sábado, 6 de junho de 2020

Luís Amaro - Testemunhos para a amizade



Em 9 de Novembro de 2008, em Massamá, Luís Amaro (1923-2018) escreveu quatro dedicatórias em outros tantos livros que Sebastião da Gama lhe tinha dedicado - Serra-Mãe, Cabo da Boa Esperança, A Região dos Três Castelos e Campo Aberto. As mensagens apresentam idêntico teor, com algumas variações, aqui se transcrevendo a que foi exarada no primeiro dos livros: “À Biblioteca do Museu Sebastião da Gama, em Vila Nogueira de Azeitão, terra natal do Poeta e onde este livro - peça bibliográfica única, porque com dedicatória do querido e inesquecível autor! - ficará mais resguardado, como relíquia que é, oferece comovidamente o Luís Amaro - Homenagem também a Joana Luísa da Gama, Companheira do Sebastião”.
O Museu Sebastião da Gama ficava, assim, com a posse de quatro obras autenticadas com as assinaturas de Sebastião da Gama e de Luís Amaro, dois pólos de uma relação intensa construída sobre a poesia e a amizade, que tivera início em 1945, era Luís Amaro funcionário da Livraria Portugal, em Lisboa.
Ao longo da sua vida, o aljustrelense Luís Amaro foi autor de apenas um livro de poemas, cuja primeira edição saiu em 1949, Dádiva, que reapareceria em reedições de 1975, 2006 e 2011, assumindo um título diferente, Diário Íntimo, a que, em 1975 e em 2011, foi acrescido o subtítulo “Dádiva e Outros Poemas”. Uma interpretação rápida dos títulos permite dizer muito daquilo que Luís Amaro foi como pessoa - muito reservado, mas sempre disponível para oferecer o seu contributo aos outros.
A propósito dos seus 80 anos, um grupo de amigos preparou-lhe uma surpresa - a edição de Para lá da névoa - Homenagem a Luís Amaro (Edições Caixotim, 2005), em que testemunharam 16 autores, rol que integrou dois setubalenses, António Osório e Daniel Pires. Em 2020, novo projecto nos vem lembrar o poeta e bibliófilo alentejano através da obra Evocar Luís Amaro (Cosmorama Edições), coordenada por António Cândido Franco, António José Queiroz, Francisca Bicho e Paulo Samuel e reunindo depoimentos de 19 amigos, incluindo Daniel Pires. A linha que perpassa por todos os testemunhos é a da generosidade do homenageado, autodidacta que sempre abriu portas a quem o procurava, epistológrafo genial, já que a maioria das informações que partilhava seguia através de cartas cheias de anotações, apontamentos, referências. No retrato que a sobrinha Maria Dulce P. Amaro lhe traça, é dito: “O seu percurso não teve nada de fortuito, nem de milagroso. Era um perfeccionista, trabalhou arduamente para atingir a excelência, colocando em segundo plano a sua vida pessoal, que de um modo ‘envergonhado’ frequentemente escondia.”
Por finais de 1990, numa deslocação a Monsaraz com alunos, vi um grupo de três pessoas, parecendo-me ser uma delas o Luís Amaro. Nunca lhe tinha falado, mas conhecia-o de uma fotografia publicada algures e sabia de muita da sua acção em prol da literatura portuguesa. Fui ter com ele, apresentei-me e saudei-o. “Mas como reconheceu que sou o Luís Amaro se nem apareço por aí nos meios?” Lá lhe contei a minha história e os meus afectos literários, por onde passavam alguns amigos dele. Ficámos amigos. As cartas que dele conservo são lições sobre livros, achegas para investigações que me têm envolvido, provas de amizade inexcedível, em duas delas evocando esse encontro alentejano. Subscrevo aquilo que Daniel Pires regista no testemunho deste livro de 2020, chamando a generosidade e a disponibilidade de Luís Amaro para traços maiores. Foi também isso que senti, essa permanente dádiva, de que fui um dos privilegiados.
* "500 Palavras". O Setubalense: nº 410, 2020-06-05, p. 17.

Sem comentários: