domingo, 28 de novembro de 2010

Coincidências de livros

Forasteiro que, na tarde de ontem, chegasse a Setúbal e se apercebesse da programação cultural na cidade ficaria espantado: numa tarde, entre as 15h30 e as 17h30, nada menos do que a apresentação de quatro livros, todos de diferentes áreas. E não estávamos em nenhuma capital do livro, em nenhum evento desses que giram em torno das festas do livro. Não, era em Setúbal, onde uma situação destas não é vulgar. Por ordem do relógio, ocorreram as seguintes apresentações: Promessa, de Ilídio Gomes (poesia, na Biblioteca Municipal de Setúbal); Edição e editores - O mundo do livro em Portugal, 1940-1970, de Nuno Medeiros (ensaio, na livraria Culsete); Museu de Setúbal e o seu fundador João Botelho Moniz Borba, de Francisco Moniz Borba (memória e história local, no Convento de Jesus); Sobreviver ao cancro, de Florindo Cardoso (testemunho, no Governo Civil de Setúbal).
Coincidência, por certo. E acaso, também. E mais a coincidência de um dos livros ser justamente sobre a vida editorial. E mais a coincidência de outro, sobre o Museu de Setúbal, ter sido apresentado no que do Museu vai restando, assim tornando vivo o que foi um Museu (que agora só por eufemismo se pode dizer que existe).

sábado, 20 de novembro de 2010

Sebastião da Gama homenageado em antologia

Os alunos da Oficina de Poesia da Universidade Sénior de Setúbal publicaram uma antologia intitulada Homenagem a Sebastião da Gama, reunindo 29 textos produzidos nas respectivas sessões.
A antologia foi ontem apresentada, no final da sessão que, no Museu Sebastião da Gama, em Azeitão, decorreu, destinada a alunos da Universidade Sénior de Setúbal e a alunos do Clube Universitário Tempo Livre da Amadora.

TAS levou Gil Vicente à escola


Auto da Barca do Inferno, pelo TAS - Diabo e Companheiros (cena inicial)

Auto da Barca do Inferno, pelo TAS - Anjo e Parvo(s) (cena final)

Na tarde de quinta-feira, o Teatro Animação de Setúbal (TAS) foi à minha escola representar o vicentino Auto da Barca do Inferno. Texto adaptado por Pompeu José e encenado por Pompeu José e Carlos Curto, que alterou a ordem de entrada das personagens em cena e que eliminou mesmo os cavaleiros (que Gil Vicente pôs no final), teve uma representação que surpreendeu também pelos escassos recursos humanos – três actores (a Isabel Ganilho, o Miguel Assis e a Sónia Martins) foram suficientes para dar corpo a toda a trama da peça. Deixo alguns excertos de comentários dos meus alunos.
A.V.: “Achei que a peça se adequava perfeitamente a pessoas da nossa idade, pois a forma como as personagens se exprimiam e falaram conquistou a atenção de todos. Por outro lado, achei interessante o facto de terem alterado a última parte da história, pois não apareceram os cavaleiros e surgiram dois parvos. (…) A actriz que mais gostei de ver em cena foi a Sónia Martins, que representava o Diabo e o Anjo, pois ela mudava de uma personagem para outra tão bem, mudando a voz e a expressão.
I. D.: “Achei interessante a forma como a peça foi representada. Gostei do facto de serem apenas três pessoas a representar a peça. Como um actor referiu, a esfera representava, de certa forma, o globo, o mundo, o que, na minha opinião, foi um aspecto de que gostei muito, porque, em vez da haver as duas típicas barcas, havia uma esfera única, que representava a barca do Inferno ou a do Céu, consoante a cena e a iluminação.
S. S.: “Gostei bastante da representação. O cenário e as roupas estavam diferentes daquilo que tinha em mente quando li a peça, mas surpreenderam-me pela positiva. A peça mostrou-se mais contemporânea do que parecia no papel e eu gostei disso.
A. B. S.: “Gostei do efeito das luzes, porque a mudança de cor fazia mesmo parecer que estávamos no Inferno ou no Céu.
I. P.: “Surpreendeu-me o facto de a actriz que fazia de Anjo e de Diabo mudar tão rapidamente a voz. (…) Não tive nenhum actor preferido, pois acho que todos fizeram um excelente trabalho. Do ponto de vista cénico, estava muito bom, pois gostei da decoração e do efeito das luzes, que mudavam de cor, consoante fosse a barca do Inferno ou do Paraíso.
T. C.: “Gostei muito de ver esta representação. Acho que as alterações introduzidas na peça foram bem conseguidas, pois, como já a conhecia, fiquei sempre na expectativa para ver como era feira a representação dessas mesmas personagens e cenas. Na minha opinião, os actores estiveram muito bem. A expressividade nas suas falas e a criação das personagens cativaram o público. A personagem que mais apreciei foi o Diabo, pois acho que as falas eram muito cómicas e a representação desta personagem estava espectacular, pois os seus actos diziam mais do que as palavras.

