O folheto História da donzela Teodora, traduzido por Carlos Ferreira Lisbonense, terá tido a sua primeira edição portuguesa, a partir do castelhano, por 1712. Não há certezas sobre a quantidade de edições (e de versões) desta história - em 2019, Sophie Coussemacker admitiu que, “desde 1498, pelo menos, a história de Teodora conheceu um tal sucesso editorial que se podem contar 59 versões”. E compreendem-se as motivações para as “versões” - as religiosas, entre o cristianismo e o islamismo; as de censura, mesmo que devida aos costumes; as da criatividade dos diversos redactores. Como exemplo, refiram-se duas edições espanholas desta obra: em 1628, em Jaén, saía uma edição que pode ter servido a tradução portuguesa, quer pela estrutura narrativa e frásica, quer pela similitude dos acontecimentos; em 1865, em Carmona, na Andaluzia, era publicada uma edição com alterações substantivas - a proposta de Teodora ao terceiro sábio, nesta edição, não tem nada a ver com o despir e a perda das roupas do vencido: “se me vencerdes, ficarei como vossa escrava enquanto viverdes e, se for eu a vencedora, havereis de me dar dez mil dobras de ouro”.
As origens desta história, que assenta sobre pares antitéticos como o saber e a ignorância, a honra e a desonra, a ostentação e a simplicidade, afirmando verdades universais, perdem-se nos tempos. Não lhes serão estranhos os contos orais (vários capítulos se iniciam com a frase “diz a história que...”) ou a “História da douta Simpatia”, inserta em As Mil e Uma Noites, em que a escrava Tawaddud (Simpatia) vence todos os sábios que a inquiriram.
A popularidade da História da donzela Teodora chegou ao Brasil, adaptada em verso, em data desconhecida,por Leandro Gomes de Barros (1865-1918), de Paraíba, em 142 sextilhas, sempre com idêntico esquema rimático (abcbdb), seguindo a versão portuguesa e concluindo com a referência ao trabalho do poeta: “Caro leitor, escrevi / Tudo que no livro achei / Só fiz rimar a história / Nada aqui acrescentei / Na história grande dela / Muitas coisas consultei.”
Teodora tornou-se assim o símbolo feminino de inteligência e beleza que o garrettiano Frei Jorge usou para classificar a jovem Maria. Mas também houve quem preferisse outra perfeição numa donzela - António Manuel Couto Viana, em 1948, na revista Atlântico, versejou sobre uma Teodora, “menina tristonha / com livros na mão”, dizendo, quase no final: “Menina que pensa / Não sabe brincar / A maior doença / Na vida: é pensar.” Teodora foi, assim, uma questão de modelos e de paradigmas...
* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 898, 2022-07-27, p. 10
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