Anda meio país a discutir a "lei da rolha". Andam partidos preocupados com a "lei da rolha" que no PSD alguém quer impor. Andam a ser títulos de primeira página coisas que só afligem a política, mas que dizem pouco sobre o que o país sente na pele. Hoje, num programa de comentários dos ouvintes passado na Antena 1, cujo tema era a privatização das empresas em que o Estado detém parte importante, um ouvinte dizia algo do género: "No presente, os políticos que decidem têm apenas a carreira do partido, vieram das jotas, de colar cartazes, e não se lhes conhece mais nada." Queria o ouvinte dizer que o divórcio entre a política de que vamos ouvindo falar e o quotidiano que sustentamos é cada vez maior; queria o ouvinte dizer que a política está cada vez mais desenraizada daqueles a quem deveria servir. Na verdade, creio que não ouvimos falar de políticas, mas de politiquices, de muito "show" e de poucas convicções ou princípios. Podia ser mero jogo de palavras, mas é mais do que isso - é a tristeza de um tempo que é o nosso! A certeza é a de que as futilidades ganham o campo e o tempo da discussão...
terça-feira, 16 de março de 2010
sexta-feira, 12 de março de 2010
quinta-feira, 11 de março de 2010
Não é certo que o burro tenha morrido do acidente...
Na edição online do jornal A Bola, António Simões assina o texto “Porque o Fiat do Infante D. Afonso chegou em segundo mas ficou em primeiro...”, crónica com curiosidades sobre o advento do automóvel em Portugal, dizendo, a dada altura, sobre o Panhard et Levassor que o Conde de Avilez fez importar de França em 1895 – o que lhe confere o estatuto de o primeiro automóvel no nosso país –, que “os Avilez tinham palácio em Santiago do Cacém – e na primeira viagem, de Cacilhas para lá, o primeiro acidente: um burro atropelado e morto.”
Com efeito, Alfredo Duro, ao relatar a História do primeiro automóvel entrado em Portugal (Lisboa: 1955), conta que, na viagem, iniciada em Lisboa, o Conde Avilez veio até Palmela sem incidentes; “porém, na passagem daquela vila, se não fossem os bons travões do carro e o sangue frio do sr. Conde de Avilez (Jorge) para evitar matar um burro, o auto ter-se-ia voltado”, acrescentando em rodapé que quem evitou maior desastre foi o burro, que fez parar o carro que descia embalado, e remata: “Claro que o burro morreu e o sr. Conde de Avilez pagou ao dono, a Família Folque, de Palmela, o melhor de dezoito mil réis, quando um burro naqueles tempos custava apenas cinco mil réis!”
Não é seguro que o desfecho tenha sido esse, ainda que a versão relatada pelo jornal setubalense O Districto, de 20 de Outubro de 1895, tenha algumas coincidências. Nesse semanário é reportado: “Esteve na terça-feira nesta cidade o novo trem movido a petróleo. Veio numa hora do Barreiro a Setúbal por Palmela, onde foi enganado no trajecto a seguir, tendo de descer a calçada de Palmela, que é muito íngreme. O trem, ao chegar ao fim da calçada, involuntariamente atropelou um burro, molestando-o levemente.” E, mais adiante, conta o desfecho do atropelamento: “diversos sujeitos fizeram com que o sr. Conde de Avilez depositasse quarenta mil réis, aliás não o deixariam seguir. Resolveu aquele cavalheiro depositar o referido dinheiro com a condição de trazerem o burro no dia seguinte à cidade para ser inspeccionado, o que se fez, sendo o prejuízo avaliado apenas em dois mil réis, devolvendo o dono do burro o resto do dinheiro.”
É, pois, o que se sabe do primeiro acidente com um automóvel em Portugal. E, a acreditar no repórter local, o burro não morreu do acidente. Quanto ao carro, foi um sucesso nas ruas de Setúbal. Escrevia o repórter do jornal sadino O Elmano, na edição de 16 de Outubro, que “o trem caminha perfeitamente e dá as voltas muito bem” e que, “na praça de Bocage, juntaram-se mais de mil e quinhentas pessoas para assistir à partida do senhor Conde”.
Com efeito, Alfredo Duro, ao relatar a História do primeiro automóvel entrado em Portugal (Lisboa: 1955), conta que, na viagem, iniciada em Lisboa, o Conde Avilez veio até Palmela sem incidentes; “porém, na passagem daquela vila, se não fossem os bons travões do carro e o sangue frio do sr. Conde de Avilez (Jorge) para evitar matar um burro, o auto ter-se-ia voltado”, acrescentando em rodapé que quem evitou maior desastre foi o burro, que fez parar o carro que descia embalado, e remata: “Claro que o burro morreu e o sr. Conde de Avilez pagou ao dono, a Família Folque, de Palmela, o melhor de dezoito mil réis, quando um burro naqueles tempos custava apenas cinco mil réis!”
Não é seguro que o desfecho tenha sido esse, ainda que a versão relatada pelo jornal setubalense O Districto, de 20 de Outubro de 1895, tenha algumas coincidências. Nesse semanário é reportado: “Esteve na terça-feira nesta cidade o novo trem movido a petróleo. Veio numa hora do Barreiro a Setúbal por Palmela, onde foi enganado no trajecto a seguir, tendo de descer a calçada de Palmela, que é muito íngreme. O trem, ao chegar ao fim da calçada, involuntariamente atropelou um burro, molestando-o levemente.” E, mais adiante, conta o desfecho do atropelamento: “diversos sujeitos fizeram com que o sr. Conde de Avilez depositasse quarenta mil réis, aliás não o deixariam seguir. Resolveu aquele cavalheiro depositar o referido dinheiro com a condição de trazerem o burro no dia seguinte à cidade para ser inspeccionado, o que se fez, sendo o prejuízo avaliado apenas em dois mil réis, devolvendo o dono do burro o resto do dinheiro.”
É, pois, o que se sabe do primeiro acidente com um automóvel em Portugal. E, a acreditar no repórter local, o burro não morreu do acidente. Quanto ao carro, foi um sucesso nas ruas de Setúbal. Escrevia o repórter do jornal sadino O Elmano, na edição de 16 de Outubro, que “o trem caminha perfeitamente e dá as voltas muito bem” e que, “na praça de Bocage, juntaram-se mais de mil e quinhentas pessoas para assistir à partida do senhor Conde”.
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segunda-feira, 8 de março de 2010
Entre as 7 Maravilhas Naturais de Portugal
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No princípio, eram 323; passaram, depois, a 77; agora, são 21; a partir de Setembro, serão 7. Fala-se do concurso das “Sete Maravilhas Naturais de Portugal", que se iniciou com 323 candidaturas, de que um júri escolheu 77 e, depois de uma escolha monitorizada, ficou reduzido a 21 opções, a partir de agora à espera dos votos portugueses até que, em Setembro, sejam reveladas as maravilhas eleitas.
As paisagens finalistas estão agrupadas em sete núcleos: “Florestas e matas”, “Grandes Relevos”, “Grutas e Cavernas”, “Praias e Falésias”, “Zonas Marinhas”, “Zonas não Marinhas” e “Zonas Protegidas”. A região de Setúbal está presente em três categorias: o Parque Natural da Arrábida, nos “Grandes Relevos” (onde estão também a Paisagem Vulcânica da Ilha do Pico e o Vale Glaciar do Zêzere); o Portinho da Arrábida, nas “Praias e Falésias” (concorrendo com o Pontal da Carrapateira e a Praia de Porto Santo); e o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, nas “Zonas Protegidas” (a par com o Parque Natural da Peneda-Gerês e Reserva Natural da Lagoa do Fogo).
Mais informações aqui.
As paisagens finalistas estão agrupadas em sete núcleos: “Florestas e matas”, “Grandes Relevos”, “Grutas e Cavernas”, “Praias e Falésias”, “Zonas Marinhas”, “Zonas não Marinhas” e “Zonas Protegidas”. A região de Setúbal está presente em três categorias: o Parque Natural da Arrábida, nos “Grandes Relevos” (onde estão também a Paisagem Vulcânica da Ilha do Pico e o Vale Glaciar do Zêzere); o Portinho da Arrábida, nas “Praias e Falésias” (concorrendo com o Pontal da Carrapateira e a Praia de Porto Santo); e o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, nas “Zonas Protegidas” (a par com o Parque Natural da Peneda-Gerês e Reserva Natural da Lagoa do Fogo).
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sábado, 6 de março de 2010
O poder da música, segundo Joan Baez
O caderno "Actual", inserido no Expresso de hoje, contém entrevista com Joan Baez, conduzida por João Lisboa, justificada pelas suas actuações na próxima semana em Portugal. Sobre o poder da música e as suas relações com a política, respondeu a cantora:
"Quando as pessoas são ingénuas, acreditam que a música, por si só, possui esse poder. Mas é claro que isso só acontecerá se justificarmos a música com o que fizermos na nossa vida. Pessoalmente, não desejaria envolver-me política e socialmente sem a música. De todas as artes, a música é aquela que mais facilmente atravessa fronteiras. Uma das nossas cantoras folk, a Odetta, dizia que eram a música e a comida que tinham maior facilidade para cruzar fronteiras... (...) São as canções que me escolhem, não estou bem certa de ser eu a escolhê-las. A forma como um disco se constrói continua a ser, para mim, um processo misterioso. À medida que vamos pensando nas canções, ou se ajustam e se tronam confortáveis ou não. (...)"
José Mattoso e a “ideia para Portugal”
É a segunda personalidade a reflectir sobre uma “ideia para Portugal”, não sob a forma de entrevista, mas num texto-depoimento que saiu na edição do Público de hoje. Escrito poderoso, sem rodeios, assente na cultura, de que transcrevo alguns excertos, alinhados nos subtítulos originais:
História e previsão – “(…) Na verdade, não podemos cultivar ilusões. O mundo será sempre o mesmo: com hegemonia americana, europeia ou chinesa, com globalização ou sem ela, com revoluções ou governos estáveis, com guerras ou com a paz, teremos sempre de contar com o sofrimento, a desigualdade social, a luta pela vida, a morte. (…) Se me perguntam o que espero para Portugal nos próximos anos, devolveria a pergunta aos economistas e sociólogos. Sem ilusões, é claro. Em tempos de crise, como a actual, as suas previsões podem traduzir probabilidades, mas também a intenção oculta de influenciar a opinião pública para tranquilizar os investidores, beneficiar o funcionamento normal da máquina financeira ou favorecer os sectores políticos a que estão ligados. Raramente revelarão informações seguras, ou seja, estatísticas exactas, completas e significativas. A manipulação estatística é uma arma poderosa. (…) As previsões 'científicas' ignoram o inesperado, como aconteceu no 11 de Setembro. (…)”
Identidade nacional – “(…) Que se pode, então, esperar do futuro próximo de Portugal em virtude de factores identitários ou estruturais? (…) Notemos a diferença entre o Portugal atlântico e o interior, o densamente povoado e o desertificado, o citadino e o que resta do rural. (…) Um país feito de bocados que nada consegue unir. Acontece não só nas estruturas socioeconómicas, mas também na produção cultural, cuja 'norma' é a 'descontinuidade de saltos geracionais' (Eduardo Lourenço, citado por Miguel Real), e a esterilidade institucional das obras geniais (Fernão Lopes, Nuno Gonçalves, Vieira, Pessoa, Amadeu, Antero...). Daí o 'irrealismo', acentuado por Eduardo Lourenço, tanto do discurso patriótico alimentado pela epopeia dos Descobrimentos e assumido pelo Estado Novo, como do pessimismo decadentista dos Vencidos da Vida, ambos resultantes do complexo de inferioridade nacional. (…)”
Desencanto – “(…) Depois dos entusiasmos criados pelas expectativas da integração na Europa, os portugueses descobrem que os níveis de vida, a educação elementar, a cultura, as capacidades técnicas, a competitividade económica, o funcionamento das instituições, o desempenho da justiça, a eficiência do regulamento jurídico, continuam tão longe dos níveis da Europa como sempre foram. O "atraso" português é uma dura realidade. (…)”
Saber durar – “(…) Uma das descobertas mais simples e mais irrecusáveis do após 25 de Abril é que Portugal é um país como os outros. Sem missão providencial, sem Quinto Império, sem realizações espectaculares, sem lugar especial no mundo, apesar dos Descobrimentos. Com alguns génios, reais, mas não muito numerosos. Não é provável que para ele se desloque o centro do mundo, ou venha a desempenhar um papel de relevo na confrontação das civilizações. (…) A aceitação do quotidiano pode também significar a libertação tanto dos complexos de inferioridade como da paranóia colectiva. (…) Deve, ser tomado não como programa pessoal sustentado a qualquer preço, mas como convite à resistência quotidiana, à inteligência na busca de soluções possíveis, à busca da solidariedade social, de partilha do bom e do mau, de honestidade e persistência no trabalho, de aceitação da responsabilidade, de sabedoria. (…) O que os nossos antepassados nos ensinam, é isso mesmo - não proclamar glórias quinhentistas que não são nossas, mas de quem as viveu; não declinar responsabilidades inerentes à vida em sociedade; não lamentar vícios nacionais, mas combatê-los; não cultivar utopias enganadoras ou esperanças vãs, mas ser realista e pragmático. Por mais moralista que este discurso pareça (ou seja!), não creio que possamos dispensar-nos de pensar assim, nesta época de dúvidas tão radicais acerca do nosso futuro como as que resultam da globalização, da comunicação em 'tempo real', do domínio da técnica sobre a biologia, da facilidade com que se compra o armamento, da irresponsabilidade com que se agride a natureza. (…)”
O lugar dos justos – “(…) Não acredito numa ideia para Portugal senão baseada no respeito pelo Homem e pela sua dignidade. (…) O que a vida me tem ensinado é que existem mais 'justos' neste mundo do que se pode saber através dos jornais. Há muitas formas de santidade oculta, nem que seja por meio do sofrimento assumido, do apaziguamento, da noção do dever. A religião católica aliada ao individualismo atrofiou o conceito de 'justo'. (…) Os 'justos' são a porção viva e sã, mas escondida, da comunidade a que pertencem. Garantem a sua capacidade de regeneração. (…) Talvez isso sirva de antídoto contra a desilusão que nos causam os poderosos da finança, da política ou do espectáculo. (…)”
