Em 1935, sob o título “Uma
História da Acção dos Portugueses na Grande Guerra”, o general Ferreira Martins
escrevia: “Não é segredo para ninguém que a acção dos portugueses na Grande
Guerra é quase ignorada no estrangeiro. Muita gente sabe que Portugal entrou na
Guerra, mas ninguém sabe ao certo o que fizemos na Guerra.” A observação surgia
a propósito de uma ideia lançada em França por Jacques Péricard, que pretendia
publicar uma história da Grande Guerra apoiada nas narrações dos combatentes,
tendo, para a recolha dos testemunhos portugueses, contactado Ferreira Martins,
que, neste artigo, citava o estilo inflamado e apelativo do autor francês: “Não
é na obra de um homem que eu vos convido a colaborar, mas numa obra nacional. É
agora e não mais tarde que nós podemos reunir em comum as nossas recordações.
Dentro de vinte anos estaremos bem disseminados. Mais tarde, é nesse livro que
nossos filhos, nossos netos e a posteridade irão procurar a imagem verdadeira
do Soldado Português na Grande Guerra. Poder-se-ão escrever, no decorrer dos
séculos, centenas de histórias da Grande Guerra, nunca se poderá recomeçar a
história da guerra pelos antigos combatentes, que vamos agora escrever juntos”.
A questão que Ferreira
Martins considerava estava relacionada com a memória e com a inscrição,
aspectos a que nem sempre se tem dado a devida importância. E, olhando para
trás, é fácil ver que a memória da participação portuguesa na Primeira Grande
Guerra tem sido frágil, muito frágil. Tanto quanto nos permite a linguagem dos
números, pensemos em alguns: para a Grande Guerra, entre os vários contendores,
foram mobilizados quase 74 milhões de combatentes, tendo havido 38 milhões de
baixas registadas (51,8%), entre as quais cerca de 9 milhões e meio de mortos
(quase equivalente à população portuguesa actual); relativamente a Portugal, os
mobilizados foram cerca de 106 mil (não contabilizando tropas nativas de
África), tendo-se registado 33 mil baixas, incluindo cerca de 7 mil e duzentos
mortos e desaparecidos.
O que mais interessa nesta
observação é o que os números representam de humano, de sofrimento humano, de
sonhos destruídos, de tempo gasto na ruína dos seres humanos e do mundo.
Estariam estes homens preparados para o confronto com todas as novidades que
esta guerra nos trouxe, fosse em termos de estratégias, de formas de combate,
de armamentos? Não, não estavam. Partiram estes homens com o sonho de ir
construir algo novo, a paz, e confrontaram-se com a força da morte, da
destruição, do caos.
A Grande Guerra, a Primeira,
acabou oficialmente em Novembro de 1918. Mas, na verdade, ela foi acabando, num
prolongamento que se estendeu por muito tempo. E não estou a referir-me apenas
ao facto de a Segunda, cerca de 20 anos depois, ter surgido; mas, sobretudo, à
dor que se entendeu por famílias, por países, e que se ramificou. Por isso, não
espanta que, quando em 1998, em França, foi realizado um inquérito sobre os dez
mais importantes acontecimentos do século XX, a Primeira Grande Guerra tenha
surgido em quarto lugar, antes, por exemplo, da construção europeia, da crise
de 1929 ou da Revolução Russa, numa lista em que nem a chegada do homem à Lua
entrou!
Em altura do centenário da Grande Guerra, partamos de
três nomes para falar da memória: Francisco Pinto Vidigal, Joaquim da Encarnação
e Manuel Avelino Correia, naturais das freguesias de S. Sebastião, Anunciada e
S. Julião, respectivamente, no concelho de Setúbal. Os três foram mortos nesse
conflito e o primeiro deles terminou a vida em 9 de Abril.
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