O segundo texto do investigador António Chitas sobre a vivência dos centenários bocagianos em Setúbal é publicado em O Setubalense de hoje (pg. 10), desta vez abordando o primeiro centenário sobre o nascimento de Bocage em 1865 (ano em que a praça principal de Setúbal passou a ter o nome do poeta), festa que acabou por ter o seu auge meia dúzia de anos depois, quando foi inaugurado o monumento a Bocage na praça que lhe era dedicada.
segunda-feira, 31 de agosto de 2015
sexta-feira, 28 de agosto de 2015
Prémio Literário Bocage 2015 já tem vencedores
A
XVII edição do Prémio Literário Manuel Maria Barbosa du Bocage, promovida pela
LASA (Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão) com o apoio de vários parceiros,
teve no final da noite a decisão do júri nas várias modalidades: em poesia, o
trabalho Na luz das janelas pestanejam as sombras, de João Carlos
Costa da Cruz (apresentado sob o pseudónimo de Deus de Lume), residente em Cantanhede;
no ensaio, o texto Bocage no Oriente, de António Alberto Sancho
Trabulo (apresentado sob o pseudónimo de Zé d’Arrábida), setubalense por
adopção (natural de Vila Nova de Foz Coa); em revelação, a obra Pentapétalo, de João Diogo Pereira
Barreira (sob o pseudónimo de Ricardo Neves), residente em Mafamude (Vila Nova
de Gaia).
Os
prémios serão entregues em cerimónia a realizar em 15 de Setembro, feriado de
Setúbal, e, além de um valor monetário, os textos merecerão a edição (a cargo
da entidade promotora). A este concurso foram apresentados 304 trabalhos (tendo
sido a poesia a modalidade mais concorrida), apreciados por um júri constituído
por José António Chocolate, João Reis Ribeiro e António Chitas.
Refira-se
que os premiados de poesia e de ensaio são autores com obra já publicada: no
caso do galardoado em poesia, trata-se do escritor António Canteiro
(pseudónimo), com títulos no âmbito da poesia e do conto, vencedor de diversos
prémios literários, designadamente o Prémio Nacional de Poesia Sebastião da
Gama; no caso do contemplado na modalidade de ensaio, é o médico e escritor
António Trabulo, com vários prémios no domínio da escrita, como o Prémio
Aldónio Gomes, sendo as suas obras mais conhecidas nos géneros conto e romance.
Os centenários bocagianos recontados por António Chitas - I
António Chitas, professor e investigador de história local em Setúbal, iniciou hoje um ciclo de cinco textos sobre os centenários bocagianos no jornal O Setubalense (pg. 5). É esse primeiro texto que aqui se reproduz.
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José Miguel, o descarregador de peixe de Setúbal, tem museu em Ferrara
A notícia vem na página 7 de O Setubalense de hoje: o descarregador de peixe setubalense José Miguel da Fonseca tem um museu em Itália, em Ferrara, onde estão reunidos o seu espólio de pintura e os estudos que sua mulher, Noelle Perez-Christiaens, fez sobre os descarregadores.
Para a agenda - Setúbal celebra os 250 anos de Bocage durante um ano
A capa do nº 104 da revista Guia de Eventos, editada pela Câmara Municipal de Setúbal, alusiva aos meses de Setembro e Outubro, é povoada por Bocage, em traço de António Cunha sobre pintura de Augusto Flamengo. Bocage foi já tema da Feira de Santiago deste ano, que teve lugar no final de Julho e início de Agosto. Mas o programa que assinala o 250º aniversário do poeta sadino é muito mais vasto. Abaixo se reproduz o teor do que está em agenda no sítio da Câmara Municipal de Setúbal.
Os 250 anos do nascimento de Bocage são assinalados
com um programa especial, com início no feriado municipal de 15 de setembro,
Dia de Bocage e da Cidade, com um conjunto de iniciativas culturais que
atravessa as fronteiras de Setúbal.
As comemorações, organizadas pela Câmara Municipal de
Setúbal em colaboração com entidades locais, nacionais e internacionais, a
atualidade do pensamento e da obra do poeta setubalense (1765-1805) é devolvida
ao quotidiano da cidade com a realização de atividades para todos os públicos.
Conferências, palestras, exposições e tertúlias, a par
de apontamentos cénicos e musicais, fazem parte do vasto leque de iniciativas
culturais a realizar em 2015 e em 2016, com atividades abertas à população, a
dinamizar em vários espaços e equipamentos municipais do concelho.
O feriado municipal, assinalado a 15 de setembro, Dia
de Bocage e da Cidade, começa com as habituais cerimónias protocolares, às
09h00, com o hastear da bandeira nos Paços do Concelho e, pouco depois, com a
deposição de flores no monumento ao poeta, na Praça de Bocage.
Neste dia, destaque também, logo pelas 09h00, para a
abertura da banca filatélica dos CTT/INCM, com a venda de selo postal nacional
com os temas "250 anos do nascimento de Bocage" e "O Meu
Selo", dedicado a Bocage e obliterado com o carimbo do dia.
O Salão Nobre dos Paços do Concelho acolhe, a partir
das 10h00, a sessão solene evocativa da efeméride, que inclui uma homenagem aos
funcionários municipais recentemente aposentados, a atribuição de medalhas honoríficas
a ilustres e um apontamento musical do Coral Infantil de Setúbal.
Igualmente a partir das 10h00, a Artiset - Associação
de Artistas Plásticos de Setúbal, promove a ação de pintura ao vivo e exposição
de trabalhos "Uma nova imagem do Bocage", na Praça de Bocage.
As celebrações continuam à tarde com um a inauguração
das novas rotundas Jacinto João e da Avenida da Europa, às 15h00.
A sessão solene de abertura oficial das comemorações
dos 250 anos do nascimento de Bocage, com a apresentação da comissão de honra,
realiza-se às 16h00, no Fórum Municipal Luísa Todi, seguida de momento musical
de piano e voz com "Bocageana - Cinco Sonetos", Op. 37, de Gaspar
Fernández Gil, com Nuno Lopes e Carlos Pedro Santos.
Daniel Pires lança a sua obra literária "Bocage -
a Imagem e o Verbo", às 17h00, na Casa da Cultura, enquanto uma hora
depois procede-se à entrega de prémios do XVI Concurso Literário Manuel Maria
Barbosa du Bocage, no Salão Nobre dos Paços do Concelho.
Seguem-se duas inaugurações, uma no Largo da Fonte
Nova, às 18h30, da mercearia "Confiança de Troino", com a
participação do Teatro do Elefante, a outra na Galeria Municipal do 11, às
19h00, da exposição "O Livro na Época do Iluminismo".
O programa comemorativo do Dia da Cidade termina com o
concerto inaugural das comemorações dos 250 anos do nascimento de Bocage, pela
Orquestra do Norte, às 21h30, na Praça de Bocage.
Em setembro, o programa comemorativo reserva ainda
várias atividades, como a inauguração, no dia 16, às 18h00, na Casa Bocage, da
exposição "Boba Kana Mutu Uzela", do projeto "Século XVIII -
Revelar a Memória a partir do Esquecimento", com a segunda série de
imagens fotográficas de Ricardo Rodrigues.
Música e poesia são oferecidas à população a 18, às
21h30, na Praça de Bocage, na "2.ª Serenata do Núcleo de Poesia de
Setúbal", com fado de Coimbra e declamação de poesia por vários
convidados, numa iniciativa dinamizada pelo Núcleo de Poesia de Setúbal.
Na mesma noite, às 22h00, na Casa da Cultura, o
projeto GOG apresenta "Textos em Cena", uma performance com
sonorização de Carlos Curto e declamação de poesia de Bocage por João Brás.
No dia seguinte, a 19, às 18h00, na Casa da Cultura,
Baptista Pereira, historiador e curador do Museu de Setúbal, é o orador da
conferência "Bocage nas Coleções dos Museus Municipais de Setúbal".
Apontamentos culturais em vários espaços da Baixa
comercial dão vida à Noite Bocagiana, igualmente a 19, com início às 21h30, com
os comerciantes a decorar as montras de várias lojas daquela zona do centro históricas
com peças alusivas à temática de Bocage.
Integrada na Noite Bocagiana está a XVI Tertúlia
"Eis Bocage… Conversas de Botequim", evento promovido às 21h00, no
Largo da Misericórdia, pelo jornal digital Setúbal na Rede e Casa da Poesia de
Setúbal, em colaboração com a Capricho Setubalense.
No programa das Comemorações Bocagianas entra ainda a
Alegro Meia Maratona de Setúbal. A 26.ª edição da tradicional prova
setubalense, com início às 09h30 de dia 20, este ano num percurso renovado de
21 quilómetros, inclui a Corrida das Famílias e a Corrida Mais Solidária,
iniciativas dirigidas às famílias, com 5,5 quilómetros.
A encerrar as atividades de setembro há a inauguração
da exposição "O colecionismo sobre o tema Bocage - acervo de Adelino
Noé", dia 26, às 15h00, no Museu do Trabalho Michel Giacometti, e um
concerto com o Quarteto de Cordas de Sintra, com obras de compositores da época
de Bocage, às 22h00, na Casa da Cultura.
O programa comemorativo dos 250 anos do nascimento de
Bocage prolonga-se até 2016, com a dinamização, todos os meses, de atividades
em Setúbal e em vários pontos do País, como a emissão de uma lotaria nacional
alusiva ao poeta setubalense, a 19 de outubro, e o 1.º Congresso Internacional
Bocage, a 13 e 14 de setembro do próximo ano, no Fórum Municipal Luísa Todi.
quinta-feira, 27 de agosto de 2015
Imigrantes portugueses em França e Grande Guerra, com Laurent Dornel e Joana Carvalho Fernandes
A
imigração em França é fenómeno acentuado desde finais do século XIX, mas a
Primeira Guerra Mundial, na medida em que muitos homens ali apareceram para
combater e para trabalhar, deu contributo importante para essa imagem, em que
os portugueses são também protagonistas. Dois livros nos falam dessa epopeia
migratória: um, de Laurent Dornel, conta a história da imigração relacionada
com a Grande Guerra; outro, de Joana Carvalho Fernandes, narra vidas de
protagonistas portugueses que desde a Grande Guerra se têm aventurado em terras
de França.
O
estudo de Laurent Dornel intitulado Les
étrangers dans la Grande Guerre (Col. “La Documentation Française”. Paris:
Musée de l’Histoire de l’Immigration, 2014) conta a relação da Grande Guerra
com a imigração em França, mesmo porque, na altura, a presença de estrangeiros
naquele país podia também ser considerada uma presença inimiga (não esquecendo
que, pelos censos de 1911, dos mais de um milhão de imigrantes, cem mil eram
alemães e quinze mil eram austríacos) ou indesejada, como bem o testemunhou
Aquilino Ribeiro no diário É a guerra
(1934), em que regista a efervescência vivida em Paris no período entre 1 de
Agosto e 26 de Setembro de 1914.
Durante
a Guerra, em França havia cerca de meio milhão de trabalhadores estrangeiros,
provenientes dos países limítrofes (Portugal incluído) e do norte de África e
Indochina, além de cerca de 37 mil chineses. Mas a Guerra levou também a França
uns milhares de estrangeiros (por implicação de outros países na Guerra ou por
adesão voluntária de cidadãos ao exército francês – “la Légion étrangère compta
autour de 30000 à 40000 hommes représentant une cinquantaine de nationalités”) e
de naturais das colónias francesas. Parte significativa dos trabalhadores
estrangeiros estava ligada ao campo e à indústria do armamento e havia programas
de inserção dos imigrantes, que passavam pela aprendizagem da língua e pela
ligação dos imigrados aos seus países de origem – por exemplo, em termos de
alimentação, era pensada a necessidade de “morue séchée pour les ouvriers
portugais”. Contudo, a partir de 1917, nem sempre os trabalhadores imigrantes
foram bem vistos, pois a população francesa pensava que “la présence de la
main-d’oeuvre étrangère permettait le maintien et l’envoi accru des hommes
français au front”.
