sexta-feira, 15 de março de 2013

Francisco Paula Borba - um benfeitor de Setúbal



Em 24 de Março de 1935 foi inaugurado, no jardim do então Asilo Bocage, em Setúbal, um monumento ao seu fundador, Dr. Francisco Paula Borba, médico açoriano que se radicou na cidade do Sado em 1898 e aí viria a terminar os seus dias em 1934. A escolha da data para a inauguração do monumento revestiu-se de elevada carga simbólica para os que conheceram Paula Borba, porquanto o seu falecimento, ocorrido seis meses antes (em 27 de Setembro), ainda não remetera o nome do clínico para o esquecimento e porque a data de 24 de Março era também a do seu nascimento, que ocorrera em 1872.
Para a homenagem a Paula Borba, a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal fez publicar na edição de O Setubalense de 21 de Março um convite dirigido à população para "assistir a esses actos, afirmando assim, mais uma vez, com a sua presença, a sua grande saudade por quem tão dedicadamente o serviu e a sua admiração e reconhecimento pela obra de assistência" que deixou.
O programa, publicado em outra página do mesmo jornal, abrangeria todo o dia de 24 de Março. Depois de a manhã ser ocupada com uma missa em S. Julião e com romagem ao cemitério, a tarde começaria com a aposição de uma placa toponímica naquela que, a partir dessa data, passaria a ser a rua Paula Borba (espaço que até aí pertencera à rua Serpa Pinto) e haveria ainda lugar para a inauguração do monumento e de uma exposição no Asilo Bocage e para a admissão de uma dezena de internados na mesma instituição.
Em 23 de Março, O Setubalense usou toda a primeira página para assinalar a homenagem ao Dr. Paula Borba, reproduzindo o quadro da autoria do pintor sadino Fernando Santos alusivo ao homenageado. O quadro passaria a figurar no Asilo Bocage, a fim de a presença do seu fundador ser ali sempre lembrada. Em jeito de legenda, o jornal evocava a personalidade de Paula Borba dizendo que em "cada dia que passa mais se agiganta a sua figura". Este gesto levado a cabo pelo jornal conduziu a que a edição se esgotasse no próprio dia da saída, acontecimento que obrigou o jornal a publicar reproduções do quadro alusivo a Paula Borba, cujo produto de venda reverteu a favor do asilo.
O busto, da autoria de Leopoldo de Almeida e assente em plinto arquitectado por Abel Pascoal, foi descerrado por João Borba, filho do homenageado. O Setubalense de 25 de Março referiu que a festa contou com "a assistência de muitas pessoas e com a colaboração das bandas das sociedades Capricho e União Setubalense". Presentes as mais altas individualidades, no busto foi colocada a medalha da cidade pelo representante da Câmara Municipal e, de entre os discursos proferidos, ganhou ênfase a expressão de Botelho Moniz, ao dizer que "a morte havia arrebatado o Dr. Paula Borba, mas o seu coração não morrera".

Luto sobre Setúbal

Várias páginas de diversas edições do jornal O Setubalense foram ocupadas com referências ao Dr. Paula Borba aquando do seu falecimento, ocorrido às 13h30 de 26 de Setembro de 1934. Logo nesse dia, o periódico fez sair uma edição, ocupando a primeira página com a reprodução de um retrato do benfeitor desaparecido e deixando perpassar uma sensação de perda para a cidade e para a população: "Os crepes dum luto rigoroso cobrem hoje a cidade de Setúbal. Morreu o ilustre médico Sr. Dr. Paula Borba, cidadão honorário da cidade e director da Assistência setubalense". O jornalista não escondia do seu público que estava a escrever "debaixo de uma formidável impressão de tristeza". O testemunho dado era comovente, ao mesmo tempo que homenageava as virtudes de Paula Borba. Foi através do jornal, aliás, que a notícia se espalhou, uma vez que, logo que foi sabido o passamento do médico benfeitor, a sede d' O Setubalense colocou bandeira a meia haste.
Instituições como a Santa Casa da Misericórdia, a Sociedade Musical União Setubalense e a Associação Comercial de Setúbal fizeram publicar notas lutuosas a convidar os seus associados a participar no funeral, sendo proposto aos comerciantes que encerrassem os estabelecimentos; o Liceu de Bocage e a Escola Comercial e Industrial João Vaz solicitaram aos alunos e à Academia que se concentrassem nos respectivos estabelecimentos para integrarem o cortejo fúnebre.
No dia do funeral, em 27 de Setembro, O Setubalense voltava a ser quase totalmente ocupado com referências a Paula Borba, fosse através de textos de autores setubalenses, fosse mediante a reprodução de testemunhos colhidos na imprensa de Lisboa. A impressão vivida na cidade pode ser avaliada pelo conteúdo de um parágrafo que funciona como subtítulo na primeira página dessa edição: "O luto da cidade de Setúbal, em homenagem ao distinto médico Dr. Francisco de Paula Borba, não só a enobrece como a dignifica". O jornal procurava tudo relatar, chegando mesmo ao ponto de referir quem tinha feito chegar mensagens de condolências à residência da família Borba, sita na Avenida 5 de Outubro, reproduzindo mesmo o conteúdo de algumas, como a do Presidente da República, Óscar Carmona: "Com a expressão sincera do meu maior pesar, envio a V. Exª as mais sentidas condolências".
Todas as instituições sadinas se fizeram representar nas exéquias de Paula Borba, integrando um cortejo que passou por pontos da cidade a que o extinto tinha estado ligado, com paragens frente ao Asilo Bocage, ao Hospital e ao Asilo Barradas.
As referências ao médico na imprensa prolongaram-se por várias edições e por vários jornais. A ideia de uma homenagem a Paula Borba começou a tomar corpo logo na edição d' O Setubalense de 29 de Setembro, onde era dito que se projectava para 26 de Outubro, quando decorreriam trinta dias sobre o falecimento, "uma grande sessão de homenagem". José Maria da Silva assinava nessa edição um soneto dedicado a Paula Borba, realçando-lhe as virtudes: "tu foste um bom, foste um santo / que a todos socorrias e o pranto / enxugavas ao pobre, dia a dia". No entanto, a grande homenagem viria a ter lugar mais tarde, quando, em Março seguinte, passasse a data de nascimento de Paula Borba.

Biografias

Quando, em 1947, Manuel Envia publicou o seu livro Coisas de Setúbal, o nome e a figura do Dr. Paula Borba tiveram aí direito a uma nota biográfica de cinco páginas. Chegado a Setúbal em 1898, Paula Borba começou por oferecer gratuitamente os seus serviços clínicos ao hospital da Misericórdia. Ao longo das quase quatro décadas que passou na cidade, distinguiu-se pelo apoio médico-sanitário e pela benemerência, tendo obtido o título de "cidadão honorário" de Setúbal em 1927, além de outras menções honoríficas que lhe foram atribuídas. Impulsionador de uma obra assistencial vasta, a sua vida ficaria para sempre ligada à Misericórdia de Setúbal, organismo de que foi, aliás, provedor desde 1917 até à sua morte.
O Asilo Bocage, assim denominado aquando da sua fundação em 1913 graças ao facto de os fundos existentes no Montepio resultantes do remanescente da verba das despesas do centenário de Bocage (ocorrido em 1905) terem revertido para a construção do Asilo (conforme acta que foi publicada em O Elmano, de 13 de Setembro de 1913), passaria, nos anos 40, a deter o nome do seu fundador Paula Borba.
A mais completa biografia deste médico que adoptou Setúbal até hoje publicada é da autoria de Rogério Claro e data de 1986. Dr. Francisco de Paula Borba - 1º Cidadão Honorário de Setúbal é uma narração de cerca de oitenta páginas sobre os feitos públicos do biografado, com referências à imprensa e algumas reproduções fotográficas de documentos alusivos a Paula Borba e à história da cidade. Do retrato traçado ressalta, além da benemerência, o valor da coragem, que na forma como o médico levou até final a sua doença, quer na maneira como se entregou à causa da saúde dos mais desprotegidos em Setúbal, quer na verticalidade com que assumiu as obras a que se meteu. Grande impulsionador do Congresso das Misericórdias que conseguiu trazer a Setúbal em 1932, ficou célebre o discurso feito na abertura, em que disse, referindo-se à obra do Asilo: "Nada se pediu ao Estado; seria perder a autonomia que queremos!" Para Rogério Claro, o nome de Francisco de Paula Borba é o de "um Homem que, não sendo de Setúbal, a serviu como raros, de si e dela deixando memória notável".

[Este texto foi originalmente publicado no Jornal da Região - Setúbal / Palmela, em Julho de 2000. Reproduzo-o hoje, depois de ter ouvido a excelente palestra sobre a figura de Paula Borba feita pelo seu neto, o eng. Francisco Borba, que, num discurso comedido, equilibrando a emoção de biografar um familiar e o rigor da investigação, apresentou muitas pistas para uma mais completa biografia deste açoriano que foi uma das figuras importantes do primeiro terço do século XX setubalense.]

Sem comentários: