Em 24 de Março de 1935 foi inaugurado, no jardim do então
Asilo Bocage, em Setúbal, um monumento ao seu fundador, Dr. Francisco Paula
Borba, médico açoriano que se radicou na cidade do Sado em 1898 e aí viria a
terminar os seus dias em 1934. A escolha da data para a inauguração do
monumento revestiu-se de elevada carga simbólica para os que conheceram Paula
Borba, porquanto o seu falecimento, ocorrido seis meses antes (em 27 de
Setembro), ainda não remetera o nome do clínico para o esquecimento e porque a
data de 24 de Março era também a do seu nascimento, que ocorrera em 1872.
Para a homenagem a Paula Borba, a Mesa Administrativa da
Santa Casa da Misericórdia de Setúbal fez publicar na edição de O Setubalense de 21 de Março um convite
dirigido à população para "assistir a esses actos, afirmando assim, mais
uma vez, com a sua presença, a sua grande saudade por quem tão dedicadamente o
serviu e a sua admiração e reconhecimento pela obra de assistência" que
deixou.
O programa, publicado em outra página do mesmo jornal,
abrangeria todo o dia de 24 de Março. Depois de a manhã ser ocupada com uma
missa em S. Julião e com romagem ao cemitério, a tarde começaria com a aposição
de uma placa toponímica naquela que, a partir dessa data, passaria a ser a rua
Paula Borba (espaço que até aí pertencera à rua Serpa Pinto) e haveria ainda
lugar para a inauguração do monumento e de uma exposição no Asilo Bocage e para
a admissão de uma dezena de internados na mesma instituição.
Em 23 de Março, O
Setubalense usou toda a primeira página para assinalar a homenagem ao Dr.
Paula Borba, reproduzindo o quadro da autoria do pintor sadino Fernando Santos
alusivo ao homenageado. O quadro passaria a figurar no Asilo Bocage, a fim de a
presença do seu fundador ser ali sempre lembrada. Em jeito de legenda, o jornal
evocava a personalidade de Paula Borba dizendo que em "cada dia que passa
mais se agiganta a sua figura". Este gesto levado a cabo pelo jornal
conduziu a que a edição se esgotasse no próprio dia da saída, acontecimento que
obrigou o jornal a publicar reproduções do quadro alusivo a Paula Borba, cujo
produto de venda reverteu a favor do asilo.
O busto, da autoria de Leopoldo de Almeida e assente em
plinto arquitectado por Abel Pascoal, foi descerrado por João Borba, filho do
homenageado. O Setubalense de 25 de
Março referiu que a festa contou com "a assistência de muitas pessoas e
com a colaboração das bandas das sociedades Capricho e União Setubalense".
Presentes as mais altas individualidades, no busto foi colocada a medalha da
cidade pelo representante da Câmara Municipal e, de entre os discursos
proferidos, ganhou ênfase a expressão de Botelho Moniz, ao dizer que "a
morte havia arrebatado o Dr. Paula Borba, mas o seu coração não morrera".
Luto sobre Setúbal
Várias páginas de diversas edições do jornal O Setubalense foram ocupadas com
referências ao Dr. Paula Borba aquando do seu falecimento, ocorrido às 13h30 de
26 de Setembro de 1934. Logo nesse dia, o periódico fez sair uma edição,
ocupando a primeira página com a reprodução de um retrato do benfeitor
desaparecido e deixando perpassar uma sensação de perda para a cidade e para a
população: "Os crepes dum luto rigoroso cobrem hoje a cidade de Setúbal.
Morreu o ilustre médico Sr. Dr. Paula Borba, cidadão honorário da cidade e
director da Assistência setubalense". O jornalista não escondia do seu
público que estava a escrever "debaixo de uma formidável impressão de
tristeza". O testemunho dado era comovente, ao mesmo tempo que homenageava
as virtudes de Paula Borba. Foi através do jornal, aliás, que a notícia se
espalhou, uma vez que, logo que foi sabido o passamento do médico benfeitor, a
sede d' O Setubalense colocou
bandeira a meia haste.
Instituições como a Santa Casa da Misericórdia, a Sociedade
Musical União Setubalense e a Associação Comercial de Setúbal fizeram publicar
notas lutuosas a convidar os seus associados a participar no funeral, sendo
proposto aos comerciantes que encerrassem os estabelecimentos; o Liceu de
Bocage e a Escola Comercial e Industrial João Vaz solicitaram aos alunos e à
Academia que se concentrassem nos respectivos estabelecimentos para integrarem
o cortejo fúnebre.
No dia do funeral, em 27 de Setembro, O Setubalense voltava a ser quase totalmente ocupado com
referências a Paula Borba, fosse através de textos de autores setubalenses,
fosse mediante a reprodução de testemunhos colhidos na imprensa de Lisboa. A
impressão vivida na cidade pode ser avaliada pelo conteúdo de um parágrafo que
funciona como subtítulo na primeira página dessa edição: "O luto da cidade
de Setúbal, em homenagem ao distinto médico Dr. Francisco de Paula Borba, não
só a enobrece como a dignifica". O jornal procurava tudo relatar, chegando
mesmo ao ponto de referir quem tinha feito chegar mensagens de condolências à
residência da família Borba, sita na Avenida 5 de Outubro, reproduzindo mesmo o
conteúdo de algumas, como a do Presidente da República, Óscar Carmona:
"Com a expressão sincera do meu maior pesar, envio a V. Exª as mais sentidas
condolências".
Todas as instituições sadinas se fizeram representar nas
exéquias de Paula Borba, integrando um cortejo que passou por pontos da cidade
a que o extinto tinha estado ligado, com paragens frente ao Asilo Bocage, ao
Hospital e ao Asilo Barradas.
As referências ao médico na imprensa prolongaram-se por
várias edições e por vários jornais. A ideia de uma homenagem a Paula Borba
começou a tomar corpo logo na edição d' O
Setubalense de 29 de Setembro, onde era dito que se projectava para 26 de
Outubro, quando decorreriam trinta dias sobre o falecimento, "uma grande
sessão de homenagem". José Maria da Silva assinava nessa edição um soneto
dedicado a Paula Borba, realçando-lhe as virtudes: "tu foste um bom, foste
um santo / que a todos socorrias e o pranto / enxugavas ao pobre, dia a
dia". No entanto, a grande homenagem viria a ter lugar mais tarde, quando,
em Março seguinte, passasse a data de nascimento de Paula Borba.
Biografias
Quando, em 1947, Manuel Envia publicou o seu livro Coisas de Setúbal, o nome e a figura do
Dr. Paula Borba tiveram aí direito a uma nota biográfica de cinco páginas.
Chegado a Setúbal em 1898, Paula Borba começou por oferecer gratuitamente os
seus serviços clínicos ao hospital da Misericórdia. Ao longo das quase quatro
décadas que passou na cidade, distinguiu-se pelo apoio médico-sanitário e pela
benemerência, tendo obtido o título de "cidadão honorário" de Setúbal
em 1927, além de outras menções honoríficas que lhe foram atribuídas.
Impulsionador de uma obra assistencial vasta, a sua vida ficaria para sempre
ligada à Misericórdia de Setúbal, organismo de que foi, aliás, provedor desde
1917 até à sua morte.
O Asilo
Bocage, assim denominado aquando da sua fundação em 1913 graças ao facto de os
fundos existentes no Montepio resultantes do remanescente da verba das despesas
do centenário de Bocage (ocorrido em 1905) terem revertido para a construção do
Asilo (conforme acta que foi publicada em O
Elmano, de 13 de Setembro de 1913), passaria, nos anos 40, a deter o nome
do seu fundador Paula Borba.
A mais completa biografia deste médico que adoptou Setúbal até hoje
publicada é da autoria de Rogério Claro e data de 1986. Dr. Francisco de Paula Borba - 1º Cidadão Honorário de Setúbal é
uma narração de cerca de oitenta páginas sobre os feitos públicos do
biografado, com referências à imprensa e algumas reproduções fotográficas de
documentos alusivos a Paula Borba e à história da cidade. Do retrato traçado
ressalta, além da benemerência, o valor da coragem, que na forma como o médico
levou até final a sua doença, quer na maneira como se entregou à causa da saúde
dos mais desprotegidos em Setúbal, quer na verticalidade com que assumiu as
obras a que se meteu. Grande impulsionador do Congresso das Misericórdias que
conseguiu trazer a Setúbal em 1932, ficou célebre o discurso feito na abertura,
em que disse, referindo-se à obra do Asilo: "Nada se pediu ao Estado;
seria perder a autonomia que queremos!" Para Rogério Claro, o nome de
Francisco de Paula Borba é o de "um Homem que, não sendo de Setúbal, a
serviu como raros, de si e dela deixando memória notável".
[Este texto foi originalmente publicado no Jornal da Região - Setúbal / Palmela, em Julho de 2000. Reproduzo-o hoje, depois de ter ouvido a excelente palestra sobre a figura de Paula Borba feita pelo seu neto, o eng. Francisco Borba, que, num discurso comedido, equilibrando a emoção de biografar um familiar e o rigor da investigação, apresentou muitas pistas para uma mais completa biografia deste açoriano que foi uma das figuras importantes do primeiro terço do século XX setubalense.]
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