O nome de Maria Adelaide Rosado Pinto (1913-1997) está ligado a Setúbal, não só porque aqui nasceu, mas sobretudo pela obra ímpar que, na área da música, promoveu como estudiosa, professora, autora, fundadora de instituições, divulgadora da arte. O seu trajecto veio, aliás, dar continuidade ao de seu pai, Celestino Rosado Pinto (1872-1963), também ele setubalense, com uma carreira invulgar de regente, intérprete e compositor.
A continuidade da obra de um na obra do outro torna-se visível no livro Toadas, cantares e danças de Setúbal e sua região - Factos e tradições, assinado por Maria Adelaide Rosado Pinto (Setúbal: Junta Distrital de Setúbal, 1971), que se apoiou, em grande parte, na recolha musical e etnográfica levada a cabo por seu pai, obra que continua a ser hoje um elemento importante, aliando a arte musical a marcas identitárias da região sadina em várias manifestações da cultura local.
O primeiro grupo da recolha incide sobre as canções ligadas ao rio, ambiente de pescadores e de salineiros que, com “os seus ritmos de puxar redes e mover remos, as suas frases típicas, as suas toadas, cantilenas e danças mais ou menos alegres ou nostálgicas, características da beira-mar, davam a estas margens um pitoresco e caprichoso colorido”. Dos pescadores de Troino, ouvidos “mar fora, entoando os seus cantares durante a agitada labuta marítima”, conhece o leitor composições como “Barca velha” (1885), “Toada da beira-mar” (1889) e “Cantilena do mar” (1894), esta com a nota de ter sido “recolhida numa noite passada num barco de pesca fora da barra de Setúbal”. Do lado das Fontainhas, zona mais festiva, pode-se encontrar “Trova do mar” (1905), “Vira vira” e “Vira do Sul” (1918) e “Descante” (1919). Passa por este conjunto de cantigas a vida do mar, o amor, a festa, o galanteio, o ritmo da vida.
Um outro conjunto regista cantares de cunho religioso, como as loas do Círio de Setúbal da festa de Nossa Senhora da Arrábida na versão de 1853, um cântico dedicado à Senhora do Cabo (1865), os cantares à Nossa Senhora do Cais (1927 e 1928) e prece e agradecimento ao Senhor do Bonfim (1836), manifestações dominadas pelo pedido de auxílio nas mais variadas situações e pelo agradecimento.
O terceiro tema assenta sobre festas tradicionais da região, ligadas aos santos populares ou a momentos peculiares do ano (desfolhadas, Natal), composições muitas vezes construídas para envolverem a dança, retratando trabalhos, momentos de festa, relações entre as pessoas, formas de viver.
Os textos poéticos, sempre acompanhados da respectiva partitura musical, surgem agrupados tematicamente, depois de curto texto introdutório de contextualização, muitas vezes expandindo um sentido de deslumbramento perante os quadros populares. Ao longo do livro, vai o leitor sendo contemplado com algumas fotografias locais devidas a Américo Ribeiro, havendo ainda espaço para a descrição de trajos regionais por onde passam o descarregador de peixe, o marítimo, a peixeira, o pescador, a varina, a rapariga das ostras, a vendedeira de melancias, o leiteiro, a saloia, figuras desenhadas pelo traço de Inês Guerreiro.
Tão notório é o propósito pedagógico que acompanha esta obra, manifestado na intenção de dar a conhecer aos leitores a origem das danças e cantares que enfeitam as manifestações religiosas, festivas e de trabalho, que a sua leitura se torna fácil, esclarecedora e apetecível.
* "500 Palavras". O Setubalense: nº 403, 2020-05-27, pg. 8.
Sem comentários:
Enviar um comentário