Grande parte do percurso biográfico de Francisco de Paula Borba era já conhecido, sobretudo no seu papel de médico e de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal, muitos pormenores tendo já sido trazidos ao saber público por Francisco Moniz Borba em trabalhos anteriormente publicados. Se, na obra Francisco de Paula Borba - Vida e Obra (1872-1934), o leitor fica a conhecer alguns aspectos da história familiar (origem, casamento, constituição da família, aquisição da quinta da Gâmbia), também por aqui passam as ideias e a forma de estar em sociedade do biografado, quer pela forma como se impôs enquanto profissional (inovando, construindo e governando a saúde local, visando a existência de melhores condições, no hospital e na Misericórdia), quer pelo relacionamento mantido com o operariado e com os mais carenciados (prestando-lhes assistência e envolvendo-se pessoalmente em algumas causas sociais, como a do pagamento da caução para dez trabalhadores serem absolvidos, depois de destruírem, por protesto, várias máquinas numa fábrica), quer pela recusa na aceitação de cargos públicos (republicano, renunciou a cargos políticos, argumentando com a sua actividade clínica).Cedo começou em Setúbal o reconhecimento pela figura de Paula Borba - ao saber-se que fora mobilizado para médico miliciano em 1917, a população manifestou-se, exigindo do poder político que o médico se mantivesse em Setúbal. Conseguido o intento, uniu-se a cidade para lhe fazer uma oferta. Porém, ao saber desta intenção, o seu pedido foi no sentido de destinarem a colecta feita à construção de um balneário, estrutura que era fundamental para o fomento da saúde pública. As homenagens, contudo, foram muitas ao longo da vida, com particular destaque para a atribuição do estatuto de “cidadão de Setúbal”, a primeira figura a receber tal título honorífico.
Para lá do reconhecimento institucional, houve também a gratidão individual do cidadão comum, muitas vezes apoiado pela acção de Paula Borba, como o prova a quantidade de poemas feitos em seu louvor - em 1932, compunha João Henrique um soneto sobre o médico, do grupo de “auto-silhuetas”, em que o retratado se contava na primeira pessoa: “Se adoro, e muito, o berço onde fui nado, / formosa ilha cujo amor cultivo, / Não amo menos a terra, à qual cativo / Me traz o encanto do formoso Sado. // (...) // Mas pertence esta vida aos pobrezinhos, / E é tão curta - por longa que eu a conte - / Que a absorve o meu amor pelos velhinhos.” Em Outubro de 1934, pouco tempo depois do falecimento de Paula Borba, “uma sua protegida”, Mariana Pereira, publicava largo conjunto de quadras “em homenagem ao distinto médico e benemérito”, cantando: “Está Setúbal de luto / com sentimento profundo / Morreu o pai da pobreza / Outro igual não há no mundo. // (...) // Ai que se eu pudesse / A minha vida por a dele trocar / Eu queria ser enterrada / Para ele neste mundo ficar. // (...) // Para nós era um Anjo / Digo e torno a repetir / Um homem como o Dr. Borba / Não veio nem torna a vir.”
Com razão regista Fátima Ribeiro de Medeiros, na abertura do prefácio a este livro, que “há pessoas raras que conseguem delinear e marcar o percurso dos outros, dos seus contemporâneos e dos que lhe virão a seguir na dinâmica das gerações”, mencionando o caso do “Dr. Paula Borba, como lhe chama desde sempre o povo, como se dissesse pai ou avô”, que classifica como “um dos nossos grandes, sem dúvida”, que optou por Setúbal para “aqui construir o seu futuro, contribuindo para o sucesso e crescimento da cidade.”
J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 979, 2022-12-14, p. 8.
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