História e previsão – “(…) Na verdade, não podemos cultivar ilusões. O mundo será sempre o mesmo: com hegemonia americana, europeia ou chinesa, com globalização ou sem ela, com revoluções ou governos estáveis, com guerras ou com a paz, teremos sempre de contar com o sofrimento, a desigualdade social, a luta pela vida, a morte. (…) Se me perguntam o que espero para Portugal nos próximos anos, devolveria a pergunta aos economistas e sociólogos. Sem ilusões, é claro. Em tempos de crise, como a actual, as suas previsões podem traduzir probabilidades, mas também a intenção oculta de influenciar a opinião pública para tranquilizar os investidores, beneficiar o funcionamento normal da máquina financeira ou favorecer os sectores políticos a que estão ligados. Raramente revelarão informações seguras, ou seja, estatísticas exactas, completas e significativas. A manipulação estatística é uma arma poderosa. (…) As previsões 'científicas' ignoram o inesperado, como aconteceu no 11 de Setembro. (…)”
Identidade nacional – “(…) Que se pode, então, esperar do futuro próximo de Portugal em virtude de factores identitários ou estruturais? (…) Notemos a diferença entre o Portugal atlântico e o interior, o densamente povoado e o desertificado, o citadino e o que resta do rural. (…) Um país feito de bocados que nada consegue unir. Acontece não só nas estruturas socioeconómicas, mas também na produção cultural, cuja 'norma' é a 'descontinuidade de saltos geracionais' (Eduardo Lourenço, citado por Miguel Real), e a esterilidade institucional das obras geniais (Fernão Lopes, Nuno Gonçalves, Vieira, Pessoa, Amadeu, Antero...). Daí o 'irrealismo', acentuado por Eduardo Lourenço, tanto do discurso patriótico alimentado pela epopeia dos Descobrimentos e assumido pelo Estado Novo, como do pessimismo decadentista dos Vencidos da Vida, ambos resultantes do complexo de inferioridade nacional. (…)”
Desencanto – “(…) Depois dos entusiasmos criados pelas expectativas da integração na Europa, os portugueses descobrem que os níveis de vida, a educação elementar, a cultura, as capacidades técnicas, a competitividade económica, o funcionamento das instituições, o desempenho da justiça, a eficiência do regulamento jurídico, continuam tão longe dos níveis da Europa como sempre foram. O "atraso" português é uma dura realidade. (…)”
Saber durar – “(…) Uma das descobertas mais simples e mais irrecusáveis do após 25 de Abril é que Portugal é um país como os outros. Sem missão providencial, sem Quinto Império, sem realizações espectaculares, sem lugar especial no mundo, apesar dos Descobrimentos. Com alguns génios, reais, mas não muito numerosos. Não é provável que para ele se desloque o centro do mundo, ou venha a desempenhar um papel de relevo na confrontação das civilizações. (…) A aceitação do quotidiano pode também significar a libertação tanto dos complexos de inferioridade como da paranóia colectiva. (…) Deve, ser tomado não como programa pessoal sustentado a qualquer preço, mas como convite à resistência quotidiana, à inteligência na busca de soluções possíveis, à busca da solidariedade social, de partilha do bom e do mau, de honestidade e persistência no trabalho, de aceitação da responsabilidade, de sabedoria. (…) O que os nossos antepassados nos ensinam, é isso mesmo - não proclamar glórias quinhentistas que não são nossas, mas de quem as viveu; não declinar responsabilidades inerentes à vida em sociedade; não lamentar vícios nacionais, mas combatê-los; não cultivar utopias enganadoras ou esperanças vãs, mas ser realista e pragmático. Por mais moralista que este discurso pareça (ou seja!), não creio que possamos dispensar-nos de pensar assim, nesta época de dúvidas tão radicais acerca do nosso futuro como as que resultam da globalização, da comunicação em 'tempo real', do domínio da técnica sobre a biologia, da facilidade com que se compra o armamento, da irresponsabilidade com que se agride a natureza. (…)”
O lugar dos justos – “(…) Não acredito numa ideia para Portugal senão baseada no respeito pelo Homem e pela sua dignidade. (…) O que a vida me tem ensinado é que existem mais 'justos' neste mundo do que se pode saber através dos jornais. Há muitas formas de santidade oculta, nem que seja por meio do sofrimento assumido, do apaziguamento, da noção do dever. A religião católica aliada ao individualismo atrofiou o conceito de 'justo'. (…) Os 'justos' são a porção viva e sã, mas escondida, da comunidade a que pertencem. Garantem a sua capacidade de regeneração. (…) Talvez isso sirva de antídoto contra a desilusão que nos causam os poderosos da finança, da política ou do espectáculo. (…)”
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sexta-feira, 5 de março de 2010
Mário Soares em entrevista
Foi a primeira de uma dúzia de entrevistas que o Público divulgou hoje. Objectivo? "Reflectir sobre o futuro do país, num mundo em profunda mudança". O primeiro a dizer de sua justiça e de sua sabedoria foi Mário Soares, entrevistado por Teresa de Sousa. Eis algumas das reflexões, postas por ordem alfabética dos temas que não pela ordem sequencial da entrevista.