A
questão do peso que os estrangeiros ou os originários das colónias pudessem vir
a ter no futuro do país levou ao estabelecimento de uma hierarquização quanto
às características dos trabalhadores por nacionalidade, dizendo-se dos
portugueses que “sont résistants”, que “ils ne réculent pas devant les besognes
pénibles et dangereuses, mais ils ont un grave défaut, l’instabilité; le besoin
de mouvement, de changement vient du caractère national, ondoyant, incapable de
prendre une décision, de s’arrêter à un parti”. Em 1919, Joseph Lugand apresentaria
uma tese que classificava a mão de obra estrangeira, na linha de uma ordenação
relacionada com as raças, caracterizando os portugueses como “bonne
main-d’oeuvre, dociles, aptes aux travaux de force”, forma de estereotipar as
nacionalidades de acordo com trabalhos a serem cometidos. Depois da Guerra, a
imigração em França continuou e houve políticas que defenderam a preferência
pelos europeus, sobretudo originários de países que tivessem combatido ao lado
dos franceses.
O
estudo de Dornel é prático e de leitura rápida, compreendendo o leitor a
turbulência social que foi receada por políticos e elites perante um fenómeno
como o da imigração, sobretudo num país em situação de guerra e com forte
afluência de cidadãos das regiões colonizadas pela própria França – pela
primeira vez estes homens iam conhecer a sede do império e o relacionamento
social poderia ter efeitos imprevisíveis, mesmo do ponto de vista político. A
descolonização, que iria suceder anos mais tarde, terá fomentado a igualdade de
oportunidades e a facilidade de relacionamento? Na conclusão, o autor não
manifesta muito optimismo: “La décolonisation a évidemment rendu impossible le
maintien du vocabulaire colonial; mais indigène
et colonial n’ont-ils pas été
remplacés par Maghrébin, Subsaharien et même, tout simplement, par immigré? Dans le même temps, la
construction d’un espace politique européen, en faisant émerger une citoyenneté
européenne, a confirmé, dans la pratique comme dans les discours, la partition
entre d’un côté, une immigration européenne blanche, libre d’aller et venir à
sa guise, et, de l’autre, identifiée à l’immigration postcoloniale et de moins
en moins désirable, une immigration officiellement extra-européenne, appellation qui maintient l’euphémisation
ancienne de la couleur et le non-dit de la blanchité.”
A
questão da presença de portugueses em França desde a Primeira Grande Guerra acaba
de ser abordada por Joana Carvalho Fernandes, na obra A porteira, a ‘madame’ e outras histórias de portugueses em França
(Col. “Retratos da Fundação”. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos,
2015).
É
um conjunto de três partes – “Os históricos: a Primeira Guerra, o salto, a
reforma”, “Para lá do estereótipo: o humor, os negócios, o desporto, a
política” e “Novos emigrantes” – que totaliza catorze capítulos, cada um
dedicado à história de uma personagem. Os títulos das partes permitem desde
logo uma leitura condimentada pela história da emigração e pelas diversas fases
que a foram fazendo: desde os mais antigos emigrados que ficaram por França
graças à sua participação na Grande Guerra, passando pela ida “a salto” e pelos
casos de portugueses que se distinguiram (e são conhecidos) nas mais diversas
áreas (política, comércio, cultura, negócios – haja em vista nomes como os de
Carlos da Silva, que foi deputado e chegou a conselheiro do primeiro-ministro
francês Valls, de Manuel Domingues, proprietário de restaurante frequentado
pela família Le Pen, de Rogério do Carmo, co-fundador da rádio Alfa, ou de
Armando Pereira, co-fundador da Altice) até aos que recorreram à emigração como
forma de ultrapassar a crise recente.
Duas
histórias se relacionam com a Grande Guerra: a primeira, de João Assunção, que
combateu em La Lys e ajudou, em tempos de folga, uma família francesa no amanho
da terra, e se apaixonou por Mélanie, com quem casou em 1920, união de que
nasceram 15 filhos; a segunda, de Manuel de Sousa Dias, que chegou a 2º
sargento músico no Corpo Expedicionário Português e, em 1922, voltou a rumar a
França, desta vez levando a mulher e o filho.
Cada
uma das histórias tem os seus momentos de epopeia e de interesse. João Assunção,
da zona de Coimbra, foi mineiro a partir de 1919 e a indumentária usada no
trabalho era o uniforme de soldado e o capacete das trincheiras. Habilidoso,
acabou por abrir um ateliê de bicicletas. Falecido em 1975, com 80 anos, é à
sua filha, Felícia Pailleux, de 89 anos, que está atribuída a função de
porta-guião da Liga dos Combatentes em França, marcando presença nas
celebrações de Richebourg e de La Couture em memória dos portugueses caídos em
1917-1918. Sentindo a necessidade de preservar a História, Felícia passou a
mensagem à neta, Aurore Rouffelaers, de 36 anos, que “criou uma agência de
guias-intérpretes que organiza roteiros pelos grandes campos de batalha da
Primeira Guerra na Flandres francesa e pelas memórias das linhas das
trincheiras”.
Quanto
a Manuel Dias, da região de Arouca, viveu até 1929, ano em que faleceu em
consequência de um acidente. Mas o seu filho, António, nessa altura com 14
anos, que teve de ajudar os outros três irmãos a partir desse momento, casaria,
anos mais tarde, com Zoémie Bonville, da região de Champagne e que recebeu da
família vinhas e umas caves. Ainda antes de 1950 (o casamento foi em 1948), o
casal foi responsável pela introdução no mercado do champanhe com o rótulo “De
Sousa – Bonville”, o único champanhe com nome português.
