sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

A carta de Salvador Peres ao Menino Jesus



Partilho aqui uma muito interessante “Carta de Natal”, dirigida ao Menino Jesus, devida a Salvador Peres (n. 1954), setubalense, músico e animador cultural, além de escritor com os seguintes títulos publicados: A Vingança da Ferramenta (1991), O Armazém de Palavras (2000), A Travessa dos Bispos Escarlates (2012) e, em co-autoria com João Coelho, Está alguém desse lado? (2016). A carta foi publicada ontem no facebook. Vale mesmo a pena ler, porque vale muito a pena pensar.


menino.jesus@belem.com

Querido Menino Jesus,
Dirijo-me a ti neste especial momento em que estás prestes a nascer pela enésima vez (Natal oblige). A tua santa mãe, coitada, há dois mil anos que não faz outra coisa se não dar à luz. E o teu pai terreno, que santo homem e que infinita paciência tem, velando, debruçado sobre a manjedoura, esperando o Esperado: tu. E o burro e a vaca, pachorrentos e santarrões, bufando no esforço de produzir o calor que precisas para não sentir as agruras desse Inverno da Palestina. A Palestina, a Palestina … que lugar para nasceres, criatura divina! Um dia, nem as pedras nem o pó persistirão, tal não é o ardor do ódio. Há dois mil e tal anos, meus Deus e teu Pai, que a coisa se repete num cenário que resistiu ao tempo e não mudou. E a coisa está para durar, dois mil anos ou mais.
A esta hora, já vêm a caminho os Reis Magos e os pastores, estremunhados, quase que estão adivinhando na alvorada o Teu divino nascimento. Está tudo a postos. O Mundo já sabe quem és e o que representas, mas finge que não sabe de nada, à espera que nasças e que tudo se faça a preceito. Paz, amor, esperança, alegria, felicidade, eis o que todos esperam da quadra. Tanta gente na expectativa, todos debruçados sobre a manjedoura, como teu santo terreno pai, José, e o Outro, espreitando, quieto, lá em cima, deixando tudo como está, para não estragar a festa.
O Presépio está a postos, falta nasceres. A tua representação já lá está. Deitado nas palhinhas, ou nas palhinhas deitado, consoante e conforme dê jeito à rima. Falta nasceres, cumprires a tradição, formalizares o acto e descansares os espíritos de milhões de cristãos, novos e velhos, mais e menos crentes, menos ou mais tementes a Deus teu Pai. Gente que espera que nasças as mais das vezes porque sim, porque acreditam que em tu nascendo o sol não lhes faltará no raiar de todas as manhãs.
Salvador (não o de Belém) Peres

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