quarta-feira, 14 de julho de 2021

Descobrir espaços religiosos em Setúbal



Pertence a Maria das Dores Meira, presidente da Câmara de Setúbal, a primeira justificação: “Contar a história das igrejas, capelas e ermidas do concelho de Setúbal é, acima de tudo, relatar a vida dos homens e mulheres que edificaram, ao longo de muitos séculos, a grande comunidade que somos hoje.” O mesmo respeito pelo valor humano surge nas palavras de D. José Ornelas Carvalho, bispo de Setúbal: “Conhecer, visitar e usufruir do nosso património histórico é um ato de gratidão para com aqueles que nos precederam, de afirmação da nossa identidade histórica, cultural e religiosa e uma forma de afirmar a vontade de futuro, não para copiar, mas para dar cunho próprio ao novo que criamos.” Os dois desafios abrem o livro Património religioso de Setúbal, publicado recentemente pela Câmara Municipal de Setúbal, com recolha informativa de Horácio Pena e fotografia de José Luís Costa.

Ao longo de uma centena de páginas, em que não falta uma bibliografia do essencial, tornamo-nos visitantes de 33 espaços (22 em Setúbal, 11 em Azeitão), circulando por igrejas (8), capelas (11), conventos (8), ermidas (5) e um recolhimento, pontos de descoberta de património e de histórias. Que o propósito desta publicação está virado para o visitante torna-se evidente pela informação assente apenas sobre o primordial das construções, apresentada em português, francês e inglês, constituindo convite para a procura (facilitada por inclusão de moradas e de mapas de localização) e para a descoberta pessoal, com o apoio da fotografia que nos apresenta os exteriores dos edifícios, a profundidade de alguns interiores e, por vezes, o contorno de pormenores.

Os espaços assinalados permitem encontrar momentos da história cruzada da região e do país (Convento de Jesus), do envolvimento social (o papel dos pescadores e das confrarias), da presença de ordens religiosas diversas (franciscanos, jesuítas, carmelitas, dominicanos, agostinhos), estéticas de época (manuelino, na igreja de S. Julião ou nos Conventos de Jesus e de S. João, ou barroco, na capela da Fortaleza de S. Filipe), referências de decoração (azulejo, talha, imagens) e lendas (igreja de Nossa Senhora da Anunciada ou ermida da Memória). De fora não fica a protecção invocada quanto à defesa dos inimigos (capela de Nossa Senhora da Conceição) ou das profissões (capela da Casa do Corpo Santo, ligada aos pescadores), como não ficam as vicissitudes e alterações funcionais por que passaram algumas construções - o Convento de Nossa Senhora da Boa Hora, que foi liceu, tribunal e espaço da polícia; o Convento de São Domingos, que albergou hospital militar e quartel e teve a quinta transformada em cemitério público; o Convento de S. João, cujo claustro serviu para praça de touros; o Convento de Nossa Senhora dos Anjos, que foi quartel militar. As histórias destas construções permitem também o encontro com personagens da história como D. João II e Boitaca (Convento de Jesus), Frei António das Chagas (Convento de Nossa Senhora dos Anjos), Frei António da Visitação (Convento de Nossa Senhora do Carmo) ou o jesuíta Gabriel Malagrida (Recolhimento de Nossa Senhora da Saúde). Há ainda aspectos curiosos como as colunas “torsade” ou o ensaio da igreja-salão (Convento de Jesus), a talha nunca dourada (ermida de S. Marcos), a devoção passada para o Brasil (Senhor do Bonfim) ou a ermida construída para proteger um cruzeiro gótico (Nossa Senhora das Necessidades).

Estamos perante um livro acessível, que surpreende pela quantidade de construções que nos apresenta, e prático, que contém o essencial para que nos tornemos visitantes do nosso património, visando conhecê-lo e valorizá-lo pelo que de importante nos traz até ao presente.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 663, 2021-07-14, p. 9.


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