quinta-feira, 15 de abril de 2021

João de Barros: memórias de Bruges em apoio à Bélgica



Na edição de 23 de Novembro de 1914 da Ilustração Portuguesa, Augusto de Castro assina uma crónica emocionada cujo assunto é o poema Ode à Bélgica, de João de Barros (1881-1960), publicado por essa altura: “canta, num ritmo emotivo e poético, as lágrimas e as ruínas da Bélgica violada e massacrada. (...) Chora a dor da Bruges triste, das cidades incendiadas, dos lares enlutados, dos templos destruídos - e a sua visão evoca a Bélgica redimida de amanhã.”

Em causa estava o sofrimento belga, no contexto da Primeira Guerra Mundial, pois, logo no início de Agosto, o país, que se afirmara neutro, foi invadido pelos alemães e, até Outubro de 1914, padeceu de violência sobre a população civil em elevado grau, sendo referência maior o massacre de Dinant, em 23 de Agosto, com 674 civis fuzilados.

Dedicado aos “amigos de Bruxelas”, o poema é organizado em seis partes, composto por dísticos e um monóstico no final da primeira parte, em métrica hendecassilábica. O tom do sofrimento surge logo no início - “Bélgica formosa, Bélgica fecunda, / Bárbaros sem alma vão-te assassinar! // Na loucura torpe, que incendeia e mata, / sobre ti lançaram garras de ambição! // Sobre ti lançaram, corpo e tenro moço, / mãos de violência, de extermínio e roubo!” -, sendo toda a primeira parte povoada com imagens da destruição por causa da guerra. Perante tal devastação, o poeta lembra na parte seguinte os aspectos bons que o ligam à Bélgica - pessoas, paisagem, paz - até chegar à memória das cidades, ao mencionar “a melancolia dessa Bruges morta, / da cidade morta dos canais que sonham”, imagem em que ressoa o título de Georges Rodenbach (1855-1898), Bruges, a morta, de 1892, personificação daquele espaço, ou um conhecido poema de Mallarmé (1842-1898) dirigido aos amigos belgas, textos que quase conferem o estatuto de romantismo e de arquétipo àquela cidade.

A terceira e a quarta partes constituem uma tela de saudade e de evocação sobre Bruges, onde o poeta ouviu “um Passado inteiro palpitar, erguer-se”: figuras das rendeiras de bilros, “cantos esquecidos”, imagens do passado de artistas e de príncipes, sonoridades dos sinos e dos canais, luminosidade e névoa, uma “paleta” para se “combinarem os mais raros tons”, um espaço para amar. Este êxtase é contrariado quando o poema se aproxima do final, perante uma cidade esmagada e melancólica sob o peso invasor - “Pois o teu encanto, pois a tua graça, / Bruges sem defesa, já tos violaram! // Bruges dolorosa, Bárbaros sem alma / pisam tuas ruas, turvam teus canais!”

O poema conclui com a esperança na recuperação dos valores que a Bélgica representava, assentando sobre um tom exortativo e heróico - “Tu, caminha e luta; tu, combate e canta / Alma de coragem, Força de triunfo!” - e anunciando um ressurgimento “que há-de ser em breve, Bélgica formosa, / Bélgica fecunda, teu Futuro altivo!”

Em 7 de Março de 1915, em Lisboa, no Politeama, Ode à Bélgica era apresentada como poema sinfónico, em composição do grandolense Teófilo Saguer, estruturado em três números - “Bélgica invadida”, “Rendeiras de Bruges” e “Bélgica heróica” -, que “recebeu muitos aplausos, o que também não nos admira, pois o assunto está na ordem do dia”, assinalava o crítico da revista A Arte Musical, de 15 de Março.

Com esta obra, João de Barros enfileirava no rol dos artistas e pensadores republicanos cuja arte favorecia a propaganda contra a Alemanha no conflito da Grande Guerra.

*J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 600, 2021-04-14, p. 5


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