O segundo poema toma como assunto a limpeza que foi feita à estátua por um “peneireiro” habilidoso, fala de alguma desolação pelo final da festa (“Agora tudo tornou / Ao seu primeiro estado / Está o festejo acabado / Sem haver perdas nem danos / Para daqui a cem anos / Ficou tudo preparado.”) e denuncia o facto de não ter sido permitido ao “velho cantador” aproximar-se do centro do evento - “Também quis acompanhar / Esse teu rico festejo, / Mataram-me o meu desejo, / Não me deixaram passar. / Antes eu queria levar / Um bofetão no meu rosto, / Mas sofrendo esse desgosto / tornei p’ra trás, vim-me embora.”
A adesão de António Maria Eusébio a Bocage decorria das informações que lhe chegaram através de uma conhecida figura setubalense, que teve o condão de divulgar a história, as ideias e a importância do poeta, como reconhece: “Quando eu ignorava / Quem Bocage tinha sido, / Tive um velho conhecido / Que dele muito falava. / Valia ninguém lha dava, / Seu saber estava oculto, / Depois que houve o tumulto / Da sua inauguração, / Muitos dizem, e com razão, / Bocage foi grande vulto.” Consegue-se inferir a referência a Manuel Maria Portela (1833-1906), um dos maiores promotores da figura de Bocage em Setúbal.
No último poema do folheto, o tom é algo mais brejeiro. Referindo a conservação da escultura bocagiana, anota: “Tu estavas tão mascarrado / Dos pés até ao pescoço, / Agora és um rapaz moço, / Barba feita e cu lavado.” E, quanto à lira deposta na base do monumento, ri o “Cantador” - “Tens uma lira afinada / Que custou tanto dinheiro, / Sendo tu tão bom gaiteiro / Já não dás uma gaitada.” A finalizar, o “Calafate” exagera, dizendo ao poeta maior: “Ainda hás de ser aclamado / Por D. Bocage primeiro” e “Também hás de ser c’roado.”
À sua maneira, António Maria Eusébio contribuía para a promoção de Bocage, prolongando o inebriamento da festa que honrara o poeta...
* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 817, 2022-03-30, pg. 5.