quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O mês de Bocage


Bocage volta a ser protagonista neste Setembro, em que passam 249 anos sobre o seu nascimento, uma acção acentuada pelo facto de o feriado de Setúbal se fundar sobre o dia em que Bocage viu a luz e por, a propósito da data e da efeméride, o nome de Bocage ser condimento indispensável para uma série de actividades.
Setúbal tem o condão de fazer coincidir o seu feriado municipal com uma data ligada a um poeta, tal como acontece, de resto, com o país, ao celebrar o seu dia numa data ligada a outro poeta. Destino ou mera coincidência, o facto é que Camões e Bocage se tornam inesquecíveis mesmo por essa coisa tão simples que é a de terem uma data sua no calendário dos eventos deste mundo, ainda que isso só por si não seja garantia de glória, uma vez que as obras dos poetas são para ser lidas, num gesto de construção da memória e numa atitude de contemplação da arte e de conhecimento.
Bocage é um monumento da cultura portuguesa e, comemorações à parte, bem merecia ser mais lido, mais falado, mais citado, mais conhecido. Obviamente, há textos difíceis na produção bocagiana; mas nem todos o são. E, depois, há um pormenor de graça: é que, recorrendo mesmo às traduções que o ajudaram a viver (e que ultrapassam em muito o “mero” acto de traduzir, pois que Bocage lhes associou criação), também encontramos poemas que podem ter público de todas as idades. Assim, lógico seria que pelas escolas, pelas colectividades, pelas instituições, se invocasse a obra de Bocage não só em Setembro. Creio que a elaboração de uma antologia acessível, equilibrada em termos de prazer da leitura, diversificada quanto a modalidades poéticas que Bocage deixou, deveria ser um objectivo de Setúbal, com divulgação dessa obra pelos setubalenses e pelos seus convidados ou visitantes, distribuição a começar a ser feita logo entre os alunos do primeiro ciclo (que até podiam ilustrar poemas de Bocage, acredito). A tarefa não seria complicada, assim houvesse vontade das instituições (autarquias, Centro de Estudos Bocageanos, LASA, associações e outros parceiros) em colaborarem conjuntamente num projecto destes.
Mas, porque Bocage é mesmo um monumento da cultura portuguesa, ele poderia ser também a motivação e a designação de um roteiro sadino, que passasse pelas coisas interessantes que fizeram a Setúbal do século XVIII, quer em termos de personagens, quer em termos de obra e de história. E, já agora, esse poderia ser um bom pretexto para a recolocação da lápide no exterior da Escola de Hotelaria, onde funcionou o designado “Quartel do 11”, que foi o Regimento de Infantaria de Setúbal, em que Bocage ingressou quando tinha 16 anos, como consta no “Registo do Regimento de Infantaria de Setúbal – livro 3º”, sob o número de matrícula 84, associando ao nome do poeta o castanho do cabelo e os olhos “pardos”. Ora, a lápide foi retirada aquando das obras que o edifício teve e, a partir daí, deixou de estar visível a inscrição que dava notícia da passagem de Bocage por aquele sítio. Não sei a causa da omissão; apenas sinto que este gesto é um lapso contra a memória – não só de quem é evocado, mas também de quem teve a ideia de ali registar o feito para memória futura. A única consideração que faço a este propósito é a de que é um dever dos responsáveis reimplantarem ali a lápide que inscrevia a passagem de Bocage num momento da história do edifício, da organização, da cidade.
E, para voltar a Setembro, recordo o teor da conferência sobre Bocage, pronunciada em 15 de Setembro de há 64 anos, dessa vez tendo sido convidado outro poeta para falar de Bocage: Sebastião da Gama, que escolheu o título “Lugar de Bocage na nossa poesia de amor” para dissertar sobre o poeta e sobre o amor, num percurso absolutamente simples e transparente em que enalteceu a “originalidade de Bocage”. Deixo algumas citações: “O que dá nome e novidade à poesia amorosa de Bocage é o desejo que a percorre toda, sequioso mas terno. (…) Alegre como o campo, claro como a manhã, o amor de Bocage. (…) Era a paixão em carne viva; nenhum romântico foi com tanta violência empós o coração, nenhum romântico foi tão romântico. (…) Poesia feita de impulsos, de momentos, de estados de alma. Não há pose na poesia de Bocage: aquilo que ali está é aquilo que foi; aquilo que não fora, se Bocage tem sido o poeta burguês que certos críticos desejariam.” O texto está disponível na colectânea O segredo é amar, um dos mais belos livros do poeta azeitonense, e, já agora que estamos a falar dos dois poetas maiores da nossa região, esse bem deveria ser outro texto a ter ampla divulgação, pois que é uma óptima iniciação à arte de Bocage!
Enfim: pretextos para que se prepare o ano de 2015, em que passarão os 250 anos sobre o nascimento de Bocage, idade que merece ser assinalada de acordo com o que o número representa…

Sem comentários: