“A elaboração do presente trabalho teve como objectivo vincar alguns dos conceitos fundamentais dos principais filósofos abordados e analisados no decurso deste ano, os quais me permitiram ter uma visão mais ampla do conhecimento e da natureza dos valores humanos.” É assim que abre o texto introdutório à obra agora publicada, Glossário de Filosofia (Setúbal, Centro de Estudos Bocageanos), da autoria de Catarina Pires, jovem que concluiu o 10.º ano na Escola Secundária D. João II, em Setúbal, livro que reproduz um trabalho feito no âmbito da disciplina de Filosofia.
O leitor é então levado para os “conceitos fundamentais”, uma espécie de reunião das chaves-mestras do pensamento, obedecendo, como o título deixa antever, a um inventário de ideias ou de nomes, seguindo a ordem alfabética, um ensaio de organização de descobertas e de aprendizagens havidas.
São cerca de 170 as definições apresentadas, a que se soma uma trintena de entradas elementares sobre outros tantos pensadores com indicação do seu período de vida e dos principais títulos que nos legaram, tudo organizado em onze capítulos, divisão que resulta das próprias áreas estudadas na disciplina de Filosofia — “Concepção filosófica geral”, “Ética e Moralidade”, “Filosofia Clássica e grandes nomes da Filosofia”, “Lógica e Raciocínio”, a Filosofia como suporte de diversas áreas (arte, ciência, linguagem, mente e moral, política e social, religião) e ainda “Outros conceitos filosóficos”.
Este glossário é uma tentativa de inventário do que foram o estudo e a pesquisa de um ano, não surgindo como uma caixa fechada, mas como um espaço que pode alimentar pontos de partida. Útil, porque organiza e mapeia os conhecimentos; desafiante, porque não fecha certezas e convida ao pensamento e à procura de sentidos.
Compreendidas alfabeticamente entre “acção contrária ao dever” e “véu da ignorância” (ainda que pertencendo estes conceitos a capítulos diferentes), as definições oscilam entre aspectos mais abstractos e outros mais próximos; no entanto, sempre oportunos e com a necessidade de serem olhados para justificar a vida e as suas atitudes, sobretudo num tempo (como o de hoje) em que parece ganharem terreno o desrespeito pelo outro, o discurso falacioso, a colisão com a liberdade, a aceitação da intolerância ou o desprezo pela argumentação... Está o leitor perante definições que, no mínimo, remetem muito mais para a reflexão do que para as certezas, deixando-nos o dever de aprofundar e de agir em conformidade. Repare-se em alguns exemplos de definições, desafiando-se o leitor para entender a que se refere cada uma delas: “crença ou juízo subjectivo que não possui garantia de verdade objectiva”; “condição de agir conforme a própria vontade, dentro dos limites impostos pela razão e pela ética”; “capacidade de uma pessoa ou grupo social aceitar e respeitar as crenças, práticas e os comportamentos de outra pessoa ou grupo que sejam diferentes das normas ou valores do seu próprio grupo”; “raciocínio errado com aparência de verdadeiro, argumento incoerente, sem fundamento e inválido, utilizado de forma a provar eficazmente o que alega”; “liberdades fundamentais que garantem a autonomia e dignidade de cada pessoa, incluindo direitos como liberdade de pensamento, de expressão, de religião, o direito à vida e à propriedade”, cuja protecção “é essencial à construção de sociedades mais justas e democráticas”; “conjunto de todas as características e eventos-chave que compõem o essencial da existência humana, incluindo nascimento, crescimento, emoção, aspiração, conflito e mortalidade.” Percebe-se, seguindo a ordem destas definições, que se está a falar, respectivamente, de “opinião”, “liberdade”, “tolerância”, “falácia”, “direitos individuais” e “condição humana”. Este glossário, além de sistematizar alguns conhecimentos, apresenta a vantagem de nos poder levar a reflectir sobre o quotidiano, seja para alicerçarmos as opções individuais, seja para respeitar e construir a sociedade de que fazemos parte.
Ao longo do livro, há lugar para algumas referências bibliográficas, espaço em que teria sido vantajoso a Catarina Pires libertar-se um pouco da fidelização ao manual escolar adoptado, podendo ter sido objecto de pesquisa outros títulos no mesmo âmbito, pelas portas referenciais que a pluralidade de reflexões poderia suscitar. Para trabalho de final de ano lectivo numa disciplina do ensino secundário, este Glossário de Filosofia demonstra a utilidade do aprender a pensar na formação do indivíduo, o prazer de assumir o risco da exposição numa área que se está a descobrir e o altruísmo da partilha de verdades fundamentais que têm aplicação na vida.
* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1612, 2025-10-01, pg. 4.
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