Estas
são duas histórias de portugueses em França, que passaram pelas ligações à
Primeira Grande Guerra e fizeram parte do leque de imigrantes que começou a
alargar-se naquele país no pós-guerra: em 1921, havia 11 mil portugueses
recenseados em França, número bem maior do que os mil e trezentos registados em
1911.
A recolha de casos levada a cabo por Joana Carvalho
Fernandes torna-se um elemento interessante para o retrato da identidade dos
portugueses, escrito com vivacidade, em género de reportagem, dando
frequentemente a palavra aos seus protagonistas, contando um pouco do que tem
sido a narrativa dos portugueses pela França, percurso eivado também de
momentos menos felizes, com dificuldades de integração à mistura, mas também
com realizações elevadas, todos eles constituindo desafios à história da
imigração e encontrando ecos no estudo de Laurent Dornel.
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
Para a agenda - 3 meses de exposição bocagiana nos 250 anos do poeta
"Da inquietude à transgressão: eis Bocage..." é o título da exposição que a Biblioteca Nacional de Portugal inaugura em 17 de Setembro e que estará patente até 31 de Dezembro. Comissariada por Daniel Pires, com vastidão de títulos no domínio da história da imprensa e da obra bocagiana, a exposição assinala o 250º aniversário do nascimento do poeta sadino (1765-1805). Para a agenda!
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quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Meneses Ferreira: "À luz do lampadário"
Em
4 de Agosto de 1918, o capitão Humberto de Ataíde suicidava-se em Moçambique
para evitar a humilhação de ter de entregar ao inimigo o posto que comandava. O
gesto valeu-lhe o reconhecimento e o louvor, chegando Meneses Ferreira a
dedicar-lhe o livro À luz do lampadário
(Lisboa: Ed. Autor, 1927) nos seguintes termos: “À sagrada memória do Capitão
Humberto de Athayde, ferido cinco vezes em combate e que, na Grande Guerra em
Moçambique, pelo orgulho da sua farda, se suicidou em frente das tropas
inglesas”.
O
livro é composto por dezoito quadras (que usam o decassílabo e a rima
alternada) e ilustrações do próprio autor, mas é antecedido por uma nota em
prosa contra as intromissões estrangeiras na administração das colónias, como
era, na altura, o caso do porto da Beira. Já em 30 de Abril de 1925, em crónica
publicada no Diário de Lisboa sob o
título “Carta a um colonial do Chiado sobre a influência inglesa na cidade da
Beira”, Norberto Lopes se queixava do
ambiente inglês que dominava a cidade, chegando mesmo ao ponto de dizer que os
caixeiros se dirigiam aos clientes das lojas em inglês antes de usarem a língua
portuguesa, que o jornal ali existente era em inglês, que ele próprio se sentia
“estrangeiro em território nacional”, para concluir de forma quase
apocalíptica: “Se o dinheiro inglês fomenta e desenvolve este pedaço da nossa
África Oriental, nem por isso ele deixa de constituir amanhã um perigo para a
soberania portuguesa.” Revoltado com um certo estado de subserviência
relativamente ao estrangeiro, o poeta de À
luz do lampadário refugia-se na Batalha para ouvir a voz “d’Aquele que,
pela integridade dos territórios de Além-Mar, caiu para sempre, mordendo a
terra conquistada pelos nossos Maiores”.
Logo
na primeira quadra, o poeta ilustra o cenário em que lhe foi dado ouvir a
mensagem, um ambiente de silêncio e de luz, ingredientes necessários para a
meditação e para que a voz do Soldado Desconhecido se tornasse audível, ou, por
outras palavras, para que a memória aflorasse – “À doce claridade que se
espalha / nas naves do Mosteiro adormecido, / à luz do lampadário da Batalha /
Assim falou o Herói Desconhecido”. A segunda quadra, sendo o início do discurso
do Herói, é uma acusação (contra a interferência estrangeira) e uma
justificação para o que se vai seguir (uma chamada de atenção): “Voltam de novo
à terra apetecida / as aves de rapina em hora incerta… / Acorda, sentinela
adormecida! / Soldado português, alerta! Alerta!”
A
mensagem envereda depois pela lembrança de vários heróis portugueses, todos
considerados exemplares – o Fundador, o Príncipe Perfeito, o Infante Santo,
descobridores, Salvador Correia, Mousinho, coronel Galhardo e João Coutinho
(“heróis de Marraquene”, em finais do séc. XIX), Martins de Lima, capitão
Roçadas, Leopoldo da Silva e os mortos de Nevala e, finalmente, Humberto de
Ataíde, trazido para o poema como último herói, mas com uma acção diversa da
que cometeu – “Humberto de Ataíde, o teu exemplo / Não deve ser seguido desta
vez…”. O nome é invocado pelo que simboliza de patriótico, mas é usado para
apelar à energia do soldado português – “Vamos! Sacode os vendilhões do Templo!
/ Levanta-te, soldado português!...” O que vai sendo valorizado em todos estes
nomes, individuais ou símbolos do colectivo, são traços como a humildade, o
valor, o sangue vertido, o tormento, a coragem, chegando esta voz a
manifestar-se contra a perda da memória (“Recorda a pouco e pouco a minha
história, / vencendo o esquecimento em que mergulho”) e a chamar a atenção para
os padrões e monumentos, provas absolutas desse heroísmo necessário.
A
intenção apelativa e imperativa sobre o soldado português aparece várias vezes
ao longo do poema com o objectivo de impelir este destinatário para a acção,
que, surge claramente expressa nas duas últimas quadras: “Erguei-vos todos já
para acusar / aqueles que, por ódio e por traição, / queiram vender, trocar,
alienar / o santo património da Nação!... // Contra o Porto da Beira apetecida
/ a trama vil, enfim, foi descoberta! / Acorda, sentinela adormecida! / Soldado
português, alerta! Alerta!”
