdes Belchior e Luís  Filipe Lindley Cintra, entre outros), que acompanharam as edições sucessivas.

Após o falecimento de Sebastião da Gama, o itinerário de Joana Luísa passou pela vida conventual (até final de 1955), tendo chegado a tomar o hábito nas Franciscanas Missionárias de Maria sob o nome de Maria Delfina de Jesus, pelos estudos na Escola João de Deus, pelo trabalho nas Misericórdias de Lisboa e de Azeitão e no Centro Regional de Segurança Social, pela dedicação ao apoio social e pela divulgação da obra do marido. A ideia de um novo casamento não se lhe voltou a pôr, pois, como disse em entrevista a Vladimiro Nunes, na revista Tabu (jornal Sol, 3.Fev.2012), “ia ser o mais infiel possível ao homem que casasse comigo, porque não me largava do Sebastião”. Este sentimento, explicava-o ela ao entrevistador nos seguintes termos: “Não sou capaz de pensar no Sebastião morto. Não o vejo, mas encontro-o. Ele está sempre comigo. (...) Sei que ele está vivo e ajuda-me. Pergunto-lhe muitas vezes o que hei-de fazer. Não sai livro nenhum sem eu ter a resposta do Sebastião. Todos os livros que têm saído, ele tem consentido. E tem ajudado.” Uma espécie de presença pressentida que foi publicamente confessada por Joana Luísa em diversas ocasiões, como, por exemplo, em 1985, quando, num encontro com jovens da Casa do Gaiato, onde contou a história do encontro entre Sebastião da Gama e o Padre Américo ocorrido em 1947, disse à assistência: “Não estou aqui por acaso, (...) estou em lugar do Sebastião, do nosso poeta Sebastião da Gama, porque se ele cá estivesse viria aqui fazer esta apresentação. Mas ele deixou um recado e eu venho trazê-lo.” Outro momento, para lembrar um outro reflexo desta união, aconteceu em 2007, ao falar para alunos e professores numa escola em Carnaxide: “Será desnecessário dizer o carinho que sinto pelos professores e quanto sofro e me alegro com eles. São colegas do meu marido. São, porque o Sebastião continua presente.”

Os períodos de vida dos dois quase se entrelaçaram no tempo — Sebastião da Gama nasceu em Abril e faleceu em Fevereiro, Joana Luísa nasceu em Fevereiro e faleceu em Abril. Nos 62 anos que sobreviveu ao marido, ela não deixou de testemunhar, de divulgar, de apresentar, de falar sobre a obra dele, fosse em sessões poéticas, fosse em eventos públicos para que era convidada, sobretudo em escolas, caracterizando-se sempre o seu testemunho pela leitura de alguns textos de Sebastião, por vezes recorrendo a inéditos, pelo contar de uma história relacionada com os textos lidos e por uma viagem nas memórias.

Foi da reunião de alguns desses textos que surgiu o livro Estala de Saudade o Coração (Associação Cultural Sebastião da Gama, 2013), em cuja apresentação Joana Luísa ainda esteve presente, apesar de já revelar alguma debilidade física. O passeio que, enquanto leitores, podemos fazer por essas páginas dominadas pela memória é um trajecto impressionante numa história de amor e de poesia, de saudade e de reconhecimento.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1478, 2025-02-26, pg. 10.


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Os panoramas que Cabral Adão cantou

 


Em 1 de Fevereiro de 1960, a primeira página do jornal O Setubalense publicava um poema assinado por “Medronho da Mata”, cujo tema era a cachoeira da Quinta do Alcube, imagem procurada para o poeta exprimir o seu encanto perante cenário repleto de verdura, assistindo à acção da água corrente e saltitante sobre a pedra, limando-a e polindo-a, imagens de que logo se apropria para exprimir a sua emoção: “Devia ser em mim que tu corresses / E as rochas do meu fel me dissolvesses / Levando tudo, sem deixar um ai!...”

O pseudónimo que assumia o poema, também utilizado na página “Arte - Alegria - Beleza” que o jornal publicava de vez em quando, organizada pela Arcádia da Fonte do Anjo, pertencia a Cabral Adão (1910-1992), conhecido médico que chegara a Setúbal, oriundo de Vila Flor, em 1938. O poema sobre a cachoeira foi o primeiro de uma série intitulada “Panorâmica”, que alojou 21 sonetos ao longo de 1960, até à publicação do último na edição de 31 de Dezembro desse ano, tempo importante para Setúbal, pois passava o primeiro centenário da sua elevação a cidade.

O panorama que se ofereceu como pretexto a Cabral Adão passou por locais e momentos importantes, cantando espaços (ruínas dos Capuchos, quintas dos Ciprestes e da Laje, Senhora do Cais, miradouro de S. Sebastião, mata do Vidal e Albarquel), figuras (descarregador de peixe, vendedora de laranjas e varina das Fontainhas), momentos (luar no Sado, campina vista no Outono e anoitecer sobre a cidade) ou paisagens (vista desde S. Luís, marinhas e praia “do Dr. Adão”, assim conhecida e onde constam os versos que, hoje, em lápide sobre rocha, podemos ver na estrada a caminho da Figueirinha).

Ao longo dos vários momentos ou locais evocados, há imagens fortes pelo efeito sensorial e artístico, vibrantes no retrato do descarregador (“uma iluminura que se antolha / digna de um óleo ou mármore render”), na aguarela das marinhas (“tabuleiros d’água a branquejar”), no efeito de espelho vindo do rio (o “sol vem bater no tafetá do Sado”) ou na paisagem sonora do bulício da urbe (“a serra, na distância, põe-se à escuta / desta cidade inteira que labuta”). A voz lírica destas “panorâmicas” circula em busca de afinidades e o leitor não se surpreende no momento em que o poeta entra pela mata, espaço procurado “nas horas de tristeza ou de aventura”, cruzando-se com a inspiração suscitada pela Natureza e com as vozes de quem na serra o antecedeu na escolha da Arrábida para tema do seu canto: “Mas só me vem um eco, em melodia. / — És tu, Sebastião?... E ele aparece / Sob o capuz fraterno de Agostinho.”

Três anos depois destas publicações em O Setubalense, em 1963, Cabral Adão assinalava o quarto de século sobre a sua chegada a Setúbal e a melhor forma que encontrou para manifestar o seu apego a este torrão foi através da edição de Panorâmica - Poemas a Setúbal, reunião desse conjunto de sonetos, antecedidos de curta nota em que em que o autor revela ter a chegada ao Sul refinado “o pendor inato de enamorar-se da Natureza” e ser Setúbal “a segunda almofada de recostar a cabeça”, assim como de um poema com uma dúzia de quadras intitulado “Rio Azul”, em jeito de introdução e de justificação: “Não há um rio na minha terra!... / Só a três léguas, pra cada lado. / Mas eis que a vida aqui me desterra / Pra me dar um - o meu terno Sado.” Nesta abertura, é cantada a paisagem e a alegria de a poder contemplar, confessando que raramente se ausenta ou afasta do rio, dizendo-se com “mais sorte do que Feijó”, alusão ao escritor limiano que, em consequência da sua vida profissional, viveu longe do pátrio Lima.

Panorâmica - Poemas a Setúbal teve segunda edição em 1988, ano em que passava o cinquentenário sobre a chegada de Cabral Adão à cidade do “Rio Azul”. Aos poemas da primeira edição acrescia um, no final, o vigésimo-segundo, reflexão autobiográfica em que se junta o efeito do tempo, o passar da vida, a família (já em terceira geração) e a adopção de Setúbal como espaço-natal repartido: “Subtis, sem um aviso, de mansinho, / Rodam os anos sem se dar por isso: / É o sol que mal anda o seu caminho / E, sem se perceber, leva sumiço. // Já são cinquenta os anos que, submisso, / Eu tenho de Setúbal, fofo ninho / De cinco filhos meus, flores de viço / A rescender a mar e rosmaninho. // Desses cinco, já onze refloriram / Geração estendida a muita parte, / O Rio Azul levando gota a gota... // E já que eu vim de longe nesta rota, / Meu meio berço seja, pela arte / Que os meus olhos sagazes jamais viram!”. A panorâmica deixava de ter como motivo o exterior e tornava-se dominada pelo percurso de vida...

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1473, 2025-02-19, pg. 10.

 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Sebastião da Gama e as vivências de Estremoz (5)

 

 

A ligação de Sebastião da Gama a Estremoz seguiu um caminho de intensidade crescente, numa simpatia mútua e na construção de uma rede de afectos, como testemunha uma sua carta dirigida a Albano Ferreira, em 7 de Setembro de 1951: “Devo estar mais um ano, pelo menos, em Estremoz. A terra é agradável, a gente é boa.” Esta permuta afectiva revelou-a ele a quem o ouviu quando, em Abril de 1951, a convite de João Falcato, repetiu no Colégio Estremocense a conferência que fizera em Setúbal sobre Bocage — a concluir a palestra, disse, numa linguagem de empatia e com não menos dose de simplicidade, ter sido “o prazer de pagar aos estremocenses com leite do meu gado o puro azeite da simpatia e do bom acolhimento.”

Estremoz foi também o espaço e o tempo de transformação e de criação para Sebastião da Gama, visível até nos gestos mínimos, provas da satisfação e do prazer de sentir e de partilhar a alegria e a vida, tal como contou em carta de 13 de Janeiro de 1951 a Joana Luísa: “Alegre, alegre mesmo com a chuva, é o mercado aos sábados. Hoje comprei - pelo prazer de comprar: dois molhinhos de rabanetes, que trouxe na mão como violetas; meio quilo de peros; um prato de barro para os pôr: no fundo tem um passarinho.” Há lá maneira melhor do que recriar a vida ao atribuir significado e força àquilo que impressiona o olhar de um poeta!...

Na obra Uma Outra Voz, de Gabriela Ruivo Trindade (Leya, 2014), romance baseado na figura de João Francisco Carreço Simões e na sua acção em Estremoz, Sebastião da Gama, designado como “professor” e como “poeta” ocupa quase três páginas, num retrato traçado a partir das memórias que deixou na cidade alentejana. É através da personagem José Eduardo Serrão, com 15 anos em 1954, que o leitor recebe o eco das lembranças do poeta da Arrábida que permaneceu em quem com ele privou.

“Do professor de português, o poeta, é que nunca mais me esqueci.” — assim começa a evocação. E, no final da passagem: “Depois de o poeta abalar — não gosto de dizer que morreu —, parecia que me tinha passado a vontade de rir. Comecei a ler cada vez mais.” A memória exposta vale como um testemunho do que para quem o conheceu em Estremoz significou a figura de Sebastião da Gama: a leitura que ele fazia de poemas, que se tornava motivadora, enchendo-se-lhe, por vezes, os olhos de lágrimas ao longo do poema; o professor que “falava da beleza das pedras, das cores das folhas no Outono, do azul do mar, da imensidão dos céus e da magia das estrelas”; as sucessivas chamadas de atenção para a beleza do outro e da Natureza; a abertura para que os alunos interviessem nas aulas e o prazer que os estudantes tinham no tempo de uma lição com aquele professor; os ensinamentos de solidariedade recebidos, convidando os jovens à partilha e à dedicação aos mais necessitados; as suas idas ao mercado estremocense para comprar flores... enfim, um conjunto de marcas que identificaram Sebastião da Gama no seu relacionamento com a vida e com o local. Se dúvidas existissem quanto à identificação deste professor e poeta, elas seriam desvanecidas com a referência à Arrábida, com a indicação da sua morada, “no segundo andar de uma casita do Largo do Espírito Santo”, com a alusão a uma prenda que a personagem recebera — “Não era à toa que lhe chamávamos poeta, pois, além de tudo isto, escrevia versos. Ainda guardo um livro de poemas seus chamado Cabo da Boa Esperança que me ofereceu.”

Para esta personagem, que tinha 13 anos aquando do falecimento de Sebastião da Gama, o desaparecimento do poeta volveu um quase-mistério: “Nunca percebi bem que doença tinha, e depois de ter abalado as pessoas também preferiram não falar disso. Foi-se embora durante as férias do Carnaval e, apesar de tudo, ia feliz por regressar à sua Serra da Arrábida, como dizia. É um lugar muito longe daqui, explicou, ‘onde os ares são muito puros e curam algumas doenças’. Com ele, pelos vistos, não resultou. Ouvi algumas conversas e também li no jornal. Vinha uma fotografia e um poema dele, que começa assim: ‘Quando eu nasci / Ficou tudo como estava...’ E depois, em baixo, a cruz preta. Penso nele muitas vezes com saudade. Foi a primeira pessoa de quem gostava que morreu. Sem contar com o meu pai, claro.”

Muito embora sendo o testemunho de uma personagem de ficção, a intensidade desta caracterização corresponderá ao que a sociedade estremocense da época ficou a conhecer de Sebastião da Gama, fosse pelo retrato chegado (e mantido) por via dos seus alunos, fosse por quem com ele conviveu na escola e na rua, no café, nas tertúlias e no Rossio. Manter a imagem do poeta através de uma obra de ficção é também uma forma de resolver o mistério que envolve uma partida aos 27 anos, sobretudo quando sentida por uma população juvenil que neste professor encontrava momentos de felicidade... como sucessivamente muitos foram lembrando ao longo dos tempos.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1468, 2025-02-12, pg. 10.

