quarta-feira, 1 de abril de 2015

Adília Lopes, "Manhã" (2015)



Há um pequeno texto de Adília Lopes, “Praia”, inserido no seu mais recente livro, Manhã (Porto: Assírio & Alvim / Porto Editora, 2015), que bem elucida a estrutura desta obra: “Olhó Rajá fresquinho. Olhá batatinha frita. A praia do Estoril há 50 anos. Nunca gostei de batatas fritas nem de gelados. Mas gosto de escrever estas coisas.”
Deste livro, um circular entre a poesia, o diário, o fragmento, a memória, ressalta esse gosto sentido no “escrever estas coisas”, as mais insignificantes, as mais lembradas, as mais dotadas de uma simplicidade, seja pela fragilidade, seja pela imposição do quotidiano, seja pelo gesto de relembrar momentos, gostos, hábitos de uma vida, num continuado recuo ao passado. De forma serena, poética, sem necessidade de precisar o momento, antes o deixando a bailar na memória, algo que vive muito num pretérito imperfeito, responsável por trazer o passado até ao livro, até ao presente, trajecto assumido numa revelação como esta: “Tenho 54 anos e continuo a pensar como quando tinha 4. Sou feliz assim.”
O tom autobiográfico é ainda acentuado pela entrada de fotografias da infância e juventude da autora, elementos que surgem quase a marcar o ritmo desse género. O primeiro texto, “Colares”, leva a narradora a colar o sítio à sua “recordação mais antiga”, uma forma de marcar o início da memória. E logo por lá passam quadros de que não está afastada a literatura, com alusões a Proust e a Rimbaud. E, quando se chega ao último texto, tem a narradora lembranças capicuas dos 12 e dos 21 anos, volta-se a falar de literatura, do bom que é ler, e, no penúltimo parágrafo da obra, somos novamente surpreendidos por Proust (novamente a capicua). Para concluir que a vida adquire sentido por se “ter estudado e lido muito”. Para concluir que uma parte da vida se escreveu.
Um livro bonito. Que nos permite conviver com o humor que a vida também tem – repare-se no texto “Estrelas”: “Na missa, uma velhota a cantar a ladainha a Nossa Senhora em vez de cantar ‘stella matutina’ cantava ‘estrela na cortina’. Acho isto lindo.”
A ler.

Sublinhados
Pessoas – “Todas as pessoas são bonitas. As modas é que são estúpidas.”
Guerra – “Não gosto nada de guerras. Gosto muito de química mas não sei nada de explosões nem de explosivos. O Manneken-Pis evitou uma explosão ao fazer chichi para cima de uns sacos de pólvora. Ainda bem.”
Aprender – “Sem liberdade não se aprende nada.”
Ler – “Estudar e ler é quase o melhor que há.”

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