Vitória Futebol Clube - 100 anos de vida

Correra animado o Verão setubalense de 1910, ainda em tempo de monarquia, graças a D. Bernardo Mesquitela, comandante da canhoneira “Zaire”, que tinha organizado festas desportivas na zona da Quinta da Saboaria.
Apesar de haver alguns clubes já dedicados ao desporto – como o Grupo Académico, o Setubalense Sporting Clube ou o Bonfim Foot-Ball Club –, a verdade é que, depois desse Verão, um jornal dizia que fazia muita falta em Setúbal um clube que se dedicasse à especialidade do futebol.
Fosse ou não por acaso, o mês de Novembro, quando os tempos já eram republicanos, viu nomes como os de Joaquim Venâncio, Manuel Gregório e Henrique Santos a afastarem-se do BFC para erguerem um novo grupo, a que se juntaram Guilherme da Silveira, Gabriel Rouillé, Manuel Reimão e José Preto Chagas, que, em definitivo, em 20 de Novembro, constituíram o Sport Vitória.
A primeira assembleia geral da organização ocorreu em 5 de Maio de 1911, sessão em que Joaquim Correia da Costa propôs a alteração do nome do clube, que, a partir daí, se passaria a chamar Victoria Foot-Ball Club. A partir desta assembleia-geral, foi criada a primeira direcção do clube, constituída por Manuel dos Santos Barreira (presidente), Mário Ledo (vice-presidente), Manuel Reimão (1º secretário), António Ledo (2º secretário), Joaquim Venâncio (tesoureiro) e João Dinis (capitão geral).
Passados 100 anos sobre esse Novembro de separação e de origem de um novo grupo... parabéns, VFC!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Alexandre Soares dos Santos: um retrato sem eufemismos

