Há
um pequeno texto de Adília Lopes, “Praia”, inserido no seu mais recente livro, Manhã (Porto: Assírio & Alvim /
Porto Editora, 2015), que bem elucida a estrutura desta obra: “Olhó Rajá
fresquinho. Olhá batatinha frita. A praia do Estoril há 50 anos. Nunca gostei
de batatas fritas nem de gelados. Mas gosto de escrever estas coisas.”
Deste
livro, um circular entre a poesia, o diário, o fragmento, a memória, ressalta
esse gosto sentido no “escrever estas coisas”, as mais insignificantes, as mais
lembradas, as mais dotadas de uma simplicidade, seja pela fragilidade, seja
pela imposição do quotidiano, seja pelo gesto de relembrar momentos, gostos,
hábitos de uma vida, num continuado recuo ao passado. De forma serena, poética,
sem necessidade de precisar o momento, antes o deixando a bailar na memória,
algo que vive muito num pretérito imperfeito, responsável por trazer o passado
até ao livro, até ao presente, trajecto assumido numa revelação como esta: “Tenho
54 anos e continuo a pensar como quando tinha 4. Sou feliz assim.”
O
tom autobiográfico é ainda acentuado pela entrada de fotografias da infância e
juventude da autora, elementos que surgem quase a marcar o ritmo desse género.
O primeiro texto, “Colares”, leva a narradora a colar o sítio à sua “recordação
mais antiga”, uma forma de marcar o início da memória. E logo por lá passam
quadros de que não está afastada a literatura, com alusões a Proust e a
Rimbaud. E, quando se chega ao último texto, tem a narradora lembranças capicuas dos 12
e dos 21 anos, volta-se a falar de literatura, do bom que é ler, e, no penúltimo
parágrafo da obra, somos novamente surpreendidos por Proust (novamente a capicua). Para concluir que
a vida adquire sentido por se “ter estudado e lido muito”. Para concluir que
uma parte da vida se escreveu.
Um
livro bonito. Que nos permite conviver com o humor que a vida também tem –
repare-se no texto “Estrelas”: “Na missa, uma velhota a cantar a ladainha a
Nossa Senhora em vez de cantar ‘stella matutina’ cantava ‘estrela na cortina’.
Acho isto lindo.”
A
ler.
Sublinhados
Pessoas – “Todas as pessoas são bonitas. As modas é que são
estúpidas.”
Guerra – “Não gosto nada de guerras. Gosto muito de química mas não sei nada
de explosões nem de explosivos. O Manneken-Pis evitou uma explosão ao fazer
chichi para cima de uns sacos de pólvora. Ainda bem.”
Aprender – “Sem liberdade não se aprende nada.”
Ler – “Estudar e ler é quase o melhor que há.”
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