quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Torga e a homenagem a Garrinchas pelo Natal



Garrinchas povoa, dominante, “Natal”, de Miguel Torga (1907-1995), incluído em Novos contos da montanha (1944), uma das mais belas narrativas a propósito desta quadra, num trajecto em que se misturam a rudeza da vida e o carinho imanente do homem, a pobreza material e a riqueza espiritual.

Caminheiro que cruza o percurso da vida, saindo de Lourosa para aí tentar regressar após ter sulcado os penhascos da pedincha, passando por Loivos, Carvas, Fetais e Senhora dos Prazeres, Garrinchas, se é partidário de uma vida pincelada de relativo e obrigatório cirandar, gira sempre em volta do seu centro, num esforço de sacralização da terra-natal, buscando alimento (ou aquilo que lhe possibilite alimentar-se), embora à sua maneira. Pronto a aceitar tudo - “viesse o que viesse, recebia tudo com a mesma cara” -, arrasta consigo a simplicidade dos ricos de espírito. É filósofo por via popular, muito presumivelmente homem de provérbios, mas sempre de resposta pronta para as aventuras e desventuras que lhe estão reservadas e com um pensar crítico sobre o que vê e sente.

Quando parece que vai desistir da luta com a serra por causa da neve, a história surpreende-nos com o desabafo consolador do “algodão em rama” e Garrinchas, “com patorras de elefante e branco como um moleiro”, conserva um misto de aspereza e de ternura - se bem que rude pelas brutalidades da vida, é, ao mesmo tempo, o retrato vivo da pureza que se reveste de branco para não destoar da neve.

Tendo já percorrido uma longa etapa (tem 75 anos), mantém-se como um penedo e admira, no meio da brancura da paisagem, os penedos “que lembravam penitentes”. Na verdade, Garrinchas aprende, em cada momento que passa, a lidar com a Natureza como se sua família fosse. Por isso, não conseguirá chegar à sua terra-natal para consoar - esse momento de comunhão e partilha acontecerá na capela, na solidão de uma noite serrana, não sem ter o cuidado de não gastar todos os fósforos que lhe restam (lembrando-se o leitor de idêntica noite passada pela “Menina dos fósforos”, essa com trágico final).

Garrinchas, criativo e religioso até ao âmago, arranja, busca, inventa companhia, procurando o centro do mundo, a origem dos espaços que percorre, numa capela que será o eixo gerador de vitalidade, o abrigo, com a Virgem e o Menino como companhia, já que convidou os dois para consoarem com ele, momento em que se distancia da vulgaridade para atingir o sagrado, o belo.

Se os milagres só acontecem com os simples e com os crentes, Garrinchas conseguiu ter o Natal, talvez o melhor Natal da vida que se habituou a conhecer. Para completar o trio, personifica-se em S. José, trazendo a santidade para a vida humana e vencendo a solidão do momento e aquilo que parecia ser uma quase profanação do lugar.

Lutador em extremo, acaba por transformar a viagem em oração e a paragem em paraíso. Eminentemente prático, recusa as ladainhas incompreensíveis porque a vida lhe parece a melhor credencial para a obtenção de espaços e momentos felizes.

Ao leitor nada mais resta do que aderir a esta personagem pela vertigem que ela causa, um todo, um eu cada vez mais sagrado e sempre próximo do imenso. Muito contribui para essa aproximação a escrita torguiana que alia a dureza da vida aceite, a aspereza da alma e o sentimento interior da personagem, numa audição do monólogo que Garrinchas entabula consigo mesmo, talvez para que seja compreendido e aceite.

Um dos mais belos contos de Natal na literatura portuguesa, este, que Torga nos legou!

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 759, 2021-12-22, pg. 2.


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Bocage olha o Sado há 150 anos



As referências de Bocage (1765-1805) a Setúbal, onde nasceu, são escassas; no entanto, sempre ficou gravado aquele verso de despedida “Eu me ausento de ti meu pátrio Sado”, que, abrindo um soneto, se outra mensagem não contivesse, sempre atestaria o laço biográfico do poeta com Setúbal. Mas, quando eram passados 66 anos sobre a partida definitiva de Bocage, a cidade encarregou-se de o pôr a olhar eternamente o mesmo Sado de que se despedira, ao erigir-lhe uma estátua, localizada no centro cívico, com os olhos postos na paisagem que se estende até ao rio.