Alexandre Soares dos Santos, presidente do grupo Jerónimo Martins – que, recentemente, lançou a Fundação Francisco Manuel dos Santos –, em entrevista que o jornal OJE publicou na edição de ontem (edição nº 1000), fez uma análise do momento que se vive em Portugal, primando pela ausência de “meias palavras ou de eufemismos”, como é dito na introdução à entrevista, conduzida por Luís Pimenta. Alguns excertos:
1. Como se decide - “Há algumas semanas, tive ocasião de dizer a um membro do governo que eles fazem as coisas e utilizam o dinheiro como querem e lhes apetece e depois mandam-nos a factura – a nós, portugueses, que não fomos chamados rigorosamente para nada. O que se tem vindo a passar, de há uns anos a esta parte, é que o Governo e o Parlamento são uma e a mesma coisa, decidem determinados caminhos sem terem em consideração as necessidades do país, antes observando as suas próprias, que servem objectivos partidários. Alimentam-se e decidem-se, por exemplo, projectos megalómanos que têm como único resultado o crescimento do endividamento nacional.”
2. Rumo - “A verdade é que o país deixou de ter um rumo, ninguém sabe para onde vamos e resulta claro que não há hipótese de governar e de progredir sem se saber onde estamos e para onde queremos ir.”
3. TGV - “Pergunto, por exemplo, como é possível continuarmos a discutir projectos como o TGV, quando sabemos, de antemão, que não iremos conseguir financiamento? Porque se continua a mentir à sociedade portuguesa e a alimentar projectos para os quais não há dinheiro?”
4. Trabalho e emprego - “Na verdade, todos têm direito ao trabalho, mas ninguém tem direito a ficar num emprego a vida toda. O trabalho é um direito, mas o emprego conquista-se. Em Portugal confunde-se muito estes conceitos, mas, enquanto assim for, vamos continuar a ver o país a cair. Há uma característica muito nossa, que dificulta as coisas: o português resigna-se, diz que é a 'vontade de Deus'. Mas Deus não tem nada que ver com isto.”
5. Orçamento de Estado - “Este Orçamento não foi preparado com o cuidado e com o tempo necessários, fazendo, aliás, acreditar na ideia de que alguém impôs este OE a Portugal.”
6. Cortes nos salários - “Considero terrível o que se passa com os salários da função pública: foram aumentados de acordo com um ciclo político para, agora, serem cortados. Ora, isto não se faz. Não se pode fazer em nome do que quer que seja. Já defendi anteriormente, mas repito-o: era preferível propor mais horas de trabalho, reduzindo o custo por hora, do que reduzir salários. Teria sido mais justo assim. É preciso olhar para as pessoas e ter em conta que elas assumiram os seus encargos e que têm as suas despesas, que são legítimas e necessárias. (…) Trata-se de uma situação de desânimo generalizado que pode dar origem a fenómenos nada positivos para o desenvolvimento do país.”
7. Entendimentos e rumos - “É absolutamente necessário que as principais forças políticas, sociais e económicas se sentem à volta de uma mesma mesa e discutam o rumo para Portugal, em encontros que poderiam, e deveriam, acontecer sob o patrocínio do Presidente da República. (…) É o que precisamos neste momento: discutir o tempo que for necessário, até encontrar um acordo e, depois, garantir que esse rumo é, de facto, aplicado na gestão do país. E esta será uma missão de todos, da Igreja aos sindicatos, do patronato aos partidos políticos.”
8. Fundação Francisco Manuel dos Santos - “A ideia [da criação da Fundação Francisco Manuel dos Santos] nasceu no seio da família, quando nos interrogámos sobre o que poderíamos fazer por este país, que tanto nos tem dado. (…) Numa das discussões em torno do tema, lançámos o desafio de ‘acordar’ a sociedade civil portuguesa, no fundo, compensando a pouca intervenção que se verifica actualmente, seja do meio académico, seja do mundo empresarial. Queremos, com a Fundação, incentivar o sentimento de que a sociedade civil é o elemento determinante da qualidade do país.”

terça-feira, 16 de novembro de 2010

As árias (com) que Luísa Todi (en)cantou

O grupo “Os Músicos do Tejo”, dedicado à música antiga, teve a sua primeira apresentação há cinco anos, em Setúbal. Passado este tempo, uma figura da cultura setubalense deu o mote ao mais recente trabalho discográfico do grupo: falo do cd As árias de Luísa Todi, que reúne algumas das peças que a cantora lírica sadina interpretou quando corria o último quartel do século XVIII.
O texto introdutório do booklet que acompanha esta obra é da autoria de Mário Moreau, estudioso da biografia e da obra de Luísa Todi (1753-1833), que considera ter este trabalho enriquecido “de modo significativo o património musical português”, uma vez que ele dá a conhecer, “pela primeira vez, nove árias e duas aberturas de óperas do repertório da nossa grande cantora”.
A justificação para a importância de Luísa Todi dá-a Moreau nos seguintes termos, em que evidencia a força da dupla que cruza o canto e a cena, marcas fortes da artista lírica de Setúbal: “Outros cantores e cantoras houve, no decurso desse século, que possuíram dotes vocais de excepção, alguns, porventura, até nalguns aspectos superiores aos de Luísa Todi. Mas o artista lírico, no sentido mais lato da palavra, não se deve limitar a cantar, por muito bem que o faça. Ao pisar o palco para interpretar uma personagem, ele terá também de ter dotes cénicos condizentes com a sua interpretação musical. Era essa componente histriónica que a Todi possuía no mais elevado grau, sobejamente reconhecida e enaltecida pela crítica de toda a Europa e numa época em que o aspecto cénico da interpretação operática era considerado de importância secundária. (…) Mas não se infira destas palavras que ela era uma intérprete cénica máxima mas que vocalmente era apenas ‘suficiente’. Pelo contrário, a sua técnica vocal era igualmente superlativa e só teria, talvez, equivalente numa Mara, numa Bastardella, numa Saint-Huberti e em muito poucas mais. Foi, pois, este binómio canto-cena que colocou a Todi no lugar mais elevado da arte lírica da sua época e que nenhum outro artista conseguiu então igualar.”
O projecto apresentado pel’ “Os Músicos do Tejo”, patrocinado pela Amarsul, tem a direcção musical de Marcos Magalhães e a soprano Joana Seara empresta a voz à interpretação de Luísa Todi. As dezasseis faixas do cd contêm interpretações de Florian Gassman (1729-1774), Bernardino Ottani (1736-1827), Niccolò Pissinni (1728-1800), Giovanni Paisiello (1740-1816), Antonio Sachinni (1731-1786) e David Perez (1711-1779).

