quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Memória: Fernando Gandra (1947-2021)



Um dia, num encontro de acaso na rua, cruzei-me com o Daniel Pires e um outro amigo, que logo me foi apresentado: o Fernando Gandra. A partir daí - não sei em que ano, mas recordo-me do sítio -, falámos muitas vezes, convivemos, trocámos ideias, participámos juntos em algumas actividades, conhecemos as famílias respectivas com mútuo apreço.

Por amizade, convidou-me para, em 2008, apresentar em Setúbal o seu livro O sossego como problema (peregrinatio ad loca utopica), o que fiz com o gosto de quem descobre vasto conjunto de ideias e uma escrita que oscila entre o filosófico e o poético, na abordagem de temas sérios como a reflexão política, a cidadania.

Li os poemas do Fernando Gandra e as nossas conversas versavam sempre a actualidade, a ironia do mundo e, obviamente, a escrita, a literatura. Fui conhecendo o seu percurso - desde livreiro da “Orfeu”, em Bruxelas, com a esposa, até ao gosto de viver no seu mundo. Sempre que o convidei para uma colaboração poética, nunca se escusou - e sempre apresentou inéditos - o seu último contributo escrito, um poema sobre uma questão actual, "Great again (America)", saiu no nº 13 da Revista LASA, em Outubro.

No último ano e meio, o Fernando confrontou-se com grave problema de saúde - e vi-o assustado por causa da vontade de viver, mas também o vi com momentos de confiança num futuro. Por último, veio a pandemia. E o Fernando Gandra partiu ontem, 27, depois de internamento hospitalar de dois dias. 

Fica-me a saudade, a pena das conversas com improvisos que não voltaremos a ter e dos poemas que não voltarão a acontecer. Quero crer que foi para mais um exílio - depois daquele que teve de fazer antes do 25 de Abril. Obrigado, Fernando Gandra! 

 

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