Batiam as duas da tarde de 21 de Dezembro de 1871 quando se iniciou a cerimónia de inauguração do monumento, figura desenhada por Pedro Carlos dos Reis (1819-1893) e talhada por Germano José de Sales (?-1902), com António Rodrigues Manito (1819-1906), presidente da Câmara de Setúbal, a intervir: “Setúbal paga no dia de hoje uma dívida que não era só nossa, era de todos os que falam a língua portuguesa (...), assinala entre os maiores dias das suas glórias este da inauguração da estátua do grande poeta seu conterrâneo.” E, valorizando o papel da memória: “Do alto daquela coluna será Bocage o incitador da civilização dos seus patrícios, o guia dos nossos progressos, e, ainda depois da trabalhosa vida, o escudo da sua terra natal.”

Documento importante para a reconstituição do ambiente vivido nesse dia é o “Auto da inauguração da estátua de Bocage na cidade de Setúbal”, publicado no Diário do Governo, em 29 de Dezembro de 1871, que transcreve também a intervenção do Marquês de Ávila e Bolama (que presidiu à cerimónia) e lista grande parte dos presentes - aí constando importantes nomes das letras portuguesas como Bulhão Pato, Pinheiro Chagas, Silva Túlio ou Feliciano de Castilho, entre outros.

Século e meio volvido sobre esse 21 de Dezembro, o catálogo O monumento a Bocage - 150 anos olhando o Sado, concebido para a exposição com o mesmo título (em curso na Galeria Municipal do 11, com curadoria de Francisca Ribeiro), constitui bom contributo para o leitor ajuizar do que tem sido a memória bocagiana, seja pela reprodução de documentos, seja pela revelação de alguns dados novos, seja pela coerência quanto ao simbolismo que o tempo tem atribuído à estátua - desde a ideia da construção e respectiva angariação de fundos (1864), passando pelo momento da inauguração (1871), detendo-se na celebração do primeiro centenário do nascimento (1905) e mostrando como até hoje o espaço tem merecido a consideração da cidade.

Interessante é ver que, em torno desta figura e deste monumento, se tem congregado e manifestado a população pelos mais diversos motivos locais assim como a política nos mais variados momentos. Não menos curioso é vermos que a celebração de Bocage teve celebração partilhada com Frei Agostinho da Cruz em 1905 - primeiro centenário do nascimento de Bocage e terceiro centenário da chegada do poeta franciscano à Arrábida.

A ideia da construção do monumento a Bocage terá partido de outro poeta, António Feliciano de Castilho (1800-1875), quando soube da colocação da lápide na casa onde se supunha ter nascido Bocage, em 1864, ideia devida ao setubalense Manuel Maria Portela (1833-1906). A conjugação destas figuras e a participação brasileira através de José Feliciano de Castilho (1810-1879) permitiram que a ideia germinasse e se concretizasse sete anos depois.

Este relevo dado a uma figura nacional como foi Bocage não escapa às tonalidades do Romantismo - independentemente do que valham os prefixos, a verdade é que temos um “pré-romântico” (Bocage) enaltecido à custa da ideia de um “ultra-romântico” (Castilho)...

Exposição a ver e catálogo a conservar, pois!

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 758, 2021-12-21, p. 3


quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

O monumento a Bocage e a “farpa” de Ramalho Ortigão



Ramalho Ortigão (1836-1915) e Eça de Queirós (1845-1900) formam o par que alimentou o projecto d’As Farpas - Crónica Mensal da Política, das Letras e dos Costumes (Lisboa: Tipografia Universal), conjunto de volumes de opinião iniciado em Maio de 1871 com um exemplar de 96 páginas e o custo de 200 réis, que durou até 1883 (nem sempre respeitando a periodicidade mensal), embora Eça só tivesse colaborado até Outubro de 1872 por ter ingressado na carreira diplomática (as suas crónicas foram reunidas em 1890 em Uma campanha alegre). 

Pel’As Farpas passou a crítica social, política, artística, religiosa, educativa, retratos de um Portugal pela lente dos que alimentaram a Geração de 70, de maneira a criticarem um certo marasmo. Os objectivos das crónicas com tão acutilante e cáustico título eram claros, como se pode ver logo no primeiro volume: “Leitor de bom senso - que abres curiosamente a primeira página deste livrinho -, sabe, leitor - celibatário ou casado, proprietário ou produtor, conservador ou revolucionário, velho patuleia ou legitimista hostil -, que foi para ti que ele foi escrito - se tens bom senso! E a ideia de te dar assim, todos os meses, enquanto quiseres, cem páginas irónicas, alegres, mordentes, justas, nasceu no dia em que pudemos descobrir através da penumbra confusa dos factos alguns contornos do perfil do nosso tempo.” Recusando cumplicidade na situação, os autores decidem “apontar dia por dia o que poderíamos chamar o progresso da decadência”, recorrendo ao riso, ao humor, confessando: “não sabemos, talvez, onde se deva ir; sabemos de certo onde se não deve estar.”

É assim que o volume relativo a Dezembro de 1871 (publicado em Janeiro seguinte) refere a inauguração do monumento a Bocage ocorrida em 21 desse mês em Setúbal, cerimónia presenciada pelos dois amigos, Eça e Ramalho, que integraram a comitiva vinda de Lisboa.

O texto (que, em 1889, foi integrado no volume 9 de As Farpas, dedicado ao “Movimento literário e artístico”), devido a Ramalho Ortigão, é contundente, pois aproveita o facto de o Marquês de Ávila e Bolama ter presidido à cerimónia para o criticar, na sequência de várias acções ligadas à sua governação. Chega Ramalho a admitir que a presença desta personalidade na presidência da cerimónia era o contrário do que Bocage mereceria - na memória estava ainda a proibição da manifestação cultural que foram as Conferências Democráticas do Casino, ocorrida em finais de Junho de 1871, assinada por Ávila e Bolama, acto entendido como de censura, contrariando o espírito livre do poeta sadino - “Bocage é a contestação acerba e crua de todos os títulos que concorrem no sr. Marquês de Ávila e Bolama”, escrevia Ramalho, que também felicitava Setúbal pela iniciativa - “Setúbal levantou uma estátua ao poeta Bocage, pelo que se nos não oferece senão fazer os nossos cumprimentos a Setúbal” -, embora lamente também que, em vida, Bocage não tenha recebido da sua cidade “um ceitil para o livrar da penúria”.

A imagem do “arrependimento” que a terra-natal de Bocage possa ter tido ao pagar-lhe a celebridade com uma estátua serve a Ramalho para estabelecer o paralelismo com o papel de Ávila ao presidir às cerimónias desse 21 de Dezembro - “Setúbal, levantando uma estátua a Bocage, testemunha o seu remorso pelo que deixou de fazer. O Sr. Marquês de Ávila, inaugurando essa estátua, declara o seu arrependimento por aquilo que tem feito.” E, ironia das ironias: “Àquela cidade e àquele cidadão, os nossos parabéns!” Não se podia falar melhor do aproveitamento político da inauguração de uma estátua!...

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 754, 2021-12-15, pg. 7


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Hergé e Tintin, inseparáveis



“Há coisas que os meus colaboradores podem fazer sem mim e mesmo melhor do que eu. Mas dar vida a Tintin, a Haddock, a Tournesol, aos Dupondt e a todos os outros, creio que serei o único a poder fazê-lo: Tintin (e todos os outros) sou eu, exactamente, como Flaubert dizia ‘Madame Bovary c’est moi!’ São os meus olhos, os meus sentidos, os meus pulmões, as minhas tripas!... É uma obra pessoal, tal como a obra de um pintor ou de um romancista: não é uma indústria! Se outros pegassem no Tintin, talvez o fizessem melhor ou não. Uma coisa é certa: fá-lo-iam diferente e, assim, nunca seria o Tintin!...” Desta maneira se justificava Georges Remi (1907-1983), nome real de Hergé, o criador da famosa personagem, em entrevista a Numa Sadoul, publicada em Tintin et Moi (Casterman, 1975).

Parte do trabalho de Hergé e da ligação da sua obra a Portugal podem ser vistos no duplo catálogo recentemente editado pela Fundação Calouste Gulbenkian (a propósito da exposição que ali decorre até Janeiro) e pela editora belga Moulinsart - Hergé Hergé em Portugal. O primeiro título passa pela biografia e criação do artista, num percurso que atravessa a fase da pintura influenciada por Miró ou Dubuffet e o trabalho de publicidade a que Hergé também se dedicou, visita a construção das histórias de Tintin (estruturação do argumento e dos desenhos) e de outros títulos, revela a preocupação documental que antecedia a fixação das aventuras, procura a actualidade e força das personagens, reproduz pranchas, cartazes, esboços e traz o pensar de Hergé mediante excertos ilustrativos de intervenções, justificações e apreciações, num ritmo que acompanha a organização da exposição, trabalho coordenado por Ana Vasconcelos, Joana Marçal Grilo, Maria Cristina Barbosa e Maria Helena Melim Borges.