O
texto é, sem dúvida, de teor panfletário, jogando com símbolos fortes para os
combatentes – o poder do desafio feito pela memória, o sofrimento do soldado
desconhecido e heróico, as referências de personalidades históricas que se
destacaram na vida militar. Uma década depois do termo da Grande Guerra, este
texto era um toque a reunir para a defesa do património histórico e do
território e para a reafirmação da soberania, vindo de um autor, João Guilherme
de Meneses Ferreira (1889-1936), que, sendo também ele militar (embarcou para
Angola em Setembro de 1914, comandado pelo general Roçadas, e esteve em França,
integrando o CEP), pautou a sua obra pelo anti-belicismo e por um sentir
humanitário como bem o provam os títulos João
Ninguém – Soldado da Grande Guerra (1921), texto de onde não está arredio o
humor aplicado à participação portuguesa, e O
Fuzilado (1923), novela em torno de um combatente louvado que um dia
resolve deixar de combater. Com tal sentir humanitário, o refúgio do poeta só
podia ser junto de um dos símbolos intensos para os combatentes portugueses da
Grande Guerra: na Batalha, onde, seis anos antes, em 10 de Abril de 1921, se
inaugurara o túmulo do Soldado Desconhecido, para ali tendo sido transladados
os corpos de dois soldados, um falecido em África (Moçambique) e outro em
França, escolha espacial que acaba por dominar a mensagem…
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Vincent Bernard: Uma cronologia da Grande Guerra
São
120 páginas de referências cronológicas relacionadas com a Primeira Grande
Guerra, umas telegráficas, outras com algum desenvolvimento, aquilo que Vincent
Bernard apresenta em Petite Chronologie
de la Grande Guerre (Col. “Repères d’Histoire”. Bordeaux: Éditions du Sud
Ouest, 2014), num horizonte que se inicia em 28 de Junho de 1914 (“pelas 10
horas da manhã, em Sarajevo… primeiros tiros”, referindo o atentado ao
arquiduque Francisco Fernando) e se conclui em 10 de Novembro de 1920, com o “soldado
desconhecido” depositado no Arco de Triunfo. Apesar deste limite temporal, a
cronologia tem ainda uma entrada alusiva a 3 de Setembro de 1939, data em que
“a França e a Inglaterra declaram guerra à Alemanha nazi”, o que estabelece a
ponte entre as duas Guerras Mundiais que marcaram o século XX…
O
tempo passa por este livro num registo do dia a dia, sobretudo organizado para
o leitor francês, com apontamentos em que entram as operações militares
terrestres, marítimas e aéreas, a tecnologia e o armamento, a intervenção
política e a diplomacia, a economia e a sociedade, a vida na retaguarda e a
cultura. Tão amplo espectro de informação trazido para uma cronologia é
justificado pelo autor nos seguintes termos: “Si le monde de 1918 n’est plus
celui de 1914, ce n’est pas seulement parce que les poilus français, landser
allemands, tommies anglais, diggers australiens ou autres doughboys américains ont combattu et
souffert dans un véritable enfer, c’est aussi parce que la guerre même, en tant
qu’événement, en tant que rupture historique, a orienté en profondeur la marche
du monde, l’a fait entrer véritablement dans le XXe siècle, ce siècle si proche
mais que, déjà, s’enfuit tout doucement de nos mémoires.” Assim, em jeito de
preservar e de ajudar a memória, Bernard pretende que esta obra ajude “à la
découverte des jalons essentiels de cette Grande Guerre mondiale de quatre ans
dans toutes ses dimensions”.
Para
cada ano do conflito é escolhido um título interpretativo que ajuda a uma
leitura dos acontecimentos: “1914 – La fin d’un monde”, “1915 – L’épouvantable
enlisement des tranchées”, “1916 – L’année des batailles titanesques”, “1917 –
Année charnière ou année de trop?”, “1918 – D’une nouvelle guerre à l’amère
victoire” e, finalmente, “Épilogue, 1919-1920 – Paix européenne ou règlement
provisoire?”. O leitor vai avançando nas datas e assiste à construção do puzzle
que levou ao recrudescimento do conflito, às intrigas, à movimentação, à
paragem, às implicações, à destruição, à morte, à movimentação política e militar,
ao sofrimento, ao desfazer dos impérios, ao nascimento de um novo mapa europeu,
passo a passo, como quem acompanha o trajecto em todas as frentes. Assiste a
execução de prisioneiros, à morte de artistas e de outras personalidades participantes
(Charles Péguy, Alain Fournier, Alfred Lichtenstein, Henry Moseley, Charles de
Foucauld, von Richtoffen, Roland Garros, Guillaume Apollinaire), ao sofrimento
que não poupou ninguém (Georges Braque, Blaise Cendrars, Henri Barbusse), ao
episódio dos táxis do Marne e à destruição conhecida pelo “Chemin des Dames”,
ao primeiro apelo à paz entre os beligerantes lançado pelo Papa Bento XV, à
confraternização natalícia entre soldados inimigos, à primeira utilização do
gaz de combate, ao aparecimento dos tanques, aos bombardeamentos sobre Paris,
aos raids sobre Londres e sobre Colónia, à violência de Verdun e de Somme e às
várias (doze) ofensivas sobre Isonzo, à mudança do papel da mulher, à queda e
ascensão de políticos e… em 13 de Outubro de 1918, ao gazeamento e evacuação do
cabo Adolfo Hitler.
Relativamente
a Portugal, há uma dezena de referências que acompanham o que se passou nas
colónias em África e o que foi o Corpo Expedicionário Português, tais como: em
26 de Outubro de 1914 (“Les Allemands pénètrent en Angola portugais, et donc
théoriquement neutre”), em 23 de Novembro de 1914 (“Le gouvernement portugais
annonce une coopération accrue avec le Royaume-Uni”), em 23 de Fevereiro de
1916 (“Les autorités portugaises saisissent les navires allemands sur le
Tage”), em 9 de Março de 1916 (“Le Portugal rejoint l’Entente – Après des mois
de collaboration militaire anglo-portugaise, de nombreux incidentes dans les
colonies et la réquisition par Lisbonne des navires allemands sur le Tage,
Berlin régularise une situation
diplomatique exécrable en déclarant la guerre au Portugal. Le Portugal prépare
un petit corps expéditionnaire pour la France et entreprend de renforcer ses
positions dans les colonies d’Afrique”), em 15 de Março de 1916
(“L’Autriche-Hongrie déclare à son tour la guerre au Portugal”), em 8 de Agosto
de 1916 (“Le gouvernement portugais étend sa coopération avec l’Entente au
front européen”), em 3 de Janeiro de 1917 (“Les premières unités du corps
expéditionnaire portugais, qui doit comprendre deux divisions et se battre au
sein de l’armée britanique, débarquent en France”), em 17 de Junho de 1917 (“Le
corps expéditionnaire portugais est engagé pour la première fois sur le front
de l’Ouest”), em 9 de Abril de 1918 (no âmbito da operação Georgette, uma
ofensiva alemã que pretendia fazer recuar os britânicos até à Mancha, “le corps
expéditionnaire portugais, en particulier, est presque anéanti par la violence
de l’assaut allemand”), em 1 de Julho de 1918 (“Les petites forces allemandes
du colonel von Lettow-Vorbeck, poursuivant leur petite guerre face à des forces
de l’Entente infiniment supérieures, atteignent Namyakura, en Afrique
portugaise (Mozambique actuel)”).
A
obra carece da indicação da bibliografia consultada, sobretudo quanto à origem
ou fontes de datas de outros países que não a França. Quanto a índices, parte
importante neste tipo de obras, existe apenas um “de personalidades” quando poderia
haver também um geográfico.
Apesar das deficiências que uma obra deste tipo possa
conter, obrigados somos a reconhecer tratar-se de um bom contributo de
condensação da História que fez crescer a Europa como ela é, que permite
consulta e informação rápidas, ainda que limitada ao estilo de uma cronologia (sublinhada
no título com o adjectivo “petite”).
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
Para a agenda - Festas da Agonia, em Viana do Castelo
A Romaria da Senhora da Agonia, mais conhecida por Festas da Agonia, em Viana do Castelo, está marcada para o período de 20 a 23 de Agosto. A romaria das romarias! Única, inigualável, inesquecível. Com um programa (que se pode consultar aqui) que revela muito do que é a identidade local e alto-minhota. Para a agenda!
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sexta-feira, 7 de agosto de 2015
"Laudato Si'", a encíclica do Papa Francisco sobre a "casa comum" que temos
Em
24 de Maio, o Papa Francisco dava em Roma a sua segunda carta encíclica, Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum
(Lisboa: Paulus Editora, 2015), conjunto de seis capítulos e quase duas
centenas e meia de parágrafos em que a ecologia e o futuro são tónicas e em que
o apelo à política e a cada um pontuam.
O
retrato que o Papa traça do mundo quanto ao ambiente que caracteriza a “casa
comum” não é novo, todos o temos visto, todos o pensamos. Mas, ao trazer para
título da sua carta uma frase da oração de Francisco de Assis («laudato si’», «louvado
sejas»), a figura mais ecológica de todos os tempos, e ao dizer que pretende
com esta encíclica “entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum”
(perspectiva que cumpre ao citar pensadores de outras religiões, por exemplo),
Francisco aponta para a responsabilidade que todos teremos na “desfiguração e
destruição do ambiente”.
O
ponto de partida é forte: “A Terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez
mais num imenso depósito de lixo.” Depois, é a passagem por áreas sensíveis
para a temática do ambiente – o clima, a água, a biodiversidade, os recursos
naturais – até à verificação de que a qualidade de vida humana surge fortemente
deteriorada, acentuada pela degradação social, uma visão que pretende chamar a
atenção para os decisores (e para todos) em prol de um mundo e de uma vida que
possa ser mais justa, sem que tenham de existir os “descartados da sociedade”,
porque a casa é de todos. Neste ponto, Francisco é incisivo, porquanto assume
um ponto de vista crítico quanto às práticas com os mais fracos – “Muitas vezes
falta uma consciência clara dos problemas que afectam particularmente os
excluídos. Estes são a maioria do Planeta, milhares de milhões de pessoas. Hoje
são mencionados nos debates políticos e económicos internacionais, mas com frequência
parece que os seus problemas se colocam como um apêndice, como uma questão que
se acrescenta quase por obrigação ou perifericamente, quando não são
considerados meros danos colaterais.”
Francisco
opta sempre pela chamada de atenção para o sentir destes outros, quase levando
cada leitor a pôr-se na pele deles e a entender do mundo do seu ponto de vista.
Talvez o mais importante alerta surja quando diz: “É preciso revigorar a
consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras
políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há
espaço para a globalização da indiferença.” Forte, esta ideia da “globalização
da indiferença” que a todos apanha na onda da globalização que nos avassala!
É
imbuído do espírito franciscano que o Papa fala do “gemidos da irmã Terra”, aliados
aos “gemidos dos abandonados do mundo”, para assinalar aquela que é uma marca
deste tempo – “Nunca maltratámos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos
dois séculos.” Inevitável é o salto para a definição do que é também a falta
grave de hoje – “o pecado manifesta-se hoje, com toda a sua força de
destruição, nas guerras, nas várias formas de violência e abuso, no abandono
dos mais frágeis, nos ataques contra a natureza.”
O
discurso papal vai sendo cadenciado por termos que o asseguram como um
contributo para a discussão, de tal forma é vasta a lista de referências
presente – desde documentos da Igreja oriundos de todos os continentes
(incluindo uma referência a Portugal devida à carta pastoral “Responsabilidade
solidária pelo bem comum”, da Conferência Episcopal Portuguesa, de Setembro de
2003) a citações de clássicos (Dante, por exemplo), de invocações dos seus
antecessores até à presença de pensadores contemporâneos (Ricoeur, Chardin ou
Guardini, entre outros) – ou de tal forma é a apresentação feita através de “propostas”
(insistindo na ideia de “proposta”) para uma discussão maior.
O
mais importante dessas propostas papais acentua-se a partir do capítulo IV, em
que se fala de uma “ecologia integral”, depois de nos anteriores capítulos ter
sido feito um retrato do mundo, em muito dominado pela crise do
antropocentrismo contemporâneo. Percebe-se a ideia logo que é dito ser
fundamental “buscar soluções integrais que considerem as interacções dos
sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais”, porque “não há duas
crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise
socioambiental.” Ecologia económica, ecologia cultural, ecologia do quotidiano –
todas como responsabilidade de todos, porque “somos nós os primeiros
interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai
suceder”.
No
plano das propostas de linhas de acção, o Papa Francisco insiste no diálogo,
passando pela política internacional, pela busca de novas políticas nacionais e
locais, pela transparência nos processos de decisão, pelo encontro entre as
religiões e as ciências. Nesta insistência no diálogo, há ideias que nos fazem
pensar: “A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve
submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no
bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo,
se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana.”
Outra: “A maior parte dos habitantes do Planeta declara-se crente, e isto
deveria levar as religiões a estabelecerem diálogo entre si, visando o cuidado
da natureza, a defesa dos pobres, a construção duma trama de respeito e de
fraternidade.”
O
último capítulo envereda pela área da “educação e espiritualidade ecológicas”,
propondo a construção de uma aliança com o ambiente, de um outro estilo de
vida, de uma postura de responsabilidade ambiental, de uma necessária paz
interior, de uma atenção aos outros, coordenadas indispensáveis para a
felicidade na Terra. E não é sem um sentido autocrítico que, a finalizar, o
Papa classifica esta sua carta como uma “longa reflexão, jubilosa e ao mesmo
tempo dramática”. Um texto que gira em torno de uma ideia de liberdade e de
felicidade para o ser humano e da responsabilidade que cada um tem na
construção desse trajecto, que se lê como parte de uma conversa e que, pela sua
actualidade e proximidade, apela aos leitores, quase se sentindo necessidade de
sublinhar um e todos os parágrafos, tão incisivos eles são!
Sublinhados
Identidade – “Quem cresceu no meio de montes, quem na infância
se sentava junto do riacho a beber, ou quem jogava numa praça do seu bairro,
quando volta a esses lugares sente-se chamado a recuperar a sua própria
identidade.”
Crueldade – “A indiferença ou a crueldade com as outras
criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercutir-se no
tratamento que reservamos aos outros seres humanos.”
Limite – “Cada época tende a desenvolver uma reduzida autoconsciência dos
próprios limites.”
Homem e Natureza – “Sempre se verificou a intervenção do ser humano
sobre a natureza, mas durante muito tempo teve a característica de acompanhar,
secundar as possibilidades oferecidas pelas próprias coisas; tratava-se de
receber o que a realidade natural por si permitia, como que estendendo a mão.
Mas, agora, o que interessa é extrair o máximo possível das coisas por
imposição da mão humana, que tende a ignorar ou esquecer a realidade própria do
que tem à sua frente. Por isso, o ser humano e as coisas deixaram de se dar
amigavelmente a mão, tornando-se contendentes.”
Trabalho – “Somos chamados ao trabalho desde a nossa criação.
Não se deve procurar que o progresso tecnológico substitua cada vez mais o
trabalho humano: procedendo assim, a humanidade prejudicar-se-ia a si mesma. O
trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho
de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal.”
Ética e Técnica – “Quando a técnica ignora os grandes princípios
éticos, acaba por considerar legítima qualquer prática.”
Consumo – “Quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto
mais necessita de objectos para comprar, possuir e consumir.”
Simplicidade – “As pessoas que saboreiam e vivem melhor cada
momento são aquelas que deixam de debicar aqui e ali, sempre à procura do que
não têm, e experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada
coisa, aprendem a familiarizar-se com as coisas mais simples e sabem alegrar-se
com elas.”
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domingo, 2 de agosto de 2015
Urbano Tavares Rodrigues: Encontro com Vasco da Gama em "Os campos da Promessa"
Corria
o ano de 1490, era a data em que se celebravam as festas do casamento do
infante D. Afonso com Isabel de Castela, descendente dos Reis Católicos, evento
que fazia fervilhar Évora de tanta gente e de tanta alegria. Entre os presentes
constavam Vasco da Gama e um amigo, Luís de Mendonça, que tinham cavalgado
desde a costa alentejana. Está o leitor perante o início da trama de Os campos da promessa, de Urbano Tavares
Rodrigues (Évora: Ataegina, 1998), obra que abre com a transcrição do poema “Au
seul souci de voyager”, dedicado a Vasco da Gama, de Stéphane Mallarmé (poeta
que morreria no ano em que se celebrava o quarto centenário da primeira ida do
Gama à Índia).
Durante
a viagem, a conversa ajuda a definir o perfil de Vasco da Gama, que
confidenciava ao amigo sentir-se “homem de um tempo novo”. Vindo desde Sines,
terra ao pé do mar, de pescadores e de mestres de embarcação, Vasco explica:
“Eu aprendi sobretudo com velhos pilotos, gente nossa, que se fez na crista das
vagas e na dança das tempestades, suspensa da luz do Setestrelo, a empurrar a
morte com a esperança. E sonho muito. Sonho desde sempre que vou comandar uma
grande armada, naus e caravelas guiadas pelo Senhor Cristo nas rotas do
Atlântico e do Índico, com peixes descomunais saltando das ondas, feras a
saírem-nos ao caminho à beira das selvas, hordas de cafres, cáfilas de mouros e
outras estranhas criaturas vestidas de ouro, sedas raras e pedrarias, como
parece que são essas do Oriente, e a todos terei de vergar, menos com as
bombardas dos meus navios do que com o poder da palavra.” A citação é longa,
mas logo o leitor se convence de que o trabalho apresentado passa pelos
meandros da História, de tal forma a linguagem se cruza com o pensar da época
retratada, seja na ânsia de chegar ao Oriente, seja na imagem que do outro se
constrói.
Decorre
a viagem por longas horas e o discurso dos amigos aborda outras temáticas, como
a religião ou o poder de Deus, como a figura do soberano (D. João II), sendo
também interrompido pelas cenas a que assistem, outra forma de a época ganhar
tonalidades e de contextualizar o tempo: o frade “rotundo, gozando, muito
quieto, a presença de Deus” junto de humilde capela; os escravos que ajudavam
na lavoura lá para os lados do Torrão; um encontro inesperado com um lobo
atacante; as “silhuetas andrajosas de um grupo de infelizes”, leprosos que circulavam
“ao Deus dará”; a paisagem de pastorícia, em que ambos ouvem as queixas de um
pastor, pesaroso com “o mal da cobiça” (a quem Vasco da Gama promete que, em
breve, no reino, haverá tal abundância que a todos fartará); o encarar com um
louco, “homem silvestre”, que levará Mendonça a especular sobre as profundezas
da loucura; as raparigas de um povoado que parecia abandonado, de tal forma os
moradores estavam assustados com a ladroagem que os ameaçava; enfim, uma viagem
que Mendonça resumiria no meio de uma conversa na pousada de Alcáçovas, depois
de mostrar o seu ar poético num vilancete – “tudo o que vimos durante esta
nossa viagem – a miséria, o roubo, a solidão, o sofrimento, a desgraça dos mais
pequenos, vilões, vagabundos, doentes, leprosos, quereis que vos diga?, o mundo
parece-me cruel e mal governado”.
Na
cerimónia dos esponsais, será a vez de Vasco da Gama se cruzar com D. Manuel,
“duque de Beja, primo do rei, e grande de Portugal”, momento de revelação, que
contribui para o fechamento da narrativa – anunciando-lhe que, no seu rosto,
“está escrito um grande destino” e assegurando-lhe a solidariedade (“Contai
comigo, Vasco”), D. Manuel permite que o Gama fique a pensar no que lhe reserva
o futuro.
E
assim se faz a união da narrativa com o título: os campos do Alentejo e a
promessa de D. Manuel. Uma história em que não falta a manifestação de um
grande apreço pelo Alentejo (marca sempre presente na escrita de Urbano Tavares
Rodrigues), uma paisagem em que decorre uma quase sinfonia de calma e de
apaziguamento – “oscila, vagarosa, a linha do horizonte; sol e vento abrasam as
estevas, sibilam, crepitam no mato alto; e o concerto das rolas, dos insectos,
de algum grilo rente ao solo acompanha a caravana ao longo do percurso”. Uma
história em que não falta uma quase declaração de amor a Évora, uma “cidade
toda branca e jubilosa, sobrepujada por uma infinidade de campanários”. Uma
história em que, não estando ausente o perfil da historiografia, tem também os
ingredientes da criação literária, como acontece no momento de prolepse em que
se anuncia o destino do noivo, a ocorrer dali a um ano – “Como que adivinha o
Gama, ao vê-lo assim animoso e evanescente, que, cerca de um ano após o
casamento, D. Afonso vai morrer de uma queda absurda, ao galopar de mão dada
com um nobre seu amigo, D. João de Meneses, segundo uso da época, à beira do
Tejo”. Com efeito, a História comprovou-o, um acidente vitimou D. Afonso em meados
de 1491, quando cavalgava na zona de Santarém.
A
narrativa conclui-se com a personagem Vasco da Gama a acalentar o sonho de ir
até à Índia, sobretudo depois de ter recebido a promessa incentivadora de D.
Manuel – “Irá surgir a minha hora? Benvinda hora.” E o futuro almirante
abandona a festa, perseguindo a sua ideia, “pretextando cansaço, mas com a face
banhada de esperança”, enquanto a paisagem se sintoniza com ele, pois “as
laranjeiras, sob o luar, naquele largo branco de cal e absoluto, estão cobertas
de ouro.” Entretanto, já Vasco da Gama tinha também a promessa da companhia do
amigo poeta Luís de Mendonça, que, sofrendo a dor da morte de sua mulher,
pondera seguir o herói “lá para as Índias, para o Oriente, para o
desconhecido”.
Não
sendo um conto extenso, Os campos da
promessa foi uma forma de comemorar Vasco da Gama no ano em que se
assinalava o quinto centenário da chegada dos Portugueses à Índia por mar. A
história deixa um retrato de Vasco da Gama a querer integrar o futuro de
Portugal, animado de um espírito de descoberta, sensível, todos ingredientes
necessários à construção do herói que a História receberia no final daquela
década, por incumbência de D. Manuel I (que subira ao trono em 1495) e que
Camões iria glorificar literariamente três quartos de século depois.
Sublinhados
Loucura – “Será a loucura uma perda de faculdades ou uma
outra forma de saber, tumulto da alma em que o mais fundo do nosso ser vem à
tona?”
Dirigir – “Os homens não prestam e ao mesmo tempo são capazes
de grandes feitos. Há que saber levá-los e dirigi-los com rigor, sendo
preciso.”
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sábado, 1 de agosto de 2015
Castro Verde - Ver o cante alentejano
De passagem por Castro Verde, uma visita e um olhar sobre exposição pública de rua de ilustrações de Joaquim Rosa sobre o cante alentejano. A força do som e da voz, o espírito de grupo, o enaltecimento do trabalho e da identidade. A acompanhar a exposição, há ainda dois textos: um de José Luís Peixoto e outro de Afonso Cruz, ambos imbuídos da alma alentejana. Para (re)parar.
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