A Fundação Francisco Manuel dos Santos editou (Outubro, 2010) o volume colectivo O valor de educar, o valor de instruir, participado por nomes como Fernando Savater, Ricardo Moreno Castillo, Nuno Crato e Helena Damião, que reúne o essencial das comunicações que, sob o mesmo título, os autores apresentaram em Lisboa e em Faro há poucos dias, num acontecimento organizado pela própria Fundação e sujeito ao mesmo título, num mais amplo debate sob a designação de “Questões-chave da educação”.
Antes de mais, diga-se que esta preocupação que a Fundação Francisco Manuel dos Santos, presidida por António Barreto, tem com a área da educação é algo que só devemos louvar, por várias razões: em primeiro lugar, porque, sendo a educação um domínio que toda a gente acha que tem condições para discutir, tal é a sua importância na sociedade, muitas das coisas que por aí vão sendo ditas não passam de vulgaridades e de praticamente nenhum rigor de análise; em segundo lugar, porque a educação tem sido discutida em Portugal na sua faceta mais imediata e simplória, no âmbito das medidas, sem que se discutam os princípios, sem que se procure uma filosofia da educação para o país.
O texto de Fernando Savater, “O valor de educar”, chama a atenção para a humanização da educação, uma tarefa que não exclui ninguém (família e sociedade incluídas) e que se afigura como uma revolução “que não destrua, mas que conserve o positivo, que transforme”. Queiramos ou não, a educação integra, forma, determina o civismo e, como o autor dizia na conferência de Lisboa, “o problema é quem vai educar”, para concluir que “os bons educadores devem chegar antes dos maus educadores”. Este alerta pode parecer óbvio; mas é nisso mesmo que reside a sua importância: a educação ensina a tolerância e não a resignação ou a indiferença; a educação ensina a liberdade e impede que a ignorância destrua a democracia.
Ricardo Castillo, ao traçar o retrato dos “Problemas da educação em Espanha”, dá algumas ideias para aquilo que se passa em Portugal. Afinal, as coisas não estão assim tão separadas!... O trabalho necessário para o estudo, o quão pernicioso têm sido as teorias dos especialistas da banalidade que têm invadido a pedagogia (uma falsa pedagogia, diria), as discussões em torno da autoridade (da escola e do professor) que apenas demonstram o que foi feito da autoridade que nunca deveria ter sido posta em causa… são questões que passam pela crítica severa de Castillo, que reprova o disparate reinante em muitas teorias da educação e que chega a afirmar que os professores devem “ensinar a lição, como sempre se fez, sem complexos e sem medo de parecerem professores obsoletos, caducos ou nostálgicos e dar má nota a quem não sabe”. É evidente que, num tempo em que o que interessa são as estatísticas do sucesso, mesmo que ele seja mascarado, adulterado ou fingido, as palavras de Castillo tocam fundo e deviam fazer pensar. Afinal, ainda aqui, estamos a falar de filosofia da educação e não de estarmos a tratar de saber se todos os estudantes devem estar ou não no caminho do sucesso… obviamente que devem!
Em “Algumas ideias dominantes na educação em Portugal”, Nuno Crato fustiga os princípios peregrinos da motivação como “base de todo o estudo e de toda a escola”, do objectivo do ensino que é “a compreensão crítica das matérias” e do ensino que se deve orientar “em torno das vivências e do ambiente cultural dos estudantes”. Não serão estes princípios contestados por Crato aqueles que têm posto em causa o valor da instrução e até o valor e o papel da escola?
O quarto ensaio incluído nesta antologia, sobre “A (in)dispensabilidade de ensinar”, assinado por Helena Damião, acentua o valor da instrução como determinante para a prosperidade das sociedades, bem como o papel dos professores nos níveis de aperfeiçoamento que a Humanidade tem conseguido atingir, algo que se conjuga com um princípio basilar que, infelizmente, muitas vezes tende a ser esquecido: “a imprescindibilidade de se ensinar para que se possa aprender”.
Não sei se a leitura destes quatro ensaios é obrigatória para professores, pais e educadores. Se a tanto não conseguimos chegar, é, pelo menos, obrigatório atingir que a educação que queremos deve ser pensada, da mesma maneira que temos de pensar para que tipo de sociedade queremos caminhar. São questões básicas, eu sei; mas, exactamente por isso, têm de ser pensadas, sob pena de se prosseguir nesta alucinação que é a desvalorização de tudo o que tem feito a Humanidade, no vício de que a tradição ou o passado são princípios a rejeitar, na vertigem de que tudo tem de ser reformulado pelo simples facto de que tudo tem de começar sempre de novo… As consequências, como se sabe, estão à vista!
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1. "Quem sinta repugnância pelo optimismo deve deixar o ensino e não pretender pensar em que consiste a educação. Porque educar é crer na perfectibilidade humana, na capacidade inata de aprender e no desejo de saber que a anima, no haver coisas que podem ser sabidos e que merecem sê-lo, na possibilidade de nos podermos melhorar uns aos outros por intermédio do conhecimento." (F. Savater)
2. "A educação é um direito, mas a sua violação não é considerada um delito." (R. Castillo)
3. "Os bons professores sabem há muito que o ensino estruturado é importante, que não se pode esquecer a motivação dos alunos nem a pressão para o estudo, que a tabuada e a mecanização das operações são necessárias, que a ortografia não deve ser desleixada e que a compreensão dos bons textos literários é crucial. Os bons professores sabem há muito o que os teóricos da pedagogia romântica querem que eles esqueçam." (N. Crato)
4. "A tarefa de ensinar é nada menos do que fundamental, e isto a dois níveis: a um nível mais restrito, das aprendizagens de cada sujeito, facultando-lhe a aquisição de conhecimentos e o aperfeiçoamento de capacidades; e a um nível mais amplo, dos desígnios da sociedade e da civilização a que todos pertencemos, mantendo o seu legado e, não ficando por aí, procurando novos saberes que o ampliem." (H. Damião)