segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Henrique Freire e o romance histórico da fundação do Convento de Jesus (1)



Em 1864, Henrique Freire tinha 22 ou 23 anos (1841 ou 1842-1908) e, desde os 18, andava pelos jornais de Setúbal - primeiro, n’ O Improviso (que acabou em 1859), depois n’ O Correio do Sado, onde conviveu com João Correia Manuel de Aboim (1819-1861), lisboeta que se radicara em Setúbal e teve ampla participação na imprensa sadina. Em 1864, Henrique Freire tinha conhecimento bastante de Setúbal, onde vivia desde a infância, nascido que fora na Trafaria, tendo-lhe permitido esse conhecimento participar na imprensa e publicar uma pequena monografia intitulada O rei e o soldado - Facto histórico do reinado do Senhor Dom Pedro V, livro que viu a luz do dia em 1862.

Nesse mesmo ano de 1864, em Lisboa, dos prelos da Imprensa Sousa Neves, saía, assinado por Henrique Freire, o romance histórico de pouco mais de 130 páginas intitulado A Profecia ou a Edificação do Convento de Jesus, acrescentado da indicação “tentativa histórica setubalense” (obra editada recentemente em fac-símile pela LASA - Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão). Título e subtítulo remetem de imediato o leitor para um tempo de finais do século XV e para um texto que não pretendia historiar, antes ser uma “tentativa histórica”, algo sugerindo o percurso entre uma ficção e os factos históricos locais.

Na “Nota Introdutória” a esse livro, o jovem Henrique Freire dedicava a obra ao pai e informava os leitores sobre a idade com que iniciara esta narrativa - 16 anos. Henrique Freire não nos diz o que leu para lá dos documentos que menciona sobre a história do Convento de Jesus, como o Santuário Mariano, obra de 1707 feita por Frei Agostinho de Santa Maria, ou o Tratado da Antiga e Curiosa Fundação do Convento de Jesus de Setúbal, manuscrito de 1630 devido a Soror Leonor de São João, e ainda a consulta de documentos do cartório do então Hospital da Anunciada e a Crónica de D. João II, de Garcia de Resende.

Uma e outra crónicas estão na origem da história que Henrique Freire constrói, pois o título A Profeciamais não é do que a exaltação do frade que terá antevisto o local onde o Convento de Jesus viria a ser construído. Frei Agostinho de Santa Maria é mais palavroso no relato do que Soror Leonor de São João, pois conta: “Alguns anos antes do de 1489, em que se fundou aquele Convento de Jesus, pregando um religioso Menor da Observância, e natural de Itália, varão de grandes virtudes, às portas da mesma ermida da Senhora dos Anjos, disse com espírito profético, pondo os olhos naquele campo aonde depois se fundou o Convento: ‘Vedes vós, dizia, aquele pedaço de terra inculta? Pois adverti que ainda há de ser um paraíso de Deus e fecundo jardim de plantas e de flores de virtudes e glorioso em santos frutos. Ali hão de viver criaturas que por obras eminentes transformarão aquele lugar humilde em um Céu admirável.’” (Santuário Mariano, 1707, vol. 2, pg. 425)

O discurso do frade italiano apresentado por Frei Agostinho de Santa Maria é integralmente aproveitado por Henrique Freire e serve como justificação para o título da sua obra.

 

OBS.: Texto usado para apresentação da obra A Profecia, efectuada no Convento de Jesus em 21 de Julho; o texto é dividido em três partes, de que hoje se publica a primeira.

*J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 908, 2022-08-31, p. 9.


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