D. José Tolentino Mendonça, arcebispo e poeta, no dia em que assumiu o cargo de responsável pela Biblioteca do Vaticano, em entrevista a António Marujo (no Público, de 1 de Setembro), deu uma definição extraordinária de biblioteca - por um lado, pela simplicidade, e, por outro, pela linguagem metafórica. Prova de sabedoria, de facto. A reter, porque para pensar.
“Digo muitas vezes que a minha primeira biblioteca foi a minha avó materna. A minha avó não sabia ler e a única palavra que, com imensa dificuldade, conseguia escrever era o seu próprio nome. Nada mais do que isso. Mas tinha dentro da cabeça um inteiro reportório do cancioneiro oral com os seus contos, os romances tradicionais, as múltiplas formas da lírica popular, que não se cansava de transmitir. Com a minha avó analfabeta aprendi aquilo que depois os meus anos de estudo só confirmaram: que a palavra escrita é inseparável da voz humana. Que todos os textos do mundo têm dentro de si os vestígios de uma voz. Que a literatura outra coisa não é do que uma fantástica concha acústica, onde podemos reencontrar a interminável conversa que os seres humanos mantêm. Que o silêncio das bibliotecas outra coisa, na verdade, não é do que um impressionante coral com milhões de vozes que atravessam os tempos, cuja audição nos avizinha do inesgotável e fascinante mistério da vida...”
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