quinta-feira, 18 de abril de 2024

Idalina Veríssimo traz Sebastião da Gama aos mais novos



Começa com dois versos do poema “Madrigal”, escrito em 7 de Outubro de 1946, e conclui com a primeira quintilha do poema “O Sonho”, redigido em 1 de Setembro de 1951. Entre os dois excertos, desenrola-se a história de Sebastião, o Menino que Nasceu Poeta, criada por Idalina Veríssimo e ilustrada por Cristina Arvana (edição da Junta de Freguesia de Azeitão), obra que visa apresentar o poeta aos mais novos quando passa o seu centenário.

Tudo se passa entre três personagens — a avó Idalina e os netos Alice e Afonso —, a que se associa a figura de Sebastião da Gama, que ganha vida a partir de uma escultura, numa criação onde o fantástico espreita: “A Alice, sempre muito irrequieta, quis logo mexer na boina do homem da estátua, que lhe sussurrou: ‘Está quieta, Alice! Estás a fazer-me cócegas!’ A princípio, a Alice pensou que o homem da boina era mágico, que tinha poderes. Nunca tinha ouvido uma estátua a falar!” A partir desta forma de meter conversa, a figura de Sebastião da Gama anima-se e serve de cicerone ao trio familiar, num percurso por Azeitão e Arrábida (Portinho e Convento) e pela sua biografia.

Tem, assim, o leitor a possibilidade de conhecer um quase-roteiro do poeta com início nas casas onde nasceu e onde passou a adolescência, com um olhar para a casa que era a da amiga e depois namorada, invocando o namoro “à janela”. Depois, é o caminho para a Arrábida, com a personagem a recordar que “conhecia todos os segredos da serra” e que transportava sempre consigo um “caderno, onde escrevia o que via e sentia”, em caminhadas que tinham a companhia da cadela Dina.

Perante a vista sobre o Sado, o poeta ensina as crianças, suas companheiras de percurso, a olharem o mar e as flores, numa atitude que também pretende ser pedagógica para os jovens leitores. É no Alto do Formosinho que surge o contacto mais sentido com a Natureza — o olhar para as cores do céu, do mar e da serra; o som das aves; o aroma proveniente das flores; o toque do ar inspirador —, ambiente propício à criação poética. A conversa ruma, depois, para a aprendizagem da identificação das plantas e para o relembrar do episódio do ramo de noiva feito com alecrim apanhado na serra que aconteceu no casamento de Sebastião com Joana.

Uma passagem rápida pelo Convento é o ponto que antecede a chegada dos quatro protagonistas ao Forte de Santa Maria, espaço histórico e local afectivo para o poeta, que explica também a razão de ser do título do seu primeiro livro, Serra-Mãe.

A caracterização do poeta vai ganhando alegria pela aproximação aos jovens que o acompanham, todos sorrindo para a vida e para o momento e tendo as crianças a oportunidade de perceber a necessidade do recolhimento e do silêncio como elementos importantes para o pensar e para a produção de um poema.

O final da história acontece com o regresso a Azeitão e com o retomar do tempo, momento em que Sebastião volta a ser estátua. Nas mentes de Afonso e de Alice fica a intensidade da experiência que ambos vão partilhar com a família e, no dia seguinte, na escola — e é o momento para o final: “A Alice e o Afonso gostaram muito de aprender a história a história deste poeta azeitonense e convidam-te a ti, aos teus amigos, aos teus pais e professores, a conhecerem quem foi Sebastião da Gama. Que nunca fique esquecido, nem a sua história de vida, nem a sua poesia, e muito menos o seu Amor à nossa Serra da Arrábida.”

Dar a conhecer a história local aos mais jovens tinha sido pretexto para outro livro de Idalina Veríssimo, Afonso à Descoberta de Azeitão, de 2015, aí aparecendo já a referência a Sebastião da Gama, mas de forma muito sumária. Com a obra agora publicada, enriquecida com finas cores e traços de aguarela, em retratos que bem captam a paisagem e os lugares, o público juvenil tem ao seu dispor a biografia da mais importante personalidade azeitonense ligada à cultura portuguesa, num relato leve e muito ligado à identidade local, que consegue também ensinar a olhar o mundo e a transformar a vida em motivo de poesia.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1283, 2024-04-18, pg. 10.

 

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