sábado, 2 de novembro de 2013

Máximas em mínimas - Katherine Mansfield


Partilho algumas máximas, depois de ler o Diário, de Katherine Mansfield, em tradução de Fernanda de Castro (Col. “Contemporâneos”. Porto: Livraria Tavares Martins, 1944).

Criação – “Serei eu capaz de exprimir algum dia o meu amor pelo trabalho, o meu desejo de perfeição, a minha ânsia de um labor mais consciencioso? Serei eu capaz de dizer esta paixão que sinto – esta paixão que substitui a religião, porque é a minha religião… que substitui a companhia dos outros, porque sou eu que crio os meus companheiros… que substitui a vida, porque é a própria vida? Sinto-me às vezes tentada a joelhar diante do meu trabalho, a adorá-lo, a prostrar-me, a ficar um tempo infinito em êxtase ante a ideia da criação. (31 de Maio de 1919)”
Diário – “Tenho de pôr o meu diário em andamento e depois tenho de conservá-lo em dia. Mas serei eu capaz de ser honesta? Se mentir, esse diário não servirá para nada. (Fevereiro.1921)”
Honestidade – “A honestidade (porque será?) é a única coisa que me parece mais preciosa do que a vida, do que o amor e do que a morte. Só ela permanece. Acreditem-me! Feitas as contas, a verdade é a única coisa que merece ser possuída… A verdade é mais comovente, mais alegre e mais ardente do que o próprio amor… Tudo acaba por nos abandonar mas ela não pode trair-nos. (Setembro de 1919)”
Mal – “Quando um mal está diagnosticado, qualquer demora que atrase o esforço para curá-lo causa um enfraquecimento fatal. (…) Quando se é negligente, as más ervas pululam. (18 de Outubro de 1920)”
Mar – “O mar, aqui, é mar verdadeiro. Encapela-se, levanta-se e torna a cair com um barulho estrondoso, seguido de um longo rolar macio; por vezes, dir-se-ia que tenta escalar o céu e vêem-se os barcos empoleirados nas nuvens como querubins voadores. (22 de Maio de 1918, em Looe, Cournouailles)”
Morte – “Como seria intolerável morrer deixando apenas fragmentos, esboços, nada de verdadeiramente acabado! (19 de Fevereiro de 1918)”
Partir – “Cada vez que abandonamos um sítio qualquer deixamos atrás de nós qualquer coisa de precioso que não deveríamos matar mas que morre. (9 de Fevereiro de 1922)” (Katherine Mansfield. Diário. Col. “Contemporâneos”. Porto: Livraria Tavares Martins, 1944, pg. 256)
Representar – “Todos nós começamos por representar um papel e, quanto mais perto estamos do que desejaríamos ser, mais perfeito é o nosso disfarce. Por fim chega o momento em que já não representamos; este momento pode mesmo colher-nos de surpresa. Então, contemplamos, talvez com espanto, a nossa bela plumagem, que já não é de empréstimo. Os dois aspectos confundiram-se: o primitivo e este; representar, agora, é agir. (24 de Novembro de 1921)”
Ser – “Para fazermos seja o que for, para sermos seja o que for, precisamos de ser inteiros, de fortificar a nossa fé. Um ser desunido não pode fazer nada de jeito. (1 de Fevereiro de 1922)”
Sofrimento – “Não há limites para o sofrimento humano. Quando se pensa ‘Agora toquei o fundo do abismo, agora não posso descer mais fundo…’ – eis que descemos mais, ainda mais e assim até ao infinito. (…) O sofrimento não tem limites, é a própria eternidade. (…) O sofrimento pode ser vencido. (…) Temos de nos submeter. De não resistir. De o acolher. De nos deixarmos submergir. De o aceitar plenamente. De fazer da dor uma parte da vida. Tudo o que na existência verdadeiramente aceitamos sofre uma transformação. Assim, o sofrimento deve transformar-se em amor. (14 de Dezembro de 1920)”

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