É o quarto livro que António dos Santos publica contando histórias ligadas à instituição setubalense que foi o Orfanato Municipal Presidente Sidónio Pais, criado em 1919, mais tarde conhecido por Orfanato Municipal de Setúbal. Trata-se de Romagem de Saudade (Setúbal: Centro de Convívio dos Ex-Alunos do Orfanato Municipal de Setúbal, 2011), título que deixa adivinhar o que pretende ser o livro – isso mesmo, um peregrinar pelas memórias, pela saudade, pelas recordações, num trajecto que parte de uma data de aniversário para o calcorrear os arruamentos que decidem o mapa dos cemitérios da cidade.
A história é simples: no dia 18 de Maio, passa o aniversário da criação da instituição e, no domingo que lhe seja mais próximo, ocorre o encontro dos ex-alunos do Orfanato. A efeméride já teve pompa, com espectáculos e intensa actividade cultural; porém, com o desaparecer progressivo das figuras que construíram o Orfanato (extinto na década de 1960), as celebrações passaram a ser mais modestas e um punhado de ex-alunos mantém o costume do encontro anual, preenchido com uma romagem aos dois cemitérios de Setúbal, que passa pelas campas dos “irmãos” criados na instituição e entretanto falecidos, bem como pelas dos fundadores, responsáveis e beneméritos do Orfanato, aí ficando uma flor de saudade.
A memória do Orfanato pode ser vista hoje através da militância que mantém o Centro de Convívio dos ex-Alunos do Orfanato Municipal de Setúbal (criado em 1977), nas traseiras da Casa da Baía, mas para ela têm também concorrido os escritos de António dos Santos, que, acentuados pelo pendor autobiográfico, relatam a experiência do que foi ser “irmão” e aprendiz, do que foi o quotidiano naquela escola, do que foi a relação social e profissional estabelecida, elementos também importantes para a história social e humana de Setúbal.
A narrativa deste livro recolhe impressões dos vários sobreviventes sobre os companheiros, dirigentes e beneméritos falecidos e o leitor vai passeando pelos cemitérios e pelas memórias destes homens e da história, sem que se trate de um percurso melancólico, antes vingando “uma homenagem cheia de alegria”, justificada, nas palavras do autor, pela aprendizagem no Orfanato no sentido de todos crescerem “unidos no amor e na disciplina”.
Assim, em jeito de relato, vamos sendo orientados pelos dizeres de uns e de outros dos “romeiros”, pelos comentários de saudade e gratidão ou pelas apreciações mais jocosas, quase fazendo com que o leitor mergulhe naquele espaço social, na história daquela “família”. A acompanhar o texto, saltam fotografias de tempos diversos, que se misturam com outras que reproduzem lápides e momentos desta homenagem. Ressalta dos dizeres destes homens a solidariedade com os “seus” mortos, o encontro com o seu passado, o respeito por quem os ajudou no crescimento e na aprendizagem de profissões, a veneração pela cidade que os apoiou. Já no final da narrativa, depois de uma manhã em que foram visitados os cemitérios da Piedade e da Paz, antes da ida para o almoço de aniversário, há o desabafo: “Todos deixámos aquele lugar triste e pesaroso, mas reconfortados por ter pago uma dívida para com a Casa que nos fez homens educados e responsáveis, motivando-nos todos os anos a continuar.” O relato conclui com o leitor a saber que esta romagem se manterá para além da escrita, pelos anos, enquanto haja sobreviventes e memória.
A escrita de António dos Santos, que, graças às aprendizagens no Orfanato, seguiu a via profissional ligada às artes gráficas, é simples, directa, apenas com o intuito de escrever sobre a “família” do Orfanato, de registar as histórias da(s) vida(s) dos que foram considerados “os mais desamparados”, assim testemunhando sobre uma faceta importante na história local e reforçando os laços entre aqueles que persistem em alimentar a memória.
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