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Entre o Forum Luísa Todi e o Cinema Charlot, em Setúbal

Na edição de O Setubalense de hoje, António Elias, na sua rubrica "Conversas de Café", clama pela normalidade, num desabafo que muitos setubalenses perfilharão: é a urgência de Setúbal ter (de novo) o Forum Luísa Todi em funcionamento, condição mínima, determinante e essencial para algum ritmo na vida cultural da cidade. Chega a ser deprimente ver as instituições culturais da cidade arrastarem-se nos seus projectos porque não há uma sala de espectáculos em Setúbal! E, já agora, quanto ao cinema Charlot, será de pensar na atribuição àquele espaço do nome de Mário Ventura, como tão bem sugeriu Luís Souta no Encontro de Estudos Locais do Distrito de Setúbal, que teve lugar no final da semana passada.
Aqui fica o excerto do jornal a que faço referência:

sábado, 6 de novembro de 2010

Luísa Todi - Ouvir as suas árias

O leitor nunca ouviu Luísa Todi cantar, mas sabe que ela foi importante cantora lírica do seu tempo (1753-1833), sendo apreciada nos salões europeus, de Madrid até S. Petersburgo, ainda que ostracizada em Portugal. A memória tem tratado de manter o nome de Luísa Todi, seja em Setúbal (com registo em monumento, na toponímia, num espaço de espectáculos, num prémio de canto), seja em bibliografia adequada (podendo referir-se, além do clássico de Joaquim de Vasconcelos, as biografias elaboradas por Mário Moreau – Lisboa: Hugin, 2002 – ou por Victor Luís Eleutério – Lisboa: Montepio Geral, 2003).
Ouvir Luísa Todi vai ser possível, ainda que por interpostas vozes – em 13 de Novembro, no Teatro Municipal de Almada, vai ser apresentado o cd As árias de Luísa Todi, numa realização do grupo “Músicos do Tejo”, com a soprano Joana Seara e a direcção musical de Marcos Magalhães. Para já, alguns números correm no You Tube.


Estudos Locais de Setúbal (2) – O azar de Vasco Mouzinho de Quevedo

“Ou é azar meu ou é de Vasco Mouzinho de Quevedo; mas digo que é de Vasco Mouzinho de Quevedo e da cultura de Setúbal”. Assim começou Manuel dos Santos Rodrigues a sua conferência de ontem no II Encontro de Estudos Locais do Distrito de Setúbal, intitulada “Os mistérios de Vasco Mouzinho de Quevedo”.
Queria este investigador, com tese defendida sobre este autor setubalense dos séculos XVI-XVII, referir-se ao tempo que passa desde que a Câmara Municipal de Setúbal, em Julho de 2002, assumiu editar a sua obra O "Afonso Africano" de Vasco Mouzinho de Quevedo, tendo para o efeito promovido uma subscrição pública, publicação que ainda não viu a luz do dia, sem que ao autor tenha sido dada justificação para o impasse.
Este incidente prolonga, afinal, o desconhecimento pelo público dessa personagem da cultura portuguesa que foi Vasco Mouzinho de Quevedo, figura que teve a sua vida envolta em mistérios e que, apesar de ser o autor da segunda mais importante epopeia portuguesa, permanece na memória do quase silêncio. Entre outros enigmas que recaem sobre Quevedo, há o do seu nome, uma vez que assinou também como Vasco Mouzinho de Castelo Branco, ou uma vez que o apelido “Quevedo” surge também com as variantes “Quebedo” e “Cabedo”; há ainda o mistério do seu período de vida, garantindo Manuel Rodrigues que ele nasceu antes de 1564 e morreu depois de 1629, mas antes de 1631; e há ainda o não menor segredo que reside na diferença entre o que Quevedo escreveu e deixou nos manuscritos e o que foi publicado…
São mistérios que Manuel dos Santos Rodrigues tem perseguido e tentado desvendar, para alguns deles tendo encontrado respostas. Por resolver continua, no entanto, o enigma com que abriu a conferência…