quarta-feira, 2 de março de 2022

Einstein, Freud e a guerra



Entre 1933 e 1935, o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (surgido em Paris, em 1925, dependente da Sociedade das Nações), antecessor da UNESCO, publicou quatro volumes de correspondência entre reconhecidos pensadores sobre questões prementes para a civilização. O segundo, Porquê a guerra?, reuniu duas cartas trocadas entre Albert Einstein (1879-1955) e Sigmund Freud (1856-1939), de que há diversas traduções portuguesas (Publicações Europa-América, em 2007; Cultura Editora, em 2017; revista Visão - Biografia dedicada a Einstein, de Novembro de 2021).

Ambas as cartas (datadas de 1932), com a brutalidade da Grande Guerra (1914-1918) no horizonte, foram publicadas em 1933, ano em que Hitler ascendeu a chanceler na Alemanha e iniciou a perseguição aos judeus naquele país, contexto que levará os dois subscritores, pelas suas origens, a conhecerem o exílio.

De Potsdam, em 30 de Julho, a missiva de Einstein questiona: “existe alguma forma de libertar a Humanidade da ameaça da guerra?” A pergunta surge porque “aqueles cujo dever é abordar o problema de forma profissional e prática estão apenas a tornar-se mais conscientes da sua impotência para lidar com ele”. Defensor dos direitos humanos e pacifista, Einstein advoga a “constituição, por consenso internacional, de um organismo legislativo e judiciário para ajuizar cada conflito que surja entre as nações”, embora mantendo as reticências, pois “um tribunal é uma instituição humana”, com veredictos que podem ser limitados “por pressões extrajudiciais”. Consciente da “ânsia pelo poder que caracteriza a classe governante”, interroga-se sobre as razões por que esta minoria consegue “dobrar a vontade da maioria”, vulnerável e sofredora, concluindo que escolas, imprensa e igreja ao lado da minoria favorecem o estado de coisas. Outras questões: como levam estes órgãos os seres humanos a sacrificarem as suas vidas? Terá o homem dentro de si, latente, o sentimento do ódio e da destruição? E será possível controlar este sentimento destrutivo? Einstein acreditava que Freud sugeriria “métodos educativos, situados mais ou menos fora do âmbito das políticas”, eliminadores destas incongruências, abordando “o problema da paz mundial à luz das suas descobertas mais recentes”.

Em Setembro, Freud respondia de Viena, explicando o problema a partir da sua especialidade. Primeiro: “os conflitos de interesses entre homens são resolvidos pelo uso da violência”, seguindo o que “é uma verdade em todo o reino animal”, apenas se substituindo a força muscular pelas armas. Segundo: uma das facções tem de ser inutilizada, seja pela morte ou pela intimidação. Depois, a violência pode encontrar resistência na união da comunidade, na lei, mas as leis passam a ser feitas pelos mais fortes e, consequentemente, podem “determinados governantes colocar-se acima das proibições que se aplicam a todos os outros”, passando da esfera da lei para a da violência, levando os “oprimidos” a “constantes esforços para obterem mais poder” e alterações. Quanto ao conflito entre comunidades, quase sempre resolvido pelas armas, acaba no saque ou “pela completa deposição e pela conquista de uma das partes”. Dada a explicação, Freud concorda com Einstein, defendendo “a criação de uma instância suprema e a necessidade de a empossar do poder necessário” como construtores da paz.

Freud conclui aproximando-se de Einstein - “a principal razão pela qual nos rebelamos contra a guerra é porque não o conseguimos evitar fazer”, crendo que “a atitude cultural e o medo justificado das consequências de uma futura guerra” determinarão “um fim à ameaça da guerra”. A única certeza é aquela com que fecha a mensagem: “o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra”.

Infelizmente, a barbárie tem prosseguido, quase um século depois. E a civilização continua a perder...

*J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 797, 2022-03-02, pg. 9.


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