BLOQUEIOS – "Em primeiro lugar, na Justiça. Sem uma Justiça séria e eficaz não podemos avançar. Depois, é indispensável lutarmos contra as desigualdades sociais, a pobreza, o desemprego, o trabalho precário. E só a seguir importa controlar o défice, diminuir o despesismo, acabar com a impunidade dos corruptos, responsáveis pela situação em que nos encontramos. (…) Temos de encontrar e criar empregos para os jovens. O drama do desemprego juvenil tem a ver com o desespero e a depressão. Temos de perceber que a coesão social pode ser posta em causa. Se não fazemos as reformas sociais, estamos, inconscientemente, a criar revoltas, difíceis de controlar."
CRISE(S) – "Estamos hoje a viver no mundo uma crise do capitalismo financeiro-especulativo, política, social e de civilização. (…) Só se fala de quê? Das crises, das nossas fragilidades, do derrotismo nacional, que entrou em moda. E, obviamente, das escutas ilegais, dos escândalos, das roubalheiras. Mas não se discute como é possível combater tudo isso... (…) Carecemos de princípios éticos estritos e obrigatórios para que um capitalismo diferente, com dimensão social e ambiental, possa sobreviver..."
BLOQUEIOS – "Em primeiro lugar, na Justiça. Sem uma Justiça séria e eficaz não podemos avançar. Depois, é indispensável lutarmos contra as desigualdades sociais, a pobreza, o desemprego, o trabalho precário. E só a seguir importa controlar o défice, diminuir o despesismo, acabar com a impunidade dos corruptos, responsáveis pela situação em que nos encontramos. (…) Temos de encontrar e criar empregos para os jovens. O drama do desemprego juvenil tem a ver com o desespero e a depressão. Temos de perceber que a coesão social pode ser posta em causa. Se não fazemos as reformas sociais, estamos, inconscientemente, a criar revoltas, difíceis de controlar."
CRISE(S) – "Estamos hoje a viver no mundo uma crise do capitalismo financeiro-especulativo, política, social e de civilização. (…) Só se fala de quê? Das crises, das nossas fragilidades, do derrotismo nacional, que entrou em moda. E, obviamente, das escutas ilegais, dos escândalos, das roubalheiras. Mas não se discute como é possível combater tudo isso... (…) Carecemos de princípios éticos estritos e obrigatórios para que um capitalismo diferente, com dimensão social e ambiental, possa sobreviver..."
ESPANHA – "Deveríamos entender-nos a fundo com a Espanha nesse sentido. Fazer da Península Ibérica, cujo papel na história universal não é preciso recordar, um centro de reflexão, de ideias novas - e de iniciativas - para o futuro da Europa, como agente global na cena internacional. Temos boas condições para que as relações entre os dois Estados ibéricos se articulem nesse sentido. Devemos ter políticas europeias convergentes. Temos de pôr a Península Ibérica a falar e a fazer-se ouvir."
EUROPA – "Sou um europeísta convicto, como muito bem sabe. Defendo os Estados Unidos da Europa. Penso que deveríamos estar a avançar nesse sentido. Mas não estamos. Tenho hoje muitas dúvidas acerca do futuro da Europa. Os actuais dirigentes europeus não têm visão de futuro. Não sei se reparou que a maioria deixou de falar de construção europeia, como se a União fosse um projecto acabado. Não é. Ninguém se interessa em saber para onde vamos. Aos líderes europeus interessa manter o statu quo, que é a situação que mais lhes convém para se manterem no poder. Não querem reformas nem querem acreditar que o mundo deixou de ser unilateral, que o Ocidente deixou de ser o que foi. O mundo é hoje multilateral e passou a ser global. (…) O ideal da construção europeia é tão rico, significou um tal avanço para o mundo inteiro, que, a perder-se, seria uma verdadeira tragédia para a humanidade."
JUSTIÇA – "Não é aceitável que os juízes, que tinham antigamente uma distância necessária em relação aos outros cidadãos, que os tornava uma referência, se banalizem, ocupem em força as televisões para ver quem lá vai mais vezes e diz maiores dislates. Só para dar nas vistas. Convencidos de que se prestigiam muito, porque vão ao barbeiro ou ao café e as pessoas conhecem-nos. Viram-nos nas televisões..."
NOTÍCIAS E BANALIZAÇÃO – "Repetir as mesmas notícias, mostrar as mesmas imagens, dizer sempre o mesmo, durante dias seguidos. É a banalização! Se, em vez da Madeira, for outra desgraça que nos emocione - uma criança que desapareceu, um incêndio, a morte de um pescador - é a mesma coisa. Só se fala disso. À saciedade. Sem critério. Não porque não haja novidades e outros assuntos mais interessantes a relatar. Mas por ser mais fácil. Repetir mil vezes a mesma coisa, alimentando as audiências e as páginas dos jornais. Se for um escândalo, ainda melhor."
OBAMA – "Obama está a fazer o que pode, apesar das dificuldades imensas que enfrenta. Está-lhe a cair em cima o peso do mundo. Tem uma oposição interna extremamente aguerrida. Há quem comece a gritar contra Obama, porque os decepcionou. Como se pudesse fazer milagres. Não pode. É preciso ajudá-lo, sobretudo a Europa. É um suicídio se o não faz."
PARTIDOS – "A política, hoje, quase está resumida à actividade dos partidos que fazem uma guerrilha artificial entre si. Não se discutem ideias nem se alimentam relações de cordialidade entre os líderes. (…) Não vejo razões para esta luta feroz entre os partidos continuar. Todos têm culpas no cartório. São comportamentos vazios de conteúdo, artificiais. Os nossos líderes - todos -, para se imporem e serem respeitados pelo eleitorado, têm de mudar. Ser mais flexíveis, tolerantes e menos dogmáticos. Ninguém - nenhum partido -, por si só, é o exclusivo detentor da verdade ou do patriotismo. Têm que se entender e respeitar mutuamente. A democracia vive da alternância. E durante as crises - mormente tão graves como a actual - os partidos e os políticos devem fazer um esforço de entendimento. É o que desejam os eleitores. E são os meus votos muito sinceros."
POLÍTICA HOJE – "[Há] uma certa degradação da política - a sua mediatização, a sujeição ao marketing... Dominada pelo dinheiro, sem princípios éticos, nem visão global. (…) A crise política em que hoje vivemos é, em grande parte, artificial. Decorre directamente da forma como os partidos se digladiam. A ambição do poder pelo poder ultrapassa tudo o resto. Ironicamente, numa altura em que o poder político - ao contrário do que devia - é e continua a comportar-se como um poder menor em relação ao poder dos interesses, das grandes empresas multinacionais e nacionais e dos bancos. (…) A política virou-se contra si própria, ajoelhou-se perante o "bezerro de ouro" e afastou-se do jornalismo sério. A ideia de que os políticos não prestam, são venais, só querem tratar das suas vidas, está generalizada ma2s não corresponde à verdade. Há casos conhecidos em que é assim, mas não são generalizáveis."
POLÍTICA E NEGÓCIOS – "A política e o mundo dos negócios devem ser completamente separados. Deve ser um ponto de honra para qualquer político. O Estado não tem que fazer negócios. Deve ocupar-se da segurança, da Justiça, das questões sociais, dos problemas de cidadania, da posição de Portugal no mundo, da defesa das instituições democráticas, da coesão e unidade dos portugueses. E dar confiança ao país. Não somos um país pequeno e sem recursos. Temos uma história que nos honra, uma língua em expansão, a terceira mais falada na Europa. Hoje, há 250 milhões de seres humanos que falam português, em todos os continentes. Se juntarmos a isso os 500 milhões que falam espanhol, percebemos o que a Península Ibérica pode - e deve - representar no mundo: uma força."
POR UMA OUTRA POLÍTICA – "A política sem ideias e sem causas não tem sentido. É preciso mudar as coisas para melhor. Sabe, estou convencido de que é como nos vinhos: há anos bons e anos maus. Na política, passa-se o mesmo: há gerações boas e há outras menos boas. (…) Quando falo das gerações, boas e más, como o vinho, é para me dar a mim próprio a alegria de pensar que o mundo muda e muda para melhor. As actuais gerações de políticos, formados na escola do neoliberalismo, não serão excelentes, com as devidas excepções. Mas vão vir outras, seguramente melhores. A necessidade obriga. Acredito nisso. E acredito que, por efeito da crise actual, as novas gerações serão diferentes. A que foi contemporânea dos dois mandatos do Bush foi ensinada a pensar que o importante, na vida, é ganhar dinheiro. O que é importante na política, é o marketing. O que é importante é parecer, mais do que ser... Foi, em parte, esse delírio do lucro fácil que conduziu à crise mundial. As pessoas perderam a sensibilidade para os valores morais e para perceber a importância do que é essencial para o futuro dos seres humanos. Só sentem a necessidade de ganhar dinheiro, de qualquer maneira..."
VERGONHAS – "É a maior vergonha que temos: as desigualdades sociais, as manchas de pobreza, o crescimento do desemprego. São a prioridade para a mudança. Mas isso não nos deve transformar em profetas da desgraça. Já temos muitos... Ouve-se muita gente a dizer que estamos perdidos, que não vamos recuperar, que o país não tem conserto. Se, pelo menos, essa gente fosse capaz de apresentar ideias e soluções. Mas não. Dizem mal e vão para casa, todos satisfeitos. Desabafaram..."
EUROPA – "Sou um europeísta convicto, como muito bem sabe. Defendo os Estados Unidos da Europa. Penso que deveríamos estar a avançar nesse sentido. Mas não estamos. Tenho hoje muitas dúvidas acerca do futuro da Europa. Os actuais dirigentes europeus não têm visão de futuro. Não sei se reparou que a maioria deixou de falar de construção europeia, como se a União fosse um projecto acabado. Não é. Ninguém se interessa em saber para onde vamos. Aos líderes europeus interessa manter o statu quo, que é a situação que mais lhes convém para se manterem no poder. Não querem reformas nem querem acreditar que o mundo deixou de ser unilateral, que o Ocidente deixou de ser o que foi. O mundo é hoje multilateral e passou a ser global. (…) O ideal da construção europeia é tão rico, significou um tal avanço para o mundo inteiro, que, a perder-se, seria uma verdadeira tragédia para a humanidade."
JUSTIÇA – "Não é aceitável que os juízes, que tinham antigamente uma distância necessária em relação aos outros cidadãos, que os tornava uma referência, se banalizem, ocupem em força as televisões para ver quem lá vai mais vezes e diz maiores dislates. Só para dar nas vistas. Convencidos de que se prestigiam muito, porque vão ao barbeiro ou ao café e as pessoas conhecem-nos. Viram-nos nas televisões..."
NOTÍCIAS E BANALIZAÇÃO – "Repetir as mesmas notícias, mostrar as mesmas imagens, dizer sempre o mesmo, durante dias seguidos. É a banalização! Se, em vez da Madeira, for outra desgraça que nos emocione - uma criança que desapareceu, um incêndio, a morte de um pescador - é a mesma coisa. Só se fala disso. À saciedade. Sem critério. Não porque não haja novidades e outros assuntos mais interessantes a relatar. Mas por ser mais fácil. Repetir mil vezes a mesma coisa, alimentando as audiências e as páginas dos jornais. Se for um escândalo, ainda melhor."
OBAMA – "Obama está a fazer o que pode, apesar das dificuldades imensas que enfrenta. Está-lhe a cair em cima o peso do mundo. Tem uma oposição interna extremamente aguerrida. Há quem comece a gritar contra Obama, porque os decepcionou. Como se pudesse fazer milagres. Não pode. É preciso ajudá-lo, sobretudo a Europa. É um suicídio se o não faz."
PARTIDOS – "A política, hoje, quase está resumida à actividade dos partidos que fazem uma guerrilha artificial entre si. Não se discutem ideias nem se alimentam relações de cordialidade entre os líderes. (…) Não vejo razões para esta luta feroz entre os partidos continuar. Todos têm culpas no cartório. São comportamentos vazios de conteúdo, artificiais. Os nossos líderes - todos -, para se imporem e serem respeitados pelo eleitorado, têm de mudar. Ser mais flexíveis, tolerantes e menos dogmáticos. Ninguém - nenhum partido -, por si só, é o exclusivo detentor da verdade ou do patriotismo. Têm que se entender e respeitar mutuamente. A democracia vive da alternância. E durante as crises - mormente tão graves como a actual - os partidos e os políticos devem fazer um esforço de entendimento. É o que desejam os eleitores. E são os meus votos muito sinceros."
POLÍTICA HOJE – "[Há] uma certa degradação da política - a sua mediatização, a sujeição ao marketing... Dominada pelo dinheiro, sem princípios éticos, nem visão global. (…) A crise política em que hoje vivemos é, em grande parte, artificial. Decorre directamente da forma como os partidos se digladiam. A ambição do poder pelo poder ultrapassa tudo o resto. Ironicamente, numa altura em que o poder político - ao contrário do que devia - é e continua a comportar-se como um poder menor em relação ao poder dos interesses, das grandes empresas multinacionais e nacionais e dos bancos. (…) A política virou-se contra si própria, ajoelhou-se perante o "bezerro de ouro" e afastou-se do jornalismo sério. A ideia de que os políticos não prestam, são venais, só querem tratar das suas vidas, está generalizada ma2s não corresponde à verdade. Há casos conhecidos em que é assim, mas não são generalizáveis."
POLÍTICA E NEGÓCIOS – "A política e o mundo dos negócios devem ser completamente separados. Deve ser um ponto de honra para qualquer político. O Estado não tem que fazer negócios. Deve ocupar-se da segurança, da Justiça, das questões sociais, dos problemas de cidadania, da posição de Portugal no mundo, da defesa das instituições democráticas, da coesão e unidade dos portugueses. E dar confiança ao país. Não somos um país pequeno e sem recursos. Temos uma história que nos honra, uma língua em expansão, a terceira mais falada na Europa. Hoje, há 250 milhões de seres humanos que falam português, em todos os continentes. Se juntarmos a isso os 500 milhões que falam espanhol, percebemos o que a Península Ibérica pode - e deve - representar no mundo: uma força."
POR UMA OUTRA POLÍTICA – "A política sem ideias e sem causas não tem sentido. É preciso mudar as coisas para melhor. Sabe, estou convencido de que é como nos vinhos: há anos bons e anos maus. Na política, passa-se o mesmo: há gerações boas e há outras menos boas. (…) Quando falo das gerações, boas e más, como o vinho, é para me dar a mim próprio a alegria de pensar que o mundo muda e muda para melhor. As actuais gerações de políticos, formados na escola do neoliberalismo, não serão excelentes, com as devidas excepções. Mas vão vir outras, seguramente melhores. A necessidade obriga. Acredito nisso. E acredito que, por efeito da crise actual, as novas gerações serão diferentes. A que foi contemporânea dos dois mandatos do Bush foi ensinada a pensar que o importante, na vida, é ganhar dinheiro. O que é importante na política, é o marketing. O que é importante é parecer, mais do que ser... Foi, em parte, esse delírio do lucro fácil que conduziu à crise mundial. As pessoas perderam a sensibilidade para os valores morais e para perceber a importância do que é essencial para o futuro dos seres humanos. Só sentem a necessidade de ganhar dinheiro, de qualquer maneira..."
VERGONHAS – "É a maior vergonha que temos: as desigualdades sociais, as manchas de pobreza, o crescimento do desemprego. São a prioridade para a mudança. Mas isso não nos deve transformar em profetas da desgraça. Já temos muitos... Ouve-se muita gente a dizer que estamos perdidos, que não vamos recuperar, que o país não tem conserto. Se, pelo menos, essa gente fosse capaz de apresentar ideias e soluções. Mas não. Dizem mal e vão para casa, todos satisfeitos. Desabafaram..."
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Teresa de Sousa
quarta-feira, 3 de março de 2010
segunda-feira, 1 de março de 2010
Um retrato da democracia
O Público de hoje traz notícia sobre a “representação política” no caso português, na sequência de estudo coordenado por André Freire e José Manuel Viegas, em investigação do ISCTE.
Conclusões? Não parecem novas, antes confirmam coisas que já se sentem há muito, parecendo que apenas os líderes políticos o não querem reconhecer ou o escamoteiam. A saber:
a) “a aversão do eleitorado a uma maioria absoluta de um só partido”;
b) “eleitorado alinhado à esquerda”;
c) posicionamento dos eleitores socialistas e centristas coincidente com o partido;
d) deputados social-democratas “mais à esquerda do que o seu eleitorado”;
e) eleitorado comunista e bloquista posicionado “mais à direita do que os seus representantes no Parlamento”;
f) insatisfação com a democracia no que toca à qualidade da representação (os portugueses não se sentem bem representados) e ao facto de não se poder participar mais;
g) necessidade, por parte dos eleitores, de “uma maior participação na escolha dos deputados”;
h) “maiorias absolutas pouco desejadas”.
Com um retrato destes, bem há que repensar a prática da democracia e a reforma da política!
Com um retrato destes, bem há que repensar a prática da democracia e a reforma da política!
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