sábado, 31 de outubro de 2009

Memórias portuguesas da I Grande Guerra na Biblioteca Municipal de Setúbal

Em 28 de Junho de 1914, dia de São Vito, em Sarajevo (na Bósnia-Herzegovina, sob domínio austríaco havia seis anos), o arquiduque e sucessor Francisco Fernando da Áustria (1863-1914) e sua mulher, Sofia Choteck, duquesa de Hohenberg, foram assassinados pelo jovem estudante Gavrilo Princip (n. 1894), um elemento ligado à causa pan-eslava, que pretendia reunir todos os eslavos do sul sob a coroa sérvia.

O governo de Viena decidiu então acabar com a Sérvia, tendo o Kaiser Guilherme II garantido apoio à Áustria-Hungria. Em 23 de Julho, Viena concedeu 48 horas aos sérvios para castigarem os culpados do atentado, pretendendo ainda enviar agentes seus para uma investigação no terreno, medida que Belgrado não aceitou, apesar de concordar com o ultimato. Em 28 de Julho, Francisco José (1830-1916), tio de Francisco Fernando e imperador da Áustria, então com 84 anos, declarou guerra a Belgrado. As movimentações bélicas aceleraram-se: a Rússia, aliada da Sérvia, decretou a mobilização geral e a Alemanha, sentindo-se ameaçada, declarou guerra à Rússia (em 1 de Agosto) e exigiu à França a sua neutralidade. Mas o Presidente da República francês Poincaré (1860-1934), defendendo a União Sagrada, levou os franceses a acalentar a esperança da reconquista aos alemães do território da Alsácia-Lorena, que tinha sido perdido para os teutónicos em 1871.
Sendo a França aliada da Rússia, a Alemanha tentou atacá-la através da Bélgica, conforme previa o plano Schlieffen. Em 3 de Agosto de 1914, o Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Edward Grey, terá desabafado, ao anoitecer, à janela do seu gabinete: “Agora, extinguem-se as luzes em toda a Europa. Não voltarão a acender-se enquanto vivermos!” A Inglaterra entrou no conflito devido ao seu empenho em defender a Bélgica por questões estratégicas. Todas as partes pensavam que a Guerra terminaria antes do Natal, isto é, dali a cinco meses. Aquilo que Bismarck prognosticara estava a acontecer: um erro cometido na zona dos Balcãs seria responsável por uma guerra europeia.
A guerra não demorou os cinco meses; prolongou-se por quatro anos. No final, oito milhões e meio de soldados pereceram nos campos de batalha (7500 portugueses incluídos), ignorando-se o número de civis mortos, bem como o de participantes psicologicamente afectados ou estropiados. Portugal lutou em duas frentes – a europeia e a africana –, verdadeiro suplício para um país que não era rico e que pensou, pela via da participação na Guerra, obter o reconhecimento do estrangeiro.
De tão grande catástrofe ficaria povoada a memória, acentuada nos escritos testemunhais em que, como referiu Hernâni Cidade (ele próprio combatente na Flandres), se nota uma contradição fundamental: “a falta de harmonia entre o homem essencial e o homem exterior, isto é, entre o homem livre no seu sentimento e na sua razão e o homem deformado pela pressão das circunstâncias que o rodeiam”.
Quando estão já desaparecidas as testemunhas e os actores do que foi a Grande Guerra, é urgente estar de acordo com Philippe Dujardin, quando diz que “la militance mémorielle institue un état de veille”, cabendo à literatura um papel primordial. E como contribuíram os testemunhos para a ideia do que foi a Grande Guerra? Naturalmente que, de um ponto de vista da escrita testemunhal, haverá de imediato a tendência para se filiar o registo na genealogia épica, o que se compreende porque a expressão literária da guerra acaba por não se afastar do que foi a história dos homens que a fizeram, viveram e escreveram. Esta escrita testemunhal, veiculada pelo memorialismo, pela diarística, pela correspondência e pelos romances autobiográficos, sentiu o dever de dizer a verdade, de assentar a literatura sobre a experiência e sobre o vivido, num compromisso do escritor com a escrita, exigindo que o leitor se situe perante uma narrativa a que não é alheia a tonalidade da emoção.
É difícil reconstituir o corpus da literatura memorialística portuguesa da Primeira Grande Guerra, apesar de ter já havido várias tentativas de catalogação. Mas, de vez em quando, essas obras vão aparecendo e permitem-nos participar, à distância, na vida das trincheiras.
Aqui se mostram algumas delas, com todas as limitações imaginadas mas com algumas intenções: avivar a memória, mostrar uma faceta da nossa literatura autobiográfica, ver até onde a Grande Guerra é, ainda hoje, motivo de ficção. Aqui e ali, mostram-se também obras estrangeiras sobre o mesmo tempo e sobre o mesmo tema, porque a Primeira Grande Guerra (que levou a que um estudioso, recentemente, a chamasse para apelidar o século XX como “o século de 1914”) teve marca universal. E o que nela sentiram os portugueses não foi diferente do que sentiram todos os outros participantes, independentemente das cores das bandeiras sob que lutavam…
[texto do roteiro que acompanha a exposição hoje inaugurada, que se manterá
na Biblioteca Pública Municipal de Setúbal até 13 de Novembro de 2009]

3 comentários:

Anónimo disse...

Já visitei. Obrigada pelo «avivar da memória» que, por estas bandas portuguesas, tão perdida anda.
MCT

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...
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