O Espelho Poliédrico, de José Rodrigues Miguéis (Lisboa: Estúdios
Cor, 1972), é um conjunto de textos em que o cronista se assume como “simples
narrador de histórias reais e experiências inventadas” (como refere no
intitulado “O galo, o estudante e o professor”), embora algumas vezes povoando
esses mesmos textos com uma dose de memorialismo, mesmo que tenha registado
algo como: “Não escrevo memórias, talvez nunca as escreva: a não ser
transpostas em ficção, ou quando um flash
de lembrança, como agora, me ilumina.” (em “O Corcundinha”). No final da obra,
lá vem a “nota do autor” a explicar que as crónicas são um conjunto vasto e
diversificado de “memórias, comentários e ficções” e a indicar a origem -
publicadas no Diário de Lisboa, na
sua maioria, entre 1968 e 1971, algumas inéditas e outras surgidas em várias
publicações periódicas.
Automóvel - “O automóvel é também um prolongamento mórbido da
personalidade e da sensibilidade: ao mais leve contacto, risco ou amolgadela no
verniz da carroçaria ou nos niquelados, pior que insultos ou facadas; se alguém
se me atravessa no caminho, me obriga a desacelerar a marcha, me ultrapassa ou
me rouba o precioso parking - eu pulo
fora do carro, espumante e de punhos em riste, pronto a insultar, a agredir, a
matar até, como é frequente, o transgressor dos meus sacratíssimos ‘direitos’.
O carro fez dos homens autênticos artrópodes metalomecânicos, lavagantes
desmiolados, impessoais, isolados entre si pela carapaça de duas toneladas de
aço-lata com motor e quatro rodas, capaz de esmigalhar ossos, carnes e nervos,
na qual andam metidos e conduzem (ou são conduzidos) sem verem os seus
semelhantes: com a mesma anarquia de sentimentos, a mesma fúria, indiferença ou
hostilidade com que andariam entre inimigos ou em terra conquistada.” (“Sua
Majestade o Automóvel”)
Eternidade - “A Eternidade não é feita
da soma dos dias, dos instantes, mas do aprofundamento de cada instante, de
cada átomo, de cada ser, em que a própria matéria se dissolve.” (“Enterro de um
Poeta”)
Homem - “É nas mínimas circunstâncias
do quotidiano que os homens, por vezes, melhor revelam a sua têmpera.” (“O
galo, o estudante e o professor”)
Juventude - “O tempo da mocidade é
curto, mas denso de afectos e actividades.” (“Levanta-te e Caminha”)
Mudança - “As coisas, quando mudam, é:
a) para melhor; b) para pior; c) para ficarem na mesma. Esta saída é mais
frequente do que se imagina.” (“Aforismos e Venenos de Aparício - III”)
Ódio - “Os ódios e rancores não se
calam nem à beira do túmulo.” (“Requiem para Junqueiro”)
Palavra - “Vale mais um pensamento lúcido,
embora sem palavras, do que a verborreia a mascarar o vácuo ou pobreza das
ideias.” (“Aforismos e Venenos de Aparício - III”)
Política - “O a-politismo é quase
sempre uma política de sinal contrário (ou resulta nela).” (“Levanta-te e
Caminha”)
Vida - “A vida é feita de tanta coisa! E nem toda a sabedoria se aprende nos livros.” (“A garrafa de conhaque”)
Vida - “A vida é feita de tanta coisa! E nem toda a sabedoria se aprende nos livros.” (“A garrafa de conhaque”)
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