O segundo título, Hergé em Portugal, coordenado por António Cabral e reunindo textos de autores diversos, faz a ponte para a recepção que o herói do jornal Le Petit Vingtième teve no nosso país, uma narrativa eivada de informações, de curiosidades e de arrojo. Apesar de Hergé ter aparecido em Portugal pela primeira vez em 1927, numa revista da Covilhã, Scout Lusitano, Tintin só cá chegará em 1936, através da influência do padre Abel Varzim e da publicação O Papagaio. Peculiaridades lusitanas foram várias - por cá se imprimiram, pela primeira vez, as histórias em policromia, já que os desenhos chegavam a preto e branco; houve vinhetas suprimidas, discursos alterados e nomes livremente traduzidos; foram adaptados títulos das obras (Tintin au Congo, de 1930/1931, foi traduzido por Tim-Tim em Angola, em 1939); houve discussões editoriais entre Abel Varzim e Adolfo Simões Muller; em Portugal saiu a primeira edição de Tintin no País dos Sovietes em país não francófono; os direitos de Hergé foram pagos, várias vezes, em géneros... Paralelamente, Tintin foi tendo o seu círculo de amigos, de tal forma que Amadeu Lopes Sabino, um dos co-autores deste catálogo, afirma ter chegado “ao universo de Hergé antes de nascer”, numa clara alusão à idade em que começou a entender as histórias de Tintin. 

Acompanhado do seu inseparável “fox-terrier” Milou, Tintin teve aventuras em todos os continentes, publicadas entre Janeiro de 1929 e Abril de 1976, com polémicas à mistura, mostrando as convulsões do mundo, rodeado de personagens que acabaram por se imortalizar com ele (incluindo um tal Oliveira de Figueira, português que surge em quatro títulos da colecção, bom vendedor e falador desmedido), sem histórias de amor, passando pela ciência, pela política, por tensões sociais e por uma imaginação vertiginosa.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 750, 2021-12-09, p. 10.


sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Doaa Al Zamel e a esperança que venceu o mar



O título fala-nos da vastidão do Mediterrâneo e da vontade de vencer esse espaço - Uma esperança mais forte do que o mar, assinado por Melissa Fleming, editado em Portugal em 2017, conta a luta de Doaa pela sobrevivência, refugiada síria que sofreu a instabilidade do seu país, os vexames dos traficantes que garantiam a viagem até à Europa e um naufrágio provocado que a levou a conviver com a morte.

A narrativa, na terceira pessoa, resultou de longas horas de conversa entre a autora e a protagonista entre Abril de 2015 (primeiro encontro) e Agosto de 2016 (conclusão do escrito). Quando Fleming quis ouvir a narração da fragilizada Doaa, a resposta foi: “Pergunte-me tudo o que quiser. Esta é a minha vida e tenho de a aceitar.” A fechar esta história, há uma nota da jovem, que, falando da situação de refugiada, proclama: “A perigosa viagem em que os refugiados embarcam, com o sonho de alcançarem a segurança na Europa, conduz frequentemente ao desespero e à morte. Continuamos, porém, a colocar as nossas vidas nas mãos de traficantes cruéis e impiedosos, porque não temos outra alternativa. Temos sido confrontados com os horrores da guerra e com a indignidade de perdermos as nossas casas, e o nosso único desejo é viver em paz. Não somos terroristas, somos seres humanos como qualquer um de vós. Temos corações que sentem, anseiam, amam e sofrem.”

Grito lancinante, este, que fica a remoer, sobretudo depois de termos lido o que levou Doaa a abandonar o seu país, o relato do que ela passou entre Novembro de 2012, data em que saiu com a família de Daraa, a cidade-natal, rumo ao Egipto e a vida neste país, sempre no registo da insegurança, e a narrativa da viagem e das contrariedades sofridas a partir de 15 de Agosto de 2014, na travessia do Mediterrâneo para a Europa, tendo sobrevivido naufragada no mar por quatro dias e quatro noites, ao mesmo tempo que cuidava de duas crianças que lhe foram entregues na ocasião do naufrágio - uma luta pela vida em momentos dominados pela morte, pois que do meio milhar de embarcados muito poucos sobreviveram. Em todo este trajecto, há ainda uma intensa história de amor - a vida de Doaa no Egipto mostrou-lhe a paixão personificada em Bassem. Tendo-se tornado noivos, são ambos a partir em busca da Europa, mas o namorado morreria no naufrágio de que foram vítimas.

É uma história de sobrevivência emocional e humana aquela que passa nestas páginas, com momentos fortes que levam o leitor à indignação, à piedade, ao medo, à solidariedade. Uma narrativa que não esconde os perigos e as fragilidades ou o direito à procura da felicidade, num mundo que é o nosso, em que as notícias dos refugiados chegam associadas ao perigo de viver ou de atravessar os Mediterrâneos ou as Manchas que nos separam da paz.

Como funcionária do ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), Melissa Fleming doseia a narrativa com alguns elementos sobre o contexto dos refugiados para que a narração do caso individual de Doaa Al Zamel (e de sua família), tal como aquelas fotografias de momentos dos refugiados que nos chocam muitas vezes, acabe por revelar a alma de toda uma multidão que, frequentemente, nos surge como anónima e despersonalizada. 

É um testemunho de dádiva que nos interpela em cada página, mostrando-nos, no final, o sonho de Doaa: “Espero regressar um dia à Síria para poder voltar a respirar. Nem que seja só por um dia. Seria o suficiente.”

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 746, 2021-12-02, p. 2.


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

António Osório e o equilíbrio, entre Sado e Arrábida



Em 1996, nos vinte anos da criação do Parque Natural da Arrábida, publicava-se em Setúbal o opúsculo Junto ao Sado e Arrábida, dezasseis poemas de António Osório (1933-2021), numa edição do Instituto da Conservação da Natureza e do Parque Natural da Arrábida. A origem desses textos estava nos livros A raiz afectuosa (1972), A ignorância da morte (1978) e Planetário e zoo dos homens (1990), sobrando ainda dois que viriam a ser integrados em Crónica da fortuna (1997).

Em Junto ao Sado e Arrábida, o leitor visita a paisagem revestida pelo branco e pelo vento que animam um moinho, ao mesmo tempo que, junto ao postigo, se fixa na naturalidade do curso da vida - “os grãos de trigo / estremeciam / antes de se perderem” -, assim como conhece a paisagem de Aldeia de Irmãos, lugar que abriga pessoas e animais, num cenário que apresenta “em torno vinhas, olivais, / irmãos uns dos outros / como tijolos dentro da parede.”

Noutro passo, sente-se a beleza única das camarinhas, conjugando a estética da planta e o gosto sentido - “bagas acídulas, / iguais a pérolas”, num fruto que se atapeta sobre as dunas, resistente “ao salitre penetrante das vagas”. Ainda sob domínio do mar, em espera invernosa, as gaivotas são apresentadas como “curiosas, húmidas, algo de pombo, milhafre, cinza”, ocupando, “para ver gente, o ponto iluminante dos candeeiros”, num tempo em que “aguardam o que não temem, as devoluções do mar”. 

As plantas são tema ainda em poemas como “As dez nogueiras” ou “O apanhador de ervas”, no primeiro se afirmando a relação de proximidade e respeito entre o homem e a Natureza - “Plantadas no Inverno (...), atravessarão o tempo, muito tempo. E darão sombra e fruto a outras gerações. Se eles forem cuidadosos, abençoarão um a um os seus donos.” -, enquanto o segundo acompanha à lupa a persistência de um homem em quatro décadas de recolha de plantas - “Há quarenta anos anda pela vala real (que já ninguém conhece), destila na caldeira de seu avô plantas salutares”.

A figura humana é glorificada em vários momentos: no poema “Cabo do mar”, com um protagonista poderoso, mas humano - “não era Neptuno, mas o descalço / e poderoso cabo do mar”; na descrição da vida do fazendeiro; a propósito de um amigo, Sebastião da Gama, enaltecendo a sua ligação à Arrábida e traçando-lhe o retrato que a memória conservou - a fala da fraternidade, o sorriso infantil, a boina (“travessura mordaz, / tua exclusiva defesa”), os alunos (“à volta, / atrás do sobretudo, cachorros / que amamentavas”), os livros (“debaixo do braço, farnel / de poesia ambulante”), a água bebida da infusa (“como pedreiro, de um jacto”). 

Também a fragilidade da vida por aqui perpassa - ora pela “patada, / relincho, trigo por ladrão gadanhado”, que foi o choque da morte de Sebastião da Gama, ora pela imagem de um esqueleto em “Caldeira da Tróia”, visto enquanto golfinhos saltavam no Sado: “Não, não é fácil a ruína de um corpo. / Nem plácida a boca escavada / e as órbitas de símio desafiando os vivos.”

Por estes poemas de António Osório passa a sua leitura do mundo, da vida e da memória, numa atenção veneranda por tudo o que o rodeia, quase sinal de agradecimento pela existência e pela harmonia encontrada, na busca da palavra essencial para suportar imagens intensas e sóbrias, construtoras da sensibilidade do equilíbrio. 

*J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 741, 2021-11-24, p. 2 


quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Bombeiros Voluntários da Moita: quase 90 anos de história



“Fazer bem sem olhar a quem” é ditado popular que se impõe como recomendação. Mas também pode ser lema, tal como acontece nos Bombeiros Voluntários da Moita, que escolheram esta frase para ser gravada no monumento que ali os enaltece desde 1991. Instituição fundada em 1933, teve agora apresentada a sua monografia, Por ti, ponho as mãos no fogo - História dos Bombeiros Voluntários da Moita, assinada por Helena Barros (n. 1962), título que joga com uma expressão bem conhecida que apela à confiança ilimitada.

A obra, apoiada na documentação da corporação (livros de actas e correspondência) e em fontes orais a partir dos bombeiros mais velhos, começa por sensibilizar o leitor para elementos que configuram a pré-história dos bombeiros - o papel das populações antigas perante o deflagrar de um incêndio, a função dos aguadeiros, as primeiras medidas tomadas na prevenção e combate a incêndios (de 1395, com D. João I), o primeiro corpo de homens para os combater (em Lisboa, em 1646), os acontecimentos de 1755, a primeira notícia de morte de combatentes ao fogo (em Lisboa, em 1830), a criação do slogan “Vida por vida” pelo tomarense-montijense Álvaro Valente (1886-1965) no início do século XX.

A organização do livro e da história é depois ligada aos vários quartéis por onde passou a Associação e pela acção desenvolvida em prol de cada uma dessas construções, não esquecendo nomes e figuras locais que foram determinantes para a estabilidade da corporação, muitos deles num tempo longo de dedicação à causa, como foram os casos dos dois mais longevos presidentes da Direcção, Adriano Augusto Flores (1950-1977) e Manuel Oliveira Filipe (2001-2015), ou dos dois mais duradouros comandantes do corpo activo, Joaquim Pelica (1959-1974) e Carlos Picado (1993-2016).

A narrativa vai sendo condimentada com curiosidades (primeira bomba adquirida, primeiro auto pronto-socorro ou primeira mulher a integrar os corpos gerentes, por exemplo) e com histórias por vezes épicas, como a que relata a forma de levar um doente desde a Moita até ao Hospital de S. José no início da corporação: “o paciente era acomodado na maca rodada e transportado por dois ou mais bombeiros até à estação da CP (da Moita) e aí aguardavam o comboio. Maca, doente e bombeiros embarcavam no vagão Jota com destino ao Barreiro. Aí chegado, o doente era levado (ainda na maca de rodas) até ao barco que o transportaria a Lisboa. Saídos do barco, os bombeiros retomavam o transporte braçal da maca e do doente até ao Hospital de S. José.” Intervenções importantes que ficaram na memória foram o salvamento de um homem soterrado num poço de 15 metros (1953), o apoio no desastre ferroviário na estação da Moita (1955) ou o serviço prestado aquando do desabamento de uma bancada com 200 pessoas nas Festas da Boa Viagem (1969).

Parte significativa desta monografia é alimentada com as dificuldades da vida da Associação - de ordem económica, administrativa e logística, sobretudo, ou na angariação e fidelização de associados, verificando-se, frequentemente, que uma novidade introduzida na organização pode ser momento catalisador de adesões, como se passou com a criação do Grupo de Dadores Benévolos de Sangue, da secção desportiva, da fanfarra ou do museu com o nome do quarteleiro Alfredo Picado.

Nos quase 90 anos, “o nome da Associação sempre foi uma referência e um cartão de visita para o município. A sua presença na vida das populações é impagável, prestando os seus valiosos serviços a instituições, agentes económicos e todo o município.” Esta é a imagem que perpassa, justificando o título atribuído à monografia.

*J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 736, 2021-11-17, p. 5


quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Palavra(s) de Alexandre O’Neill



São do poema “Entrevista”, saído em 1979 no livro Uma saca de orelhas, os versos “Diz-lhe que estás ocupado / a entrevistar-te a ti mesmo / mesmo porque se não / o pões desde já porta / fora estás quilhado vai / espiolhar-te apalpar-te (...)”. Quem assim escrevia era Alexandre O’Neill (1924-1986), poeta vindo do Surrealismo, neto de escritora (Maria O’Neill) e trineto de Carlos O’Neill e de Adelaide Custance, proprietários da Quinta dos Bonecos, em Setúbal, quando Andersen lá esteve (1866).

Neste poema se inspirou Joana Meirim para o título de ‘Diz-lhes que estás ocupado’ - Conversas com Alexandre O’Neill (Tinta-da-China, 2021), dezasseis entrevistas, entre 1944 e 1985, assinadas por nomes como Adelino Gomes, António Mega Ferreira, Baptista-Bastos, Clara Ferreira Alves ou Fernando Assis Pacheco, entre outros.

Assumindo-se, em 1944, como poeta “por tendência própria e por educação”, logo ali dirá: “Desde cedo que leio bons poetas”, princípio que se manteve, como repetiu em 1977 - “um poeta ler outro poeta é muito importante: coloca-nos em confronto com outras experiências.” Da mesma forma, os poetas importantes se mantiveram na sua lista, logo apresentada na primeira entrevista - Pessoa, Nemésio, Torga, por Portugal; Bandeira, Drummond, Cecília Meireles e outros, pelo Brasil. Referências importantes porque a poesia é trabalhosa, como explicava em 1959 - “Na inspiração guedelha-ao-vento e soltura não acredito. Só para filmes e biografias romanceadas. A disposição irresistível para escrever, o rumor anterior ao ritmo, podem chamar-se momentos de inspiração, mas só a atenção contínua ao rumor, o abrir o ouvido para dentro, leva pouco a pouco ao ritmo e do ritmo ao verso.” E, em 1968, a sua identificação como poeta: “Sou parecidíssimo com a minha poesia. (...) Escrevo para registar o que é fugaz. Para deter as coisas. Para registar certos factos. Parece-me que é isto. Escrevo para registar, para fixar, para demorar.”

Poeta bem conhecido, O’Neill era, no entanto, crítico relativamente ao mundo dos escritores, como justificou em 1973: “Isso está directamente relacionado com o meio literário português. É a reacção a certo empolamento que há em muitos escritores. Certa importanticidade sumamente ridícula.”

As entrevistas com Alexandre O’Neill não eram fáceis - Eduardo Guerra Carneiro, em 1973, escrevia no preâmbulo: “Se não foi difícil encontrar o entrevistado, fácil não foi a entrevista. Mas, mesmo aos soluções, a entrevista fez-se. Depois, tesoura de um lado, cola do outro: a montagem. Talvez não seja a melhor, mas foi o que se pôde arranjar.” E, quatro anos depois, seria Francisco Dionísio Domingos a explicar: “É difícil falar com Alexandre O’Neill”, pois “fala como se estivesse a fazer um ou vários poemas, mudando aqui e acolá de tom.”

Pelas conversas aqui apresentadas passam referências ao Surrealismo em Portugal e às suas dissidências; ao tom muito rural do Neo-Realismo, sem ter havido, por exemplo, um romance citadino; à operação exercida pela censura e aos actos de auto-censura; à crítica aos recitadores de poesia que fazem dela “um acto fúnebre” (1983); aos efeitos da abordagem académica da literatura, pois “quando há tese, há cadáver” (1982); aos trocadilhos da sua poesia e à influência na publicidade, área em que trabalhava; a um olhar nem sempre feliz sobre a sociedade e sobre a solidão, apesar de “a descoberta da poesia ser sempre uma coisa extremamente solitária” (1983).

Prolongamento da própria poesia de O’Neill, estas entrevistas são também um testemunho sobre o viver, como, em 1985, ilustrava na última entrevista recolhida: “A vida interessa-me, o que não me interessa é a vidinha. (...) Videirar, ou videirunha. O viveter francês, ou seja, ir vivendo.”

*J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 731, 2021-11-10, p. 9.


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Histórias dos avós na memória



Em 7 de Dezembro de 1998, perante a Academia Sueca, José Saramago iniciava o seu discurso por uma evocação: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos. (...) Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro.”

A intenção de Saramago era falar sobre as personagens da sua ficção, inspiradas em pessoas que conheceu e que trabalhou literariamente. Nessa intervenção, que pode ser lida em Último caderno de Lanzarote (2018), Jerónimo e Josefa são apresentados: “bom carácter”, muito pragmáticos, sábios e... sonhadores - a avó, já viúva, confessou ao neto: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer”; o avô, pressentindo a chegada da morte, “foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver.” Pelos tempos, ficou ainda a sabedoria do avô, superior contador de histórias, alimento da imaginação do neto: “Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo.”

Igual fascínio pelos avós traz José Tolentino Mendonça no seu mais recente livro de poesia, Introdução à pintura rupestre (2021), peregrinação à infância por onde passam os avós e uma poderosa lembrança da avó num texto final, retomado de outro publicado em 2014: “A minha avó analfabeta (...) foi o meu bosque, a minha viagem, o meu livro. E também um primordial amor.” Já noutra obra, O que é amar um país - O poder da esperança (2020), o poeta madeirense reconhecia: “Quando tomei posse como arquivista e bibliotecário da Santa Sé, uma das referências que quis evocar foi a da minha avó materna, que era uma mulher analfabeta, mas que foi para mim a primeira biblioteca. Em criança, eu pensava que as histórias que contava, ou as cantilenas com que entretinha os netos, eram coisas de circunstância, inventadas por ela. Depois descobri que faziam parte do romanceiro oral da tradição portuguesa. E que afinal aquela avó analfabeta estava, sem que nós o soubéssemos, e provavelmente sem que ela própria o soubesse, a mediar o nosso primeiro encontro com os tesouros da cultura.”