 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Sebastião da Gama e as vivências de Estremoz (4)

 


Acilda Fragoso, a aluna, teve no professor-poeta um amigo e também ela foi motivo de apresentação a Joana Luísa através de carta, em 1951 — em 11 de Fevereiro: “Ontem, (...) encontrei a Acilda e a Maria Emília. Tão bonitas ambas, sob a chuva! Comprei-lhes violetas.”; em 7 de Março: “A Acilda faz anos na sexta. Disse-me o Banha. E eu combinei oferecer-lhe três ou quatro dos poemas deste ano dentro de uma capa feita pelo Banha. Na capa: somos assim aos 17.” Cerca de 60 anos depois da morte de Sebastião da Gama, em 13 de Abril de 2013, Acilda Fragoso evocava-o em Azeitão, mantendo viva a imagem, tal como a senhora que indicou ao visitante onde era o Largo do Espírito Santo: “O pedagogo, o professor amigo e poeta, deixou-nos em 7 de Fevereiro de 1952; no entanto, a sua presença persiste indelével na memória de todos os que tiveram o privilégio de com ele conviver, especialmente dos seus alunos. O Poeta-Professor ou Professor-Poeta, único no seu todo, sabia como nos fazer sentir únicos e como buscar o melhor de cada um dos seus alunos, deixando-nos perplexos com a descoberta de nós próprios. (...) Nesta cidade, de gente pacata, todos conheciam aquele homem barulhento, e que até era o novo professor, sempre de boina na cabeça, trazendo às vezes flores nas mãos, além de livros, porque, falando alto com a sua voz rouca, com todos metia conversa.”

Desde que chegou a Estremoz, Sebastião da Gama (a viver inicialmente na então Rua das Areias) insistiu na procura de casa para viver com Joana Luísa após o casamento (que se realizou em 4 de Maio de 1951). É numa carta de meados de Março, que, depois de ter desistido de várias propostas e de ter encontrado uma do seu agrado, escreve para Azeitão: “Estou doido com a casa. Vê-se toda a cidade e metade do Alentejo. A praça é engraçada — em frente de duas torres, de um chafariz, de uma capela. A cozinha, triangular, é grande e engraçada. Da janela vê-se quase tanto como do terraço, que é no terceiro andar (no telhado). É inclinado, não serve para lá comer ou trabalhar. Mas para o banho de sol é excelente.” Poucos dias depois, nova longa carta faz nova descrição da casa, terminando com uma promessa: “Vamos gostar tanto da nossa casa e do repouso que tenho cá que não nos apetecerá sair, pois não?” Estava escolhida a morada futura e os preparativos foram acontecendo com a ajuda de várias pessoas, entre as quais, Acilda Fragoso e Guiomar Ávila. Em vista, estava o segundo andar do número 2 do Largo do Espírito Santo, endereço que daria título a poema em 9 de Junho de 1951, registando como local de escrita “Nossa casa”, oito quadras que a apresentam a partir do sonho de quem a habita, do interior do lar e de um “nós” que alimenta todo o poema, talvez um dos mais belos poemas de amor. Publicado pela primeira vez na revista Árvore, o título suscitou divergências com a direcção, pois havia quem não aceitasse que uma morada figurasse como título de um poema... Foi preciso que Sebastião da Gama se impusesse e escrevesse ao seu amigo Luís Amaro a não deixar alternativas para o título ou, de outra forma, não aceitaria publicar na revista.

As imagens de Estremoz perpassam também na correspondência que Sebastião da Gama vai trocando com amigos como Virgílio Couto (o seu professor metodólogo), Cristovam Pavia e Luís Amaro (ambos alentejanos, ambos poetas), António Manuel Couto Viana (poeta), Matilde Rosa Araújo e Lindley Cintra (colegas da Faculdade e professores), José Régio (escritor), António Sampaio (pintor), Pedro Lisboa (médico) ou Albano Ferreira (que fora seu aluno em Lisboa). Nestas missivas, há frequentemente notas sobre a vida em Estremoz, em pequenos apontamentos que constituem recortes interessantes sobre o quotidiano, como se pode verificar na carta enviada a Matilde Rosa Araújo em 13 de Outubro de 1951, relatando um episódio vivido num sábado: “Hoje, logo pela manhã, uma coisa de nada cheia de ternura: no lugar do mercado onde se vende loiça de barro, um prato (não é bem um prato: é fundo e ondulado na beira) com este nome no fundo: MATILDES ROSA! Ó Matilde: o que nós rimos e nos comovemos ao mesmo tempo! Matildes Rosa! Que lindo vai no ‘seu erro de ortografia’ - diria o António Nobre. Comprámo-lo, está à tua espera. Se aparecer outro ficará entre os que têm (esses encomendados) os nomes dos nossos sobrinhos. Para te lembrarmos e eu te lembrar um pouco mais ainda.”

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1463, 2025-02-105, pg. 10.