Partilho
aqui uma muito interessante “Carta de Natal”, dirigida ao Menino Jesus, devida a Salvador Peres (n. 1954),
setubalense, músico e animador cultural, além de escritor com os seguintes
títulos publicados: A Vingança da Ferramenta (1991), O Armazém de Palavras
(2000), A Travessa dos Bispos Escarlates (2012) e, em co-autoria com João
Coelho, Está alguém desse lado? (2016). A carta foi publicada ontem no facebook. Vale mesmo a pena ler, porque vale muito a pena pensar.
menino.jesus@belem.com
Querido
Menino Jesus,
Dirijo-me
a ti neste especial momento em que estás prestes a nascer pela enésima vez
(Natal oblige). A tua santa mãe, coitada, há dois mil anos que não faz outra
coisa se não dar à luz. E o teu pai terreno, que santo homem e que infinita
paciência tem, velando, debruçado sobre a manjedoura, esperando o Esperado: tu.
E o burro e a vaca, pachorrentos e santarrões, bufando no esforço de produzir o
calor que precisas para não sentir as agruras desse Inverno da Palestina. A
Palestina, a Palestina … que lugar para nasceres, criatura divina! Um dia, nem
as pedras nem o pó persistirão, tal não é o ardor do ódio. Há dois mil e tal
anos, meus Deus e teu Pai, que a coisa se repete num cenário que resistiu ao
tempo e não mudou. E a coisa está para durar, dois mil anos ou mais.
A
esta hora, já vêm a caminho os Reis Magos e os pastores, estremunhados, quase
que estão adivinhando na alvorada o Teu divino nascimento. Está tudo a postos.
O Mundo já sabe quem és e o que representas, mas finge que não sabe de nada, à
espera que nasças e que tudo se faça a preceito. Paz, amor, esperança, alegria,
felicidade, eis o que todos esperam da quadra. Tanta gente na expectativa,
todos debruçados sobre a manjedoura, como teu santo terreno pai, José, e o
Outro, espreitando, quieto, lá em cima, deixando tudo como está, para não
estragar a festa.
O
Presépio está a postos, falta nasceres. A tua representação já lá está. Deitado
nas palhinhas, ou nas palhinhas deitado, consoante e conforme dê jeito à rima.
Falta nasceres, cumprires a tradição, formalizares o acto e descansares os
espíritos de milhões de cristãos, novos e velhos, mais e menos crentes, menos
ou mais tementes a Deus teu Pai. Gente que espera que nasças as mais das vezes
porque sim, porque acreditam que em tu nascendo o sol não lhes faltará no raiar
de todas as manhãs.
Salvador
(não o de Belém) Peres
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