As imagens que dos avós se conservam são habitualmente felizes e nem sempre fáceis de fazer passar. Rita Ferro sentiu-o quando pensou escrever a biografia do avô, António Ferro, figura pública. Depois de várias tentativas e de confrontos com opiniões sobre o seu avô, decidiu adiar o projecto, como refere no diário Veneza pode esperar (2014): “Penoso, pois, um trabalho sobre o meu avô de uma perspectiva consanguínea, particular e desalinhada. (...) Tenho uma ideia íntima de António Ferro, precisa como um retrato e pessoal como uma moldura. É essa e não outra que um dia gostaria de escrever.”

A imagem dos avós é algo de grandioso, alimentada graças às histórias transmitidas, ao saber, ao carácter e a uma visão positiva da vida.  Daí que a personagem de António Canteiro, no romance Vamos então falar de árvores (2020), diga: “Nós, os netos, somos feitos a partir da massa de tender dos avós, a partir das histórias que nos contam e ficam na memória para sempre.”

* J.R.R. O Setubalense: nº 726, 2021-11-03, p. 9.


quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Tributo ao sentir de Frei Agostinho da Cruz


 

Nos catorze anos que Frei Agostinho da Cruz (1540-1619) passou na Arrábida, muitos foram os momentos de motivação poética, indo até ao ponto de a eleger como espaço predilecto: “Agora, que de todo despedido / nesta Serra d’Arrábida me vejo, / de tudo quanto mal tinha entendido. // Com mais quietação livre me desejo / nela eu próprio cavar a sepultura, / que não junto do Lima, nem do Tejo. // Aqui, com mais suave compostura, / menos contradição, mais clara vista, / verei o Criador na criatura.” Esta ideia passará ainda por outro poema, em que refere: “Oh Serra das Estrelas tão vizinha, / quem nunca de ti, Serra, se apartara, / ou quando se partira esta alma minha / da terra, nesta tua me enterrara.”

Esta vontade de se entregar à Arrábida para todo o sempre surgiu da ligação que Agostinho da Cruz teceu com a serra, transformando-se o poeta no iniciador da tradição literária que a tem tomado como motivo, apresentada como reduto de silêncio e de encontro, promotora da comunhão com o Criador, via de aproximação às estrelas, de perturbação e de desassossego, num trajecto que tem convocado seguidores até ao presente.

A propósito dos 480 anos do seu nascimento e do quarto centenário do seu passamento, o franciscano que veio do Norte tornou-se um universo de inspiração para a Casa da Poesia de Setúbal, que acabou de publicar a antologia Homenagem a Frei Agostinho da Cruz, reunindo poemas, desenhos e curtos estudos produzidos por vinte e um dos seus membros.

O texto poético é a modalidade que ocupa mais espaço, sendo possível ao leitor encontrar-se com os motivos do silêncio e da oração (Alexandrina Pereira, Carlos Bondoso, Maurícia Teles da Silva), do elogio e respeito pelo exemplo do poeta eremita (António Calado, Arnaldo Ruaz, Elmano Gomes, Inácio Lagarto, Isabel Melo, José-António Chocolate, Luís Pinho), do trajecto pessoal em momento de apreciação (Bento Passinhas, José Raposo), do deslumbramento pela Arrábida e pela palavra que ela sugere (Célia Abreu, Eduarda Gonçalves, Isabel Nunes, Linda Neto) ou da reflexão sobre a humana condição (Fernando Alagoa), por vezes cruzando-se várias linhas num mesmo autor.

A pintura e o desenho estão também presentes nesta antologia através da reprodução de quatro telas de António Galrinho sujeitas ao tema da crucifixão, cuja riqueza simbólica foi tão cara ao poeta franciscano que incorporou a cruz no seu nome religioso, e de sete desenhos de Dália Vale Rego rondando a simplicidade e o despojamento, legendados com versos do homenageado.

O cunho ensaístico está presente em dois textos, a abrir e a encerrar a obra: o primeiro (que assino), abordando a inquietação frutificadora que dominou Frei Agostinho da Cruz nas suas andanças serranas e a chegada da Arrábida à tradição literária, ocupando-se o último, subscrito por Helena Fragôso de Mattos, do legado e recepção da obra agostiniana, particularizando algumas referências ligadas à história local sadina.

A adesão de poetas e artistas contemporâneos à temática trazida pelo “capuchinho da Arrábida” (assim apelidado por Vitorino Nemésio) bem prova a actualidade de muitas das suas considerações e do seu olhar sobre o mundo e sobre o humano - só uma possibilidade de encontro com o silêncio traz a liberdade do supremo saber e do descobrir como se deve o homem (re)compor. Ou, pegando nos versos de Alexandrina Pereira: “É no silêncio que nasce a oração / É na fé que a alma se alimenta / (...) / O olhar do poeta vagueando / (...) / Segue os atalhos em busca do ‘eu’ / Encontra-o ao olhar o céu.”

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 722, 2021-10